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A inconstitucionalidade do uso das Forças Armadas como Força de Segurança Pública

Agenda 29/05/2018 às 13:30

Muito se fala sobre a função constitucional das Forças Armadas. Entretanto, estão surgindo diversas interpretações, principalmente quanto a seu emprego na dispersão da greve dos caminhoneiros.

INTRODUÇÃO

Em data de 21/05/2018, eclodiu uma greve dos caminhoneiros que estagnaram suas atividades face à elevação desenfreada dos combustíveis, afetando todo o país.

Nesse diapasão, muito se fala da decisão do Presidente da República de empregar as Forças Armadas para desobstruir as Rodovias e por termo ao movimento. Entretanto, há de se ter muito cuidado para evitar que existam decisões precipitadas.

ANÁLISE À LUZ DA CONSTITUIÇÃO

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foram criadas duas esferas de instituições que possuem o poder de cuidar da defesa e segurança da população.

A expressão cuidar da “defesa e segurança” não se trata de redundância, uma vez que a Constituição da a elas tratamento e significado distinto. Assim sendo, antes de discorrer sobre o emprego das Forças Armadas, mister se faz diferenciar  a missão constitucional desta e das Forças Auxiliares.

O artigo 142 trata estrutura e função das Forças Armadas, conforme se segue.

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. “Grifos nossos”

A missão primordial das FFAA é a defesa da pátria, ou seja, repelir qualquer ação que provoque risco quanto a Segurança Nacional. Exemplo prático disso é a atuação do Exército, Marinha e Aeronáutica nas fronteiras, onde há o controle e combate ao tráfico de entorpecentes e armas.

Neste sentido, quando se fala em risco à segurança nacional, trata-se de nação como um todo, ou seja, a defesa da pátria de forma ampla e com foco na estratégia de defesa nacional.

Antes de continuar a análise das funções das FFAA, deve-se atentar a outra esfera de instituições que a CF/88 estabeleceu em seu artigo 144.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

- polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

- polícias militares e corpos de bombeiros militares.

O artigo acima possui cinco parágrafos que estabelecem o dever de cada um destes órgãos. Para melhor entendimento do tema em apreço, deve-se atentar para algumas das funções de dois desses órgãos:

POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL: patrulhamento ostensivo das rodovias federais;

POLÍCIAS MILITARES: polícia ostensiva e a preservação da ordem pública.

Ora, vejam, a PRF possui a missão constitucional de cuidar dos eventos que acontecem nas rodovias federais. Lado outro, as Polícias Militares possuem a missão constitucional de efetuar os trabalhos de polícia ostensiva e a preservação da ordem pública.

A CF/88 tem como base a Autonomia Federativa, onde os membros da federação possuem três funções essenciais: Auto-organização; Autogoverno; e Autoadministração. Deste modo, União, Estados-membros, e Municípios gozam de autonomia, onde um não pode interferir no que é competência do outro.

No mesmo sentido ocorre entre as FFAA e os órgãos da Segurança Pública. Conforme dito anteriormente, a PRF e as Polícias Militares possuem competência para atuar no controle das rodovias e no patrulhamento ostensivo/preservação da ordem pública, respectivamente, sendo que às Forças Armadas compete a defesa da Pátria.

Deste modo, as FFAA podem atuar na garantia da lei e da ordem, contudo, não se pode esquecer que, primordialmente, esta é a função constitucional dos órgãos da Segurança Pública. O art. 15, § 2º da Lei Complementar nº 97/99, delimita a atuação das FFAA em relação à garantia da lei e da ordem, onde essa atuação deve ser:

Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação:

§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal. “Grifos nossos”

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Ora vejam, as FFAA podem atuar na preservação da lei e da ordem, entretanto a lei complementar que rege a matéria é imperativa em determinar “observada a seguinte forma de subordinação”. Pouco mais adiante, no parágrafo 2º é determinado que a atuação das FFAA somente é possível após esgotadas as ações dos órgãos de Segurança Pública elencados no art. 144 da CF.

Desta feita, há uma confirmação da competência dos órgãos da Segurança Pública estabelecidos na CF/88, onde as FFAA somente serão utilizadas caso haja o esgotamento da capacidade dos órgãos da Segurança Pública.

Deste modo, as forças de Segurança Pública possuem o dever de atuar na preservação da ordem, uma vez que este é o seu dever constitucional, sendo o emprego imediato das FFAA para preservar a ordem algo irregular, uma vez que esta intervirá somente após o esgotamento das Forças de Segurança. Portanto, caso este critério não seja respeitado, será ferida a Autonomia dos entes federativos, onde a União interferirá na Auto-administração dos Estados-membros.

A Intervenção Federal é tratada na CF/88, no art. 34, sendo que uma das hipóteses é para pôr termo a grave comprometimento da ordem pública. Entretanto, a Intervenção só é permitida em último caso, uma vez que deve ser preservado o princípio da autonomia dos entes da federação.

Além disso, caso seja possível a Intervenção, essa deve respeitar algumas formalidades. O Presidente da República deve fazer um decreto de Intervenção, que deverá ser apreciado pelo Congresso Nacional em um prazo de 24h, salvo se a suspensão do ato tiver produzido seus efeitos nos casos de provimento, pelo STF, de representação do procurador-geral da República.

Contudo, o caso em espeque não se trata de Intervenção Federal, e, por este motivo, devem ser respeitadas as regras de competência definidas pela CF/88 quanto à função das forças de Segurança Pública e FFAA.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Isto posto, o emprego imediato das FFAA no combate aos atos de greve realizados nas rodovias não obedeceria à ordem de competências estabelecidas pela CF/88 em seu art. 144 e na Lei Complementar 97/99 em seu art. 15, uma vez que a garantia da ordem pública compete aos membros da Segurança Pública e, somente caso estes não consigam, é que se faria necessário o emprego das FFAA.

Assim sendo, deve ser respeitada a Autonomia dos entes federativos e o princípio da não intervenção, devendo as FFAA cuidarem da defesa da pátria como um todo e deixar que as forças de Segurança Pública exerçam o controle sobre a ordem pública, visto que as FFAA não se tratam de uma "polícia da União" mas sim de um órgão responsável pela defesa da pátria e que deve ser empregado para a defesa da ordem somente caso se esgotem a capacidade das Forças de Segurança.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição da Republica Federativa do Brasil, 1988.

BRASIL, Lei Complementar 97/99, alterada pela Lei Complementar 117/04.

Sobre o autor
Hugo Junior Gonçalves

Bacharel em Direito pela UEMG - Universidade do Estado de Minas Gerais; Pós-graduando em Direito e Prática Previdenciária pela UniAmérica, Advogado inscrito na OAB-MG 209.626.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Hugo Junior. A inconstitucionalidade do uso das Forças Armadas como Força de Segurança Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5445, 29 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66491. Acesso em: 22 dez. 2024.

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