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Uma análise sobre a aplicação da legislação de resíduos sólidos de Fortaleza

Agenda 18/10/2018 às 16:00

A legislação de Fortaleza quanto a resíduos sólidos traz diretrizes importantes para sua população, pautando-se, principalmente, no maior rigor punitivo. Entenda o que ela tem de diferente quando comparada com a legislação de outros municípios.

1. INTRODUÇÃO

Um dos grandes desafios com que se defronta a sociedade atual é como equacionar a geração excessiva e a disposição final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos. A preocupação mundial em relação aos resíduos sólidos tem aumentado ante o crescimento da produção, do gerenciamento inadequado e da falta de áreas de disposição final.

A preocupação com os resíduos vem sendo discutida há algumas décadas nas esferas nacional e internacional, em função do crescimento da consciência coletiva com relação ao meio ambiente. Desta sorte, a complexidade das atuais demandas ambientais, sociais e econômicas levou a um novo posicionamento dos três níveis de governo, da sociedade civil e da iniciativa privada. Esse pensamento conduziu à construção da chamada responsabilidade compartilhada, em que toda a sociedade tem função primordial na gestão dos resíduos sólidos urbanos. A cada setor foram atribuídos diferentes papéis com o fito de solucionar ou mitigar os problemas relacionados a esse conteúdo.

O assunto tem se mostrado de importância substancial desde a Conferência Rio-92, tanto nos países ricos quanto nos mais pobres, por contribuir, direta ou indiretamente, com o aquecimento global e as mudanças do clima. Desde a Rio-92, foram incorporadas novas prioridades à gestão sustentável de resíduos sólidos que representaram uma mudança de paradigma, o qual tem direcionado a atuação dos governos, da sociedade e do mercado empresarial. Estão inclusas nessas prioridades a redução dos resíduos nas fontes geradoras e da disposição final no solo e a maximização do reaproveitamento, da coleta seletiva e da reciclagem com a inclusão de catadores e a participação da sociedade.

É cada vez mais nítido que a utilização de padrões de produção e consumo sustentáveis junto ao gerenciamento correto dos resíduos sólidos podem diminuir consideravelmente os impactos negativos ao ambiente e à saúde. Nos países mais desenvolvidos que geram maiores quantidades de resíduos e de lixo, há mais capacidade de equacionamento da gestão, por um leque de fatores que albergam recursos econômicos, preocupação ambiental da população e desenvolvimento tecnológico.

Em cidades de países em desenvolvimento com urbanização muito acelerada, observam-se déficits na capacidade financeira e administrativa dessas em fornecer infraestrutura e serviços básicos como água, saneamento, coleta e destinação adequada do lixo e moradia, e em assegurar segurança e controle da qualidade ambiental para a sociedade.

No Brasil, após um lapso temporal de vinte e um anos de discussões no Congresso Nacional, a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS marcou o começo de uma intensa articulação institucional envolvendo os três entes federados – União, Estados e Municípios – o setor empresarial e a sociedade em geral no anseio de serem encontradas soluções para os problemas na gestão dos resíduos sólidos que influenciam a qualidade de vida dos brasileiros. Essa nova Política aprovada instituiu um novo paradigma na qualificação do gerenciamento dos resíduos sólidos e também forneceu novos rumos à discussão sobre o tema em estudo.

A partir de agosto de 2010, baseado no já citado conceito de responsabilidade compartilhada, a sociedade como um todo – cidadãos, governos, setor privado e sociedade civil organizada – torna-se responsável pela gestão ambientalmente adequada dos resíduos sólidos. A PNRS serve, desde então, como texto base que orienta aos demais entes públicos critérios e diretrizes a serem observados primordialmente. Dentro deste contexto, é que os Municípios criam suas próprias políticas no que diz respeito ao gerenciamento de resíduos sólidos.

Fortaleza, desde 1999, com a Lei 8408, de 24 de dezembro de 1999, já possuía uma legislação que tratava desse assunto. Mas em 2015, esta lei foi alterada com a aprovação da Lei 10.340, de 28 de abril de 2015, norma em que vários conceitos e entendimentos preconizados no texto federal são respeitados e aplicados. Todavia, o anseio na busca de soluções nessa área de resíduos pressiona a própria sociedade em função de mudanças motivadas pelos elevados custos socioeconômicos e ambientais.

Resta evidente que a implantação de um Plano de Gestão traz reflexos positivos no âmbito social, ambiental e econômico, pois não só tende a diminuir o consumo dos recursos naturais, como gera a abertura de novos mercados, gera trabalho, emprego e renda, conduz à inclusão social e diminui os impactos ambientais provocados pela disposição inadequada dos resíduos.

No entanto, a falta de estrutura do próprio município para suportar as novas reflexões que a PNRS traz, impõe à sociedade ônus que muitos contribuintes não são capazes de suportar. Apesar do compartilhamento da responsabilidade entre todos aqueles que compõem o meio ambiente, o ente público deve fornecer alternativas de adaptação para a sociedade. Simplesmente aplicar multas, transferindo boa parcela dessa responsabilidade para os contribuintes, não deve ser a alternativa norteadora na aplicação de legislações seja qual for a temática envolvida.

Dentro desta compreensão é que se almeja fazer um estudo mais detalhado de certos pontos contidos na legislação municipal de Fortaleza relacionada ao gerenciamento de resíduos sólidos, apontando alguns excessos, por exemplo, ao se analisarem legislações de demais entes públicos que apresentam em sua região resultados mais profícuos com a adoção de critérios menos rigorosos, bem como estudar os resultados obtidos por meio do Índice de Sustentabilidade de Limpeza Urbana, ISLU; medida esta obtida a partir da aferição dos dados informados no Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento pelos próprios municípios em análise nesse estudo.


2. INDICE DE SUSTENTABILIDADE DA LIMPEZA URBANA - ISLU

O Índice da Sustentabilidade da Limpeza Urbana – ISLU é um índice criado em 2016 pelo Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana no Estado de São Paulo – SELUR em parceria com a PwC, um network de empresas dedicado à prestação de serviços de qualidade em auditoria e asseguração, validando a pesquisa e análise de pesquisas realizadas como a feita pela SELUR quanto à mensuração do índice em destaque.

O ISLU tem como principal finalidade medir a aderência dos municípios em relação ao cumprimento das metas e diretrizes estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, analisando e identificando os problemas mais recorrentes, bem como insuficiências, com apontamento de soluções em apoio às instâncias públicas, agências de financiamento, operadoras do setor e opinião publica.

A metodologia utilizada para o cálculo desse índice permite analisar os serviços de limpeza urbana nas cidades brasileiras sob a ótica da PNRS. O ISLU foi construído a partir do modelo estatístico aplicado no calculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

O calculo faz uso das informações fornecidas pelos municípios brasileiros presentes no Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS).  O valor do índice vai de 0 (zero) a 1 (um), e quanto mais próximo de 1, maior será o atendimento do município às determinações positivadas na PNRS. As informações divulgadas sempre se referem aos dados depositados dois anos antes do ano em que o índice é calculado.

No entanto, é evidente que, mesmo sendo uma medida quantitativa, envolvendo um cálculo estatístico, existem fragilidades que influenciam na confiabilidade dos dados obtidos. Isso porque alguns municípios importantes não fornecem os dados junto ao SNIS e pode ocorrer de alguns municípios preencherem os dados de forma incorreta. Por isso, existe a necessidade de haver um continuo aperfeiçoamento da base de dados do sistema por meio do preenchimento correto das informações reais por parte dos gestores públicos, a fim de se alcançar uma melhoria efetiva na gestão dos resíduos sólidos no Brasil.

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A partir dos dados encontrados na pesquisa em 2017, decidiu-se fazer a comparação entre as três cidades em estudo. Por mais que cada uma delas possua suas características especificas de clima, de cultura, de educação ambiental, levou-se em consideração a capacidade em se buscar uma melhor eficiência no que diz respeito ao gerenciamento de resíduos sólidos na cidade de Fortaleza. 

Em número de habitantes, o município de São Paulo tem mais que o quádruplo quando comparado com Fortaleza, possuindo mais desafios para serem atendidos os parâmetros especificados na PNRS. Todavia, o seu índice de sustentabilidade de limpeza urbana é maior que o de Fortaleza.

Vários fatores interferem nessa diferença, mas, ao se observarem algumas distinções nas legislações municipais especificas, alguns detalhes foram percebidos, tais como: a maneira de como o gerenciamento dos resíduos de serviço de saúde é realizado e a classificação de grande gerador de resíduos sólidos, questões estas mais a frente explanadas.

Por sua vez, o município de Curitiba é tido como referência no que se trata de coleta de resíduos sólidos, inclusive a nível internacional. Por meio de programas que visam a um gerenciamento de resíduos sólidos mais adequado ambientalmente e de leis e demais atos normativos que regulamentam e orientam seus contribuintes,  Curitiba consegue ter bons resultados com um sistema de reciclagem e um manejo de resíduos sólidos eficientes. São exemplos desses programas o lixo Câmbio Verde e o Ecocidadão.

Ao ser analisada a legislação deste município, aspectos específicos, no que dizem respeito à caracterização de estabelecimentos como grandes geradores de resíduos sólidos, foram observados e algumas distinções interessantes foram identificadas, as quais serão explicitadas no decorrer desse estudo.


3 LEGISLAÇÃO MUNICIPAL DE FORTALEZA SOBRE RESÍDUOS SÓLIDOS

Com base nos preceitos contidos na legislação federal e estadual, o Município de Fortaleza, dentro de suas atribuições previstas, aprova em 1999 a legislação norteadora do gerenciamento de resíduos sólidos – Lei nº 8408, de 24 de dezembro de 1999. Dentro do estudo proposto por este trabalho, questionam-se algumas determinações contidas nessa legislação, bem como a desatenção a princípios básicos que direcionam o estado democrático em que a sociedade brasileira está inserida.

Antes, convém ressaltar que a legislação municipal de resíduos sólidos passou por uma alteração legislativa. Vários pontos desta lei foram alterados pela Lei nº 10.340, de 28 de abril de 2015, atualização realizada para promover maior eficácia às ações de controle ambiental no que diz respeito à matéria de resíduos sólidos.

A lei, inicialmente, aborda o enquadramento dos estabelecimentos como grandes geradores de resíduos sólidos em três categorias, conforme se observa no art.1º:

Art. 1º - Para os efeitos desta Lei, são considerados grandes geradores e responsáveis pelo custeio dos serviços de segregação prévia, acondicionamento, transporte interno, armazenamento, coleta, transporte externo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada de resíduos sólidos ou disposição final ambientalmente adequada de rejeitos, nos termos da Lei Federal nº 12.305, de 02 de agosto de 2010:

I — os geradores de resíduos sólidos caracterizados como resíduos da Classe II, não perigosos, pela NBR 10.004, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, em volume igual ou superior a 100 (cem) litros por dia;

II — os geradores de resíduos sólidos da construção civil, nos termos da Resolução CONAMA nº 307, de 5 de julho de 2002, em volume igual ou superior a 50 (cinquenta) litros por dia;

III — os geradores de resíduos sólidos caracterizados como resíduos da Classe I, perigosos, pela NBR 10.004, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, qualquer que seja o seu volume.

O primeiro aspecto a ser analisado trata-se, justamente, dessa classificação construída pelo próprio Município. Ao se estudar outras legislações de Municípios que possuem um sistema próprio de coleta de resíduos sólidos, será identificada uma diferença significativa nesse enquadramento quanto ao volume mínimo necessário para se caracterizar um estabelecimento como grande gerador de resíduos sólidos, isto é, o valor mínimo de 100L de resíduos comuns produzidos por qualquer atividade econômica, conforme o inciso I do artigo citado, já incluindo os resíduos recicláveis.

No município de São Paulo, a Lei Municipal nº 14.973 de 11 de setembro de 2009 dispõe sobre a organização de sistemas de coleta seletiva nos Grandes Geradores de Resíduos Sólidos do Município de São Paulo e disciplina o armazenamento, a coleta, a triagem e a destinação de resíduos sólidos produzidos pelos Grandes Geradores de Resíduos Sólidos.

A definição de Grandes Geradores acontece no Art. 1°, §único, como demonstrado abaixo:

Art. 1° -Parágrafo único. Consideram-se, para os fins desta lei, Grandes Geradores de Resíduos Sólidos:

I - Os proprietários, possuidores ou titulares de estabelecimentos públicos, institucionais, de prestação de serviços, comerciais e industriais, entre outros, geradores de resíduos sólidos caracterizados como resíduos da Classe 2, pela NBR 10.004, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, em volume superior a 200 (duzentos) litros diários;

II - Os proprietários, possuidores ou titulares de estabelecimentos públicos, institucionais, de prestação de serviços, comerciais e industriais, dentre outros, geradores de resíduos sólidos inertes, tais como entulhos, terra e materiais de construção, com massa superior a 50 (cinqüenta) quilogramas diários, considerada a média mensal de geração, sujeitos à obtenção de alvará de aprovação e/ou execução de edificação, reforma ou demolição;

III - Os condomínios de edifícios não residenciais ou de uso misto, cuja soma dos resíduos sólidos, caracterizados como resíduos Classe 2, pela NBR 10.004, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, gerados pelas unidades autônomas que os compõem, seja em volume médio diário igual ou superior a 1.000 (mil) litros.

Observa-se que no inciso I do referido artigo, o estabelecimento para ser tido como grande gerador de resíduos sólidos, deve gerar mais de 200L de resíduos comuns, incluindo nesse valor os resíduos recicláveis gerados pelo estabelecimento. Esse mesmo parâmetro também é observado quando se analisa o gerenciamento aplicado no município de Curitiba.

O Decreto nº 983, de 26 de outubro de 2004, indica a quantidade máxima de resíduos sólidos que podem ser destinados à coleta pública, na capital paranaense, não havendo a necessidade de se contratar empresa particular para ser realizada a devida coleta dos resíduos gerados. O artigo 8º do Decreto explana o conteúdo:

Art. 8º Cabe ao Município de Curitiba a remoção, através da coleta, dos resíduos sólidos domiciliares, devendo o gerador segregá-los previamente, acondicioná-los e dispô-los para coleta.

§1o Entende-se por resíduos sólidos domiciliares, para os fins deste decreto, os seguintes resíduos:

I - os resíduos orgânicos gerados nas habitações unifamiliares ou em cada unidade das habitações em série ou coletivas, cuja coleta é regular e executada na quantidade máxima de 600 (seiscentos) litros por semana;

II - os resíduos domiciliares recicláveis (papéis, plásticos, metais, vidros, entre outros) gerados nas habitações unifamiliares, ou em cada unidade das habitações em série ou coletivas, cuja coleta é regular e executada na quantidade máxima de 600 (seiscentos) litros por semana sendo que esta quantidade a ser disposta à coleta deverá ser este total dividido pelo número de coletas ofertado pela Prefeitura. Esta coleta passa a ser denominada coleta do lixo que não é lixo;

III - os resíduos vegetais provenientes de limpeza de jardim, poda de árvores gerados nas habitações unifamiliares, em série ou coletivas, cuja produção não exceda a 1.000 (mil) litros por mês;

IV - os resíduos de construção civil Classes A e C, devidamente segregados entre si, gerados nas habitações unifamiliares, ou em cada unidade das habitações em série ou coletivas na quantidade máxima de 500 (quinhentos) litros a cada 02 (dois) meses. Os resíduos Classe B deverão obedecer ao estipulado no inciso II, deste artigo;

V - o mobiliário inservível gerado nas habitações unifamiliares, em série ou coletivas;

VI - os resíduos gerados em cada economia, comercial, industrial ou do setor de serviços que, por sua natureza e composição, sejam semelhantes aos resíduos sólidos gerados nas habitações unifamiliares, em série ou coletivas, cuja produção não exceda ao estipulado nos incisos I, II, III e IV, deste artigo;

VII - os resíduos gerados em unidades prestadoras de serviços de saúde, que não sejam infectantes, perigosos ou radioativos e que, por sua natureza ou composição, sejam semelhantes aos resíduos gerados nas habitações unifamiliares, em série ou coletivas, cuja produção não exceda ao estipulado nos incisos I, II, III e IV, deste artigo.

Portanto, identifica-se, a partir dos incisos VI e VII, que os estabelecimentos comerciais possuem o limite de 200L de resíduos a serem produzidos e que podem ser destinados à coleta pública, desde que seja respeitado o limite de 100L diários de resíduos comuns e 100L de resíduos recicláveis.

Ao se fazer uma comparação gráfica dos valores encontrados, para melhor visualização, com o máximo que pode ser produzido por um estabelecimento, depreende-se uma quantidade de 50% a menos que os estabelecimentos localizados em Fortaleza podem produzir e destinar à coleta pública sem ter a obrigatoriedade de contratar uma empresa terceirizada para promover a coleta de seus resíduos quando feita essa analogia com os Municípios de São Paulo e Curitiba. 

Isso tem um impacto forte nos custos de uma empresa, posto que, uma vez sendo enquadrado, pelo Município, como grande gerador de resíduos sólidos, o estabelecimento deve realizar um Plano de Gerenciamento de Resíduos, que só pode ser feito por técnicos credenciados contidos no banco de dados do órgão competente municipal, que hoje é a Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente, SEUMA, bem como deve contratar empresas também credenciadas que realizem a coleta dos resíduos produzidos na atividade. Ou seja, demais gastos a serem suportados pelo estabelecimento quando este é tido como grande gerador. Ressalta-se que aqueles que geram até 100L de resíduos por dia fazem uso de uma certidão de isenção do Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos.

Depreende-se que o limite imposto pelo Município de Fortaleza é mais restrito e rigoroso para com os seus contribuintes, nessa comparação realizada. Resta evidente que é mister uma legislação que regulamente o gerenciamento dos resíduos sólidos em seu território. Não é interesse desse estudo invalidar qualquer ação municipal que tenha como interesse promover a proteção do meio ambiente, mas trazer questionamentos sobre o modo encontrado pelo próprio ente para incentivar essa consciência ambiental em seus contribuintes. As ações devem ser pautadas de forma que os seus contribuintes possam ter condições de suportar o ônus causado pelas mudanças impostas a eles, visto que, o interesse do ente público deve ser promover um meio ambiente sustentável e fornecer instrumentos para a sua população se adequar às novas exigências. 

A lei demanda soluções rápidas para aqueles considerados grandes geradores de resíduos. Essa adequação muita vezes não é algo fácil de ocorrer. E, dentro deste ambiente de dificuldade, uma empresa que venha a ser fiscalizada e não se encontre regularizada já é multada de pronto pelo órgão fiscalizador. Questão esta a ser discutida no próximo item deste estudo. Todavia, este procedimento só corrobora essa carga intensa que os contribuintes devem suportar.

No município de Curitiba, está positivado na Lei nº 7833, de 19 de dezembro de 1991, que, quando uma empresa é considerada grande geradora de resíduos sólidos após as visitas míninas necessárias, e esta não se encontra numa situação de regularidade, aplica-se uma notificação, sendo concedido um prazo de 15 dias para ela contratar uma empresa que faça a coleta dos resíduos do estabelecimento comercial e um prazo de 30 dias para providenciar a documentação necessária. Em Fortaleza, após as visitas mínimas requeridas, e em sendo tido como grande gerador de resíduos, o estabelecimento é autuado, sendo concedido o prazo de 10 dias para ser apresentada uma defesa ou para o infrator, reconhecendo a sua irregularidade perante a lei durante este mesmo prazo, realizar o pagamento do auto de infração reduzido em 50% de seu valor inicial.

Não obstante haver essa diferença no limite de resíduos produzidos pelo estabelecimento na caracterização de grande gerador de resíduos, mais uma distinção importante, que é observada entre estes mesmos Municípios, trata da quantidade necessária de visitas para se identificar de fato um grande gerador de resíduos sólidos.

O município de Fortaleza traz no art. 1º, § 1º e § 2º, da Lei 10340/2015, essa quantidade mínima de visitas ao estabelecimento para tê-lo como grande gerador:

Art. 1º - Para os efeitos desta Lei, são considerados grandes geradores e responsáveis pelo custeio dos serviços de segregação prévia, acondicionamento, transporte interno, armazenamento, coleta, transporte externo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada de resíduos sólidos ou disposição final ambientalmente adequada de rejeitos, nos termos da Lei Federal nº 12.305, de 02 de agosto de 2010:

...

§ 1º - O poder público, independente de comunicação prévia, através de seus órgãos ou por delegação às suas concessionárias, realizará a estimativa de geração de resíduos sólidos produzidos nas atividades, conforme os termos a seguir:

a) por meio de diligências em pelo menos 2 (dois) dias diferentes, nos casos dos geradores citados no inciso I;

b) por meio de diligência única, nos casos dos geradores citados nos incisos II e III.

§ 2º - Poderá ser adotado o critério descrito na alínea b do § 1º aos geradores de resíduos sólidos citados no inciso I quando constatada durante vistoria que sua geração foi igual ou superior ao volume de 200 (duzentos) litros.

Ou seja, caso o estabelecimento seja vistoriado, e, nessa vistoria, sejam encontrados pelo menos 200L de resíduos comuns, este já é considerado grande gerador e deve apresentar toda a documentação correspondente ao fato de ser um grande gerador. Em sendo identificada a quantidade entre 100L e 200L, faz-se necessária uma segunda diligência no local em um dia distinto. Nessa segunda visita, em sendo visualizada uma quantidade superior a 100L, o estabelecimento é também tido como grande gerador de resíduos sólidos, trazendo a este todos os ônus respectivos de tal caracterização.

Por sua vez, o Município de São Paulo estabelece por meio do art. 142, § 2º, da Lei nº 13478, de 30 de dezembro de 2002, que dispõe sobre a organização do Sistema de Limpeza Urbana do Município, a necessidade de pelo menos três (03) diligências para um estabelecimento ser tido como grande gerador:

Art. 142. Os grandes geradores deverão manter em seu poder registros e comprovantes de cada coleta feita, da quantidade coletada e da destinação dada aos resíduos.

§ 2º A fiscalização poderá estimar a quantidade de resíduos produzidos pelo estabelecimento gerador, por meio de diligências em pelo menos 3 (três) dias diferentes.

Nesse mesmo entendimento, vem o Município de Curitiba e positiva na Lei nº 7833, de 19 de dezembro de 1991, e no Decreto nº 983, de 26 de outubro de 2004, que também se fazem necessárias pelo menos três (03) diligências, em dias diferentes, para ser um estabelecimento enquadrado como grande gerador de resíduos sólidos, quando ele ultrapassa o limite de 200L de resíduos gerados por dia.

Isto é, mais uma vez, observa-se uma medida procedimental de cunho mais rigoroso no que diz respeito ao número mínimo de diligências a serem realizadas para um determinado estabelecimento ser tido como grande gerador de resíduos sólidos. Como afirmado anteriormente, tal caracterização repercute economicamente nas empresas e, principalmente, nas de pequeno porte e microempresas. 

De posse destas informações, entende-se que o município de Fortaleza preza por uma maior responsabilização dos contribuintes quanto à caracterização dos estabelecimentos como grandes geradores de resíduos sólidos ao impor como limite uma quantidade menor de resíduos produzidos a serem destinados a coleta pública, bem como, a um menor número de diligências para um estabelecimento ser tido como grande gerador. Entendimento este possível dentro da analogia referida inicialmente.

É fundamental que normas estatais conduzam a aplicação da política de proteção ao meio ambiente, albergando estas a atenção que o gerenciamento de resíduos sólidos deve conter na jurisdição de qualquer ente público. No entanto, tais diretrizes passam a ser questionadas se a finalidade essencial em defesa do meio ambiente passa a ser utilizada com meios mais punitivos e de aspecto precipuamente arrecadatório.

Mesmo imerso num Estado Democrático de Direito em que a política fiscal é pautada por uma relação em que os contribuintes devem pagar tributos e sanções que os agentes estatais venham a aplicar em procedimento fiscal administrativo próprio e o ente público tenha o dever de proceder com as diligências necessárias a fim de averiguar a regularidade dos estabelecimentos, não deve o ente promover um “arrocho” aos seus contribuintes, pouco importando se tais medidas ensejam num completo desarranjo estrutural no dia a dia dos estabelecimentos com menos recursos para atuar no mercado.

Essa intervenção do ente na economia é uma das formas de regulação dos setores econômicos que encontra respaldo constitucional e tem como objetivo evitar situações que caracterizam a concentração do poder econômico de pequenos grupos sociais e proteger valores assegurados pela própria Carta Magna, como o da livre empresa e livre concorrência, bem como buscar o equilíbrio entre os ganhos individuais e o interesse social, o interesse da coletividade.

Entretanto, tal intervenção no domínio econômico deve ser realizada, respeitando-se os princípios da ordem econômica, como a livre iniciativa, em que a expressão da liberdade garantida é fornecida não apenas à empresa, mas também ao trabalho, o que, no plano fático, não ocorre com a implementação da Lei nº 10340, de 28 de abril de 2015, no município de Fortaleza.


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Município de Fortaleza se esforça em construir um ambiente mais sustentável e sadio. Todavia, essa construção deve se pautar por critérios mais equânimes. É totalmente válida a formulação de leis e demais atos normativos com o fito de se obter um maior equilíbrio ecológico. Não se quer aqui desestimular ou criticar unicamente as implementações municipais no dia a dia da sociedade.

O intuito primordial do estudo é discutir algumas falhas presentes especificamente na Lei 8408, de 24 de dezembro de 1999, alterada pela Lei nº 10340, de 28 de abril de 2015, e, a partir do reconhecimento da existência dessas falhas, com sua posterior correção, adquirir mais igualdade e justiça no tratamento da população local.

Dito isto, no que diz respeito às infrações administrativas ambientais, reconhecidas quando a conduta de um determinado responsável não respeita os ditames da legislação municipal, não se levam em consideração, na valoração destas infrações, aspectos como o grau de impacto ambiental que um grande gerador de resíduos pode causar, bem como, em determinados casos, a própria categoria econômica desse gerador, vez que, indistintamente, qualquer empresa, seja qual for a sua configuração empresarial, responde financeiramente de forma semelhante.

Entende-se que é necessário haver outros parâmetros na aplicação das multas administrativas ambientais, a fim de se prezar por princípios, tais como o da igualdade, da razoabilidade e da proporcionalidade, acarretando, nas práticas ambientais do município, mais justiça e respeito às diferenças entre seus munícipes, bem como o respeito ao tratamento diferenciado expresso no art. 170 da Constituição Federal, o qual determina abordagem mensurada de acordo com o grau de impacto ambiental proveniente pelas atividades econômicas.

Estimular ações e promover a reflexão da importância do meio ambiente sustentável são algumas das formas mais eficazes na consecução do equilíbrio ambiental pretendido. Instrumentos que incentivam essa promoção são o uso de sanções premiais, ideia recente aplicada no Direito Ambiental, e a prática defendida pelo princípio do protetor-recebedor.

No âmbito dos resíduos sólidos, o Município de Fortaleza, até a presente data, não faz uso de sanções premiais. Medidas como permitir isentar o contribuinte da taxa de renovação de um determinado documento ambiental, quando conseguir comprovar que respeitou todas as condicionantes e determinações solicitadas durante a validade de um Plano de Gerenciamento ou de uma licença específica por exemplo, certamente deixam mais presente nos contribuintes a ideia de uma conduta ambiental adequada, de um lado, para ganhar benefícios próprios, e, por outro, criar um ambiente mais equilibrado, com o uso mais racional dos recursos ambientais disponíveis com menos danos ao ambiente como um todo.

Desta forma, objetiva-se trazer essas reflexões, para que a Lei dos Resíduos Sólidos possa alcançar mais eficácia e traga as mudanças ambientais pretendidas quando da sua implementação, uma vez que o interesse do ente, à medida em que deve penalizar os cidadãos ao serem constatadas as infrações, deve, precipuamente, pautar-se em desenvolver nos cidadãos a importância da educação ambiental e de condutas que evitem a degradação dos recursos naturais existentes.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Wendel Cardoso. Uma análise sobre a aplicação da legislação de resíduos sólidos de Fortaleza. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5587, 18 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66637. Acesso em: 22 dez. 2024.

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