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A atividade jurídica como requisito para ingresso nas carreiras do Ministério Público e Magistratura.

Eficácia e aplicabilidade das normas da Emenda Constitucional nº 45/2004

A Emenda Constitucional n. 45 inseriu no Texto Fundamental a exigência de no mínimo três anos de prática de atividade jurídica para o ingresso nas carreiras do Ministério Público [1] e da Magistratura [2].

Não há que se falar em inconstitucionalidade nessa inovação. Examinando a questão concernente à compatibilidade vertical do artigo 187 da Lei Orgânica do Ministério Público da União [3] com a Magna Carta, a maioria do Supremo Tribunal Federal reconheceu o seguinte:

"A lei pode impor condições para inscrição em concurso público desde que não sejam desarrazoadas, e que o requisito objetivo adotado pela norma impugnada, considerando a presunção da aquisição de maturidade pessoal e de experiência profissional do concursando nesses dois anos, atenderia aos princípios da razoabilidade, da isonomia, do livre exercício das profissões e do livre acesso aos cargos públicos (CF, art. 5º, I, XIII, LIV e art. 37, I)" [4].

Ultrapassado o teste da constitucionalidade, resta saber se tal dispositivo é auto-aplicável ou se é imprescindível norma regulamentadora para que produza todos os efeitos [5]. Como bem salientou o preclaro Professor José Afonso da Silva, o assunto é tormentoso, já que "não é fácil determinar um critério para distinguir as normas constitucionais de eficácia plena daquelas de eficácia contida ou limitada" [6].

Sobre a novel exigência de três anos de atividade jurídica há possibilidade de dois entendimentos:

1) São normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade imediata, já que esta contém todos os elementos para sua eficácia direta [7], isto é, prescindível qualquer norma posterior para que tal requisito seja exigido [8].

2) São normas constitucionais de eficácia limitada [9], de princípio institutivo [10].

Adotamos a segunda corrente, ou seja, as normas constitucionais em estudo são de eficácia limitada, não de eficácia plena.

O artigo 93, "caput", da Constituição Federal é expresso quanto à indispensabilidade de lei complementar: "Lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: I- ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação".

As normas de eficácia plena são aquelas que "não exigem a elaboração de novas normas legislativas que lhes completem o alcance e o sentido, ou lhes fixem o conteúdo, porque já se apresentam suficientemente explícitas na definição dos interesses nela regulados" [11].

Atividade jurídica é um conceito que necessita ser delimitado, uma vez que é por demais vago e indeterminado, o que contribui para um estado de incerteza, que, ao nosso ver, deverá ser evitado, cabendo ao legislador defini-lo, aplicando-se o princípio da segurança jurídica [12].

Tal tese encontra respaldo, outrossim, no princípio da legalidade, segundo o qual somente a lei poderá restringir direitos, não decisão discricionária de comissão de concurso, que definirá o que entende por atividade jurídica. O emprego da expressão "no mínimo, três anos de atividade jurídica", traduz a possibilidade de o legislador ampliar o prazo para interstício maior do que três anos. Mas trata-se de diretriz que só pode ser adotada pelo legislador.

Hugo Nigro Mazzilli entende que as normas em questão não são imediatamente aplicáveis, "da mesma forma que outros pontos dessa Reforma também deverão ser regulamentados para alcançar a eficácia desejada pelo legislador (art. 7.º da EC n. 45/2004). Sem regulamentação, cremos que o requisito de prévio exercício de atividade jurídica não é auto-aplicável, de maneira que, se vier a ser exigido em editais de concurso, sem anterior regulamentação, poderá ser questionado por meio de mandado de segurança" [13].

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Conclui-se que é imprescindível a edição de lei complementar [14] para que tal requisito seja exigido. Ademais, a tese ora defendida é compatível com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade que decorrem do devido processo legal substancial [15], já que evitará adoção de interstícios diferentes [16] entre as carreiras do Ministério Público e Magistratura dos diversos Estados da Federação, evitando afronta ao princípio da igualdade.

Tal requisito, ademais, deverá ser exigido por ocasião da posse (não da inscrição no concurso), adotando-se o entendimento consagrado na Súmula n. 266 do Superior Tribunal de Justiça [17].

Por último, se vários Tribunais não estão atendendo a previsão de eleição de metade dos membros dos órgãos especiais (CF, art. 93, XI) porque o assunto ainda estaria pendente de Lei Complementar, não se justifica, de modo algum, entendimento diverso no que diz respeito à exigência de três anos de atividade jurídica para ingresso nas carreiras da Magistratura e do MP.


Notas

1 Constituição Federal, "Art. 129, § 3º O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação."

2 Constituição Federal, "Art. 93, I ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação".

3 LC 75/93, art. 187: "Poderão inscrever-se no concurso bacharéis em Direito há pelo menos dois anos, de comprovada idoneidade moral".

4 STF – Pleno, ADI 1040/DF, rel. orig. Min. Néri da Silveira, rel. p/ acórdão Min. Ellen Gracie, 11.11.2004. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence e Eros Grau que julgavam procedente o pedido e declaravam a inconstitucionalidade da expressão "há pelo menos dois anos", constante do artigo impugnado. Os primeiros, por considerarem-na desprovida de razoabilidade e proporcionalidade, e o último, por vislumbrar ofensa ao princípio da acessibilidade dos cargos públicos.

5 Neste estudo aplicaremos a classificação das normas constitucionais do Professor José Afonso da Silva, a qual é adotada pelo Supremo Tribunal Federal, vide Mandando de Injunção n. 438-2/ GO, RT 723/231.

6 Aplicabilidade das normas constitucionais, Malheiros Editores: São Paulo, 5ª Edição, 2001, p. 91.

7 Trata-se do conceito de normas constitucionais de eficácia plena do Professor José Afonso da Silva, op. cit., p. 99.

8 Esta corrente foi adotada pelo Ministério Público de Minas Gerais no XLV concurso de ingresso à carreira, no artigo 11, alínea "j", do Regulamento, aprovado, por unanimidade, na 1ª Sessão Ordinária da Egrégia Câmara de Procuradores de Justiça, realizada em 08/03/2005, disponível no site http://www.mp.mg.gov.br/concurso/ .

9 Cabe lembrar que são normas que não produzem todos os efeitos de imediato, é imprescindível que, posteriormente, uma lei ou atos administrativos lhe confiram inteira aplicabilidade.

10. "As de princípio institutivo têm conteúdo organizativo e regulativo dos órgãos e entidades, respectivas atribuições e relações", José Afonso da Silva, op. cit., p. 125.

11 José Afonso da Silva, op. cit., p. 101.

12 Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que "segurança jurídica, como subprincípio do Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da própria idéia de justiça material", Pet (MC) 2.900-RS, dia 8 de abril de 2003, Relator Ministro Gilmar Mendes.

13 A prática de "atividade jurídica" nos concursos, in Reforma do Judiciário, Coordenadores André Ramos Tavares, Pedro Lenza e Pietro de Jesús Lora Alarcon, São Paulo: Método, 2005, p. 217.

14 Nos termos do artigo 93, "caput", e inciso I, da Constituição Federal, quanto à Magistratura. Quanto ao Ministério Público artigo 128, parágrafo 5º, da Constituição Federal, exige Lei complementar quanto a organização da Instituição.

15 Sobre o assunto vide trabalho: O DEVIDO PROCESSO LEGAL SUBSTANTIVO E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NOS 15 ANOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, site: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_60/index.htm .

16 Como por exemplo: o Estado "A" poderá adotar o prazo mínimo (3 anos) e o Estado "B" poderá adotar 5 (cinco) anos.

17 Nesse sentido: STJ ROMS n. 15.221/RR; RMS n. 14.434/MG.

Sobre os autores
Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira

Procurador do Estado de São Paulo, doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, professor convidado de cursos de pós-graduação (PUC-COGEAE, UFBA, Escola Superior do Ministério Público, JUSPODIVM, LFG, FAAP e USP-FDRP), autor de livros jurídicos.

Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves; GOMES, Luiz Flávio. A atividade jurídica como requisito para ingresso nas carreiras do Ministério Público e Magistratura.: Eficácia e aplicabilidade das normas da Emenda Constitucional nº 45/2004. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 669, 5 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6678. Acesso em: 22 nov. 2024.

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