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O crime de estupro de vulnerável e as alterações promovidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência

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Agenda 23/09/2019 às 15:33

3 A CONDUTA TIPIFICADA DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL

De acordo com o Código Penal, o crime de estupro de vulnerável constitui-se da conduta de “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”, cuja pena é de “reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos”. (BRASIL, 1940).

Considera-se o estupro de vulnerável como uma das mais importantes inovações promovidas pela Lei 12.015/2009, pois, com a criação do artigo 217-A, aboliu-se a presunção de violência nos crimes sexuais, a partir da revogação artigo 224[5] do Código Penal”.

Como vulnerável, considera-se o menor de 14 anos e aquele que, por enfermidade ou doença mental não tenha o necessário discernimento para a prática do ato, ou aquela que, mesmo por causa transitória, não possa oferecer resistência, conforme se verifica pela redação do §1º do art. 217-A do Código Penal.

Na redação original do Código Penal, existiam os crimes de estupro (art. 213) e de atentado violento ao pudor (art. 214), estando, atualmente, tais delitos reunidos no mesmo tipo penal, disciplinado no art. 213 e com o nomen iuris estupro. Além disso, o estupro com violência real ou grave ameaça e o estupro com violência ficta integravam um único tipo penal, com penas idênticas. Enquanto no estupro com violência real ou grave ameaça a adequação típica era imediata, permitindo a imputação ao agente do crime definido no art. 213 do Código Penal, no estupro com violência presumida a adequação típica era mediata, dependendo do socorro de norma de extensão da tipicidade. Com efeito, a imputação, em algumas situações, dizia respeito ao art. 213 cumulado com o art. 224 (MASSON, 2014).

Atualmente são dois crimes diversos, dependendo do perfil subjetivo do ofendido. Nos casos em que a vítima for pessoa vulnerável, aplicar-se-á o art. 217-A, ao passo que nas demais hipóteses incide o art. 213, ambos do Código Penal.

Para Cleber Masson, a fragilidade da vítima e a amplitude dos efeitos negativos causados à pessoa de pouca idade, portadora de enfermidade ou deficiência mental ou sem possibilidade e resistir ao ato sexual, torna o crime de estupro de vulnerável mais grave, justificando-se a maior reprovabilidade na covardia do agente (MASSON, 2014).

A prática do delito em tela fere tanto a liberdade quando a dignidade sexual do vulnerável, permitindo ainda, apontar o desenvolvimento sexual também como bem juridicamente tutelado pelo tipo penal em estudo (GRECO, 2014).

Aduz Rogério Greco (2014, p. 746) que “o estupro de vulnerável, atingindo a liberdade sexual, agride, simultaneamente, a dignidade do ser humano, presumivelmente incapaz de consentir para o ato, como também seu desenvolvimento mental”.

A conduta típica consiste em ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos. De acordo com o § 1º, incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

Luiz Régis Prado (2010, p. 623) define que a conjunção carnal “consiste na cópula natural efetuada entre homem e mulher, ou seja, a cópula vagínica natural, com a intromissão do pênis na cavidade vaginal”.

Ato libidinoso, segundo Fernando Capez (2012), compreende, nesse conceito, outras formas de realização do ato sexual, que não a conjunção carnal. São os coitos anormais (por exemplo, a cópula oral, anal).

No tocante aos sujeitos do estupro de vulnerável, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, indistintamente, homem ou mulher, contra, inclusive, pessoa do mesmo sexo. O sujeito passivo, da mesma forma, pode ser qualquer pessoa que apresente a qualidade ou condição especial de vulnerabilidade exigida pelo tipo penal, quer seja pela questão etária, seja em razão enfermidade ou deficiência mental, que por ela não tem o necessário discernimento para a prática do ato ou, ainda, que por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência (BITENCOURT, 2012).

Rogério Greco (2014, p. 746) traz a ressalva de que “quando se tratar de conjunção carnal, a relação deverá, obrigatoriamente, ser heterossexual.”

Assim, conclui-se que nas demais hipóteses qualquer pessoa poderá figurar nessa condição.

Quanto à consumação, cita-se Rogério Greco (2014, p. 747):

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No que diz respeito à primeira parte constante do caput do art. 217-A do Código Penal, o delito de estupro de vulnerável se consuma com a efetiva conjunção carnal, não importando se a penetração foi total ou parcial, não havendo, inclusive, necessidade de ejaculação. Quanto à segunda parte prevista no caput do art. 217-A do estatuto repressivo, consuma-se o estupro de vulnerável no momento em que o agente pratica qualquer outro ato libidinoso com a vítima. Vale frisar que, em qualquer caso, a vítima deve se amoldar às características previstas tanto no caput, como no § 1º do art. 217-A do Código Penal, não importando se tenha ou não consentido para o ato sexual. Em se tratando de um crime plurissubsistente, torna-se perfeitamente admissível a tentativa.

Logo, a consumação do estupro de vulnerável não pressupõe conjunção carnal propriamente dita, mas qualquer prática de ato libidinoso contra menor.

Pune-se o crime de estupro de vulnerável a título de dolo, devendo o agente ter ciência de que age em face de pessoa vulnerável. As qualificadoras estão elencadas nos §§3º e 4º do artigo 217-A, punindo-se com reclusão de 10 a 20 anos quando resultar lesão grave, e 12 a 30 anos, quando da conduta se resulta a morte (CUNHA, 2017).

Completando tais avanços trazidos pela Lei n. 12.015/2009, a novel legislação erigiu o estupro de vulnerável à categoria de crime hediondo, tanto na sua forma simples como na forma qualificada (art. 1.°, VI, Lei 8.072/1990). Nesses casos são insuscetíveis de anistia, graça, indulto e fiança (art. 2.°, I e II, Lei 8.072/1990 e art. 5.°, XLIII, CF).

Conforme exposto, a Lei n. 12.015/2009, importou em diversas mudanças à legislação penal, ao criar o artigo 217-A do Código Penal, punindo a prática de conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso, especificamente, contra aquele que a lei eleger como vulnerável. A proteção trazida pelo caput de referido dispositivo é a favor do menor de 14 anos, trazendo de forma taxativa a proibição de prática sexual com menor de idade. O mesmo dispositivo em seu § 1º, tratou de elencar como vulnerável a pessoa com deficiência, quando lhe faltar discernimento para consentir com o ato. Percebe-se não ser por acaso que o legislador tratou de diferenciar os sujeitos passivos, visto que, tratando-se do menor de 14 anos, basta a prática do ato sexual e restará configurado a conduta vedada pelo tipo penal, e no tocante ao §1º, traz-se uma condição determinante para a incidência do crime de estupro de vulnerável.

3.1 O CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL PRATICADO CONTRA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

 Como já visto, a Lei n. 12.015/09 criou o tipo penal de estupro de vulnerável. Além do menor de 14 anos, a disposição prevê outra figura de vulnerável, conforme se vê pelo §1° do art. 217-A do Código Penal, dispõe que incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, em virtude de enfermidade ou deficiência mental, não tenha o necessário discernimento, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

O revogado art. 224, b, do Código Penal, já citado anteriormente, fazia menção à vítima alienada ou débil mental, exigindo que o agente devesse conhecer essa circunstância. O art. 217-A, §1º, abrangeu a referida hipótese, incluindo, ainda, a vítima enferma, a qual já era tutelada pelo art. 224, c, do Código Penal.

Denota-se, pela própria redação do tipo penal, que se deve provar, no caso concreto, que em virtude de tais condições, a vítima não tem o necessário discernimento para a prática do ato.

Sobre a comprovação da ausência de discernimento deverá ser realizada através de laudo pericial, caso contrário, correrá o risco de não restar atestada a materialidade do crime (CAPEZ, 2012).

Tal situação em tudo difere da prevista no caput de referido artigo. Infere-se não ter sido por acaso que o legislador cindiu o tipo penal entre o caput e o § 1º, mas sim para tratar do sujeito passivo do crime. No caso da vítima deficiente, assim como ocorria em relação ao menor de quatorze anos, o ordenamento anterior à Lei n. 12.015/09 presumia a violência por meio do mesmo artigo 224 do Código Penal. No caso do deficiente mental, não se pune a relação sexual pelo simples fato de ter sido praticada com alguém nesta condição, como ocorre no caso do menor de 14 (quatorze) anos (CUNHA, 2017).

Define-se, de acordo com o artigo 2º da Lei n. 13.146/15, como pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial.

Rogério Greco (2014, p. 744), dissertando sobre o assunto, define enfermidade mental como “toda doença ou moléstia que comprometa o funcionamento adequado do aparelho mental”.

Logo, deve-se considerar os casos de neuroses, psicopatias e demências mentais (GRECO, 2014).

Além do critério biológico (enfermidade ou deficiência mental), para que a vítima seja considerada pessoa vulnerável, não poderá ter o necessário discernimento para a prática do ato (critério psicológico).

Pelo contido na primeira parte do aludido parágrafo do artigo 217-A do Código Penal, Luiz Regis Prado (2010, p. 624) entende que “para que a vítima receba a tutela penal há necessidade de se apresentar praticamente nas mesmas condições psíquicas do artigo 26[6] do Código Penal”, ou seja, não ter nenhuma capacidade de discernimento sobre o ato atentatório à sua liberdade sexual.

 Ressalta-se que não se proíbe que alguém acometido de uma enfermidade ou deficiência mental tenha uma vida sexual normal, tampouco pode-se punir aquele que com ele teve algum tipo de ato sexual consentido.

A proibição trazida pela legislação é que se mantenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso com alguém que tenha alguma enfermidade ou deficiência mental que não possua o necessário discernimento para a prática do ato sexual (GRECO, 2014).

Aduz Bittencourt (2015, p. 109), que “ainda que, in concreto, se comprove que a vítima realmente não tem ‘o necessário discernimento para a prática do ato’, não pode ser ignorado o direito à sexualidade dos portadores de enfermidade ou deficiência mental”.

Para Rogério Greco (2014, p. 745) “não se pode confundir a proibição legal do §1º do art. 217-A do Código Penal com uma punição ao enfermo ou deficiente mental”.

Ante o exposto, denota-se que somente será considerada vítima do delito de estupro de vulnerável aquele que não tenha condições de consentir com o ato, devido à ausência de discernimento, em virtude de ser conferido à pessoa com deficiência total liberdade para a prática de atos da vida sexual e reprodutiva, sem deixar de possui, é claro, a proteção trazida pelo Código Penal, quando for vulnerável.

3.2 A FIGURA DA VULNERABILIDADE CRIADA PELA LEI Nº 12.015/2009

Durante muito tempo os Tribunais, principalmente Superiores, questionavam a presunção de violência constante do revogado artigo 224 da legislação penal, entendendo-a, em muitos casos, como relativa, sob o argumento de que a sociedade do final do século XX e início do século XXI havia modificado significativamente, e que os menores de 14 anos não exigiam a mesma proteção que aqueles que viveram quando da edição do Código Penal, em 1940 (GRECO, 2014).

No entanto, doutrina e jurisprudência se desentendiam quanto a esse ponto, discutindo se a aludida presunção era de natureza relativa (iurís tantum), que cederia diante da situação apresentada no caso concreto, ou de natureza absoluta (iurís et de iuré), não podendo ser questionada (GRECO, 2014).

Discutiu-se, ainda, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, se o estupro de vulnerável, sem violência ou grave ameaça, era ou não hediondo. A Lei n. 12.105/2009 acabou com tal discussão ao incluir expressamente o artigo 217-A no rol de delitos hediondos (CUNHA, 2017).

Com o advento da Lei n. 12.015/09 ocorreram significativas alterações no Título VI da parte especial do Código Penal, passando a denominá-los “Crimes contra a dignidade sexual”. Preocupou-se, principalmente com a dignidade da pessoa humana, pilar do Estado Democrático de Direito, quando referida alteração de nomenclatura indica, desde logo, que a preocupação do legislador não se limita ao sentimento de repulsa social a esse tipo de conduta, da mesma forma que ocorria nas décadas anteriores, mas sim à efetiva lesão ao bem jurídico em questão, ou seja, à dignidade sexual de quem é vítima desse tipo de infração (NUCCI, 2014).

Uma das mais importantes mudanças trazidas pela novel legislação - trazendo também profundas consequências - para Guilherme de Souza Nucci refere-se à junção, em um único tipo penal, das condutas anteriormente trazidas pelos artigos 213 e 214 do Código Penal, estando agora previstas como estupro, no artigo 213. Em relação ao estupro de vulnerável, tal conduta era genericamente tratada pelos artigos 213 e 214, combinados com o artigo 224, ambos do Código Penal, sendo que com a nova lei, recebeu tipificação exclusiva, estando agora prevista no artigo 217-A (NUCCI, 2014).

Conforme se extrai de referido tipo penal, a legislação elencou os sujeitos vulneráveis sexualmente, sendo o menor de 14 anos, conforme disposição do artigo 217-A, caput; o portador de enfermidade ou deficiência mental que em razão da patologia não tem o necessário discernimento para a prática do ato; e aquele que em razão de qualquer outra causa não pode oferecer resistência (§1º).

Percebe-se que o legislador criou uma figura típica em substituição às hipóteses de presunção de violência constantes do revogado artigo 224 do Código Penal (GRECO, 2014).

A vulnerabilidade, seja em razão da idade, seja em razão do estado ou condição da pessoa, diz respeito a sua capacidade de reagir a intervenções de terceiros quando no exercício de sua sexualidade. Assim, o sujeito passivo é caracterizado como vulnerável quando é ou está mais suscetível à ação de quem pretende intervir em sua liberdade sexual, de modo a lesioná-la (PRADO, 2010).

O legislador utiliza-se do conceito de vulnerabilidade para diversos enfoques, em condições distintas. Tais aspectos demonstram que há concepções distintas de vulnerabilidade, ou seja, uma vulnerabilidade absoluta e outra relativa: a primeira refere-se ao menor de quatorze anos, configuradora da hipótese de estupro de vulnerável (art. 217-A), quando a segunda se refere ao menor de dezoito anos, empregada ao contemplar a figura do favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (art. 218-B). Aliás, os dois dispositivos legais usam a mesma fórmula para contemplar a equiparação de vulnerabilidade, nas respectivas menoridades (quatorze e dezoito anos), ou a quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência (BITENCOURT, 2012).

Nos dois dispositivos cria-se hipóteses de interpretação analógica (ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência) que deve obedecer aos atributos dos respectivos paradigmas (BITENCOURT, 2012).

Para os casos de vítima menor de 14 anos, Rogério Greco (2014) sustenta que o critério adotado pelo legislador foi objetivo, logo, não importa discussão sobre a relatividade ou não da ideia de vulnerabilidade, pois “a determinação da idade foi uma eleição político-criminal feita pelo legislador. O tipo não está presumindo nada [...] está somente proibindo que alguém tenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso com menor de 14 anos [...] (GRECO, 2014, p. 774).

Dessa forma, nota-se a divergência doutrinária acerca das circunstâncias em que deve incidir a norma protetora aos ditos incapazes, sendo tal discussão até então travada sob a ótica dos efeitos e da extensão da expressão presunção de violência, mas que agora resta-se moldada sob a ideia de vulnerabilidade.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VEDANA, Paola C.. O crime de estupro de vulnerável e as alterações promovidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5927, 23 set. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67057. Acesso em: 25 nov. 2024.

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