5. ANÁlISE DE CASO: DEPUTADO FEDERAL JAIR BOLSONARO
O deputado federal Jair Bolsonaro, militar da reserva, reeleito no ano de 2010 pelo partido político Partido Progressista do Estado de São Paulo, partido proveniente da época ditatorial no Brasil com vertentes originárias da antiga “Aliança Renovadora Nacional”, ARENA, partido que se propõe a construção de uma sociedade livre, justa, fundada na democracia participativa enfatizando a observância da dignidade da pessoa humana, ganhou durante seus sucessivos mandatos eletivos, notória fama devido ao seu posicionamento em questões de ordem sócio-jurídica de maneira polêmica, de acordo com a sua biografia constante no endereço virtual da Câmara dos Deputados.
As suas declarações públicas seguem um padrão caracterizado pelo militarismo que o mesmo possui, explicitamente configurado em sua personalidade e caráter uma vez analisados seus posicionamentos sobre questões como a homofobia, preconceito racial, sexismo, cotas raciais e por defender a prática de tortura como meio eficaz na apuração de crimes e a defesa em prol do regime militar no Brasil, com uma perspectiva positiva a tal fenômeno histórico, como apresentou a Revista Época (ÉPOCA, 2011), em entrevista ao deputado federal em questão.
5.1 Da entrevista do Deputado Jair Bolsonaro ao programa CQC da Rede Bandeirantes
No dia 28 de março de 2011, foi exibido pela Rede Bandeirantes de Televisão, em programa de humor da modalidade jornalística e informativa, Custe o Que Custar, programa que visa a apresentar uma perspectiva, além de humorística, crítica e diferenciada diante de fatos e eventos pertinentes a pessoas públicas, sejam elas públicas, vinculadas a algum cargo ou função pública de mandato eletivo ou não da União, sejam privadas, como, de forma genérica, celebridades em geral, uma entrevista no quadro específico do dito programa televisivo, conforme dispõe em sítio online da Rede Bandeirantes.
O quadro em questão, intitulado “O povo quer saber”, ocorre o seguinte procedimento: uma pessoa pública de relevante influência social é convidada a responder qualquer pergunta proveniente de qualquer pessoa, podendo variar desde um simples cidadão como até mesmo uma celebridade, e não há limitações quanto ao conteúdo da pergunta de forma que esta possa ter qualquer natureza e o questionado também poderá responder da melhor forma que lhe convier.
Na data anteriormente citada, houve a exibição deste quadro do programa CQC em que o entrevistado da oportunidade foi deputado federal Jair Bolsonaro pelo fato de, além de ser um político de destaque na sua área de atuação, seus posicionamentos perante as questões sociais serem aqueles que vão de encontro, além de princípios, direitos e garantias constitucionais do Estado Democrático de Direito previstos no artigo 5º e incisos.
Primeiramente, antes de analisar o conteúdo problemático da entrevista, é necessário verificar posicionamento passível no Supremo Tribunal Federal acerca do alcance da imunidade parlamentar material diante de hipóteses com esta em que a pessoa política é convidada a dar voz pública a opiniões pessoais ou não, e concernentes ou não ao mandato eletivo, conforme verifica-se no voto incidente no Inquérito 2.332 em Agravo Regimental que teve como relator o Ministro Celso de Mello:
A cláusula de inviolabilidade constitucional, que impede a responsabilização penal e/ou civil do membro do Congresso Nacional, por suas palavras, opiniões e votos, também abrange, sob seu manto protetor, as entrevistas jornalísticas, a transmissão, para a imprensa, do conteúdo de pronunciamentos ou de relatórios produzidos nas Casas Legislativas e as declarações feitas aos meios de comunicação social, eis que tais manifestações – desde que vinculadas ao desempenho do mandato – qualificam-se como natural projeção do exercício das atividades parlamentares.
Denota-se que, inclusive na Suprema Corte, é passível, com precedentes de diversos julgados como o do Recurso Extraordinário 606.451 em Agravo Regimental, que tem como relator o ministro Luiz Fux e o Recurso Extraordinário 501.555 em Agravo Regimental, com o ministro Dias Toffoli como relator, do entendimento de que a prerrogativa de imunidade será aplicável uma vez observada a hipótese de a manifestação proferida estar vinculada com o mandato exercido pelo parlamentar.
No caso da entrevista apresentada em programa de rede nacional, o deputado federal respondeu diversas perguntas concernentes a posicionamentos proferidos outrora, acerca de temáticas como cotas raciais, homossexualismo, ditadura militar, drogas e racismo, em consonância com a proposta a qual se objetiva o quadro temático do programa. Isto é identificado pelo próprio parlamentar em entrevista à Revista Época (ÉPOCA, 2011).
Em um primeiro momento, evidencia-se que, em conformidade com a finalidade do quadro, não há confusão incidente no fato de que o deputado federal Jair Bolsonaro fora convidado a participar deste programa devido a sua função em cargo público de mandato eletivo.
E esta hipótese, então, todo o conteúdo concernente às respostas apresentadas na entrevista, conforme a imunidade material prevista na Constituição Federal de 1988, em tese, estaria acobertado pelas prerrogativas protecionistas inerentes ao cargo, enquanto houvesse observância dos requisitos para aplicação das mesmas, conforme exposto em item anterior sobre imunidade material deste trabalho.
Entretanto, na sistemática do quadro do programa de televisão, não há limitações ou restrições temáticas às perguntas, de forma que pode se denotar uma constante variação em função da temática das perguntas, podendo, desta forma, as respostas também variarem de formas a estarem ou não vinculadas ao mandato público o qual o parlamentar exerce.
Em virtude disto, haverá o afastamento da hipótese de aplicação das prerrogativas prevista aos congressistas e este poderá responder civilmente, penalmente, conforme prevê o texto constitucional em seu artigo 53, §2º, quando as suas respostas apresentadas possuírem cunho meramente de opinião própria, isento de qualquer fundamento inerente ao cargo eletivo.
Diante deste cenário, surge determinada problemática, a qual gerou notável repercussão em âmbito nacional sobre uma das respostas apresentadas pelo parlamentar ao enfrentar uma pergunta realizada pela cantora Preta Gil sobre o seu posicionamento perante a hipótese da ocorrência de seu filho se apaixonar por uma pessoa, caracterizada pela cantora, negra.
Prontamente, o parlamentar respondeu da seguinte forma (CQC, 2011):
Ô Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja e eu não corro esse risco e meus filhos foram muito bem educados e num viveram em ambientes como lamentavelmente é o teu.
Diante desta resposta, a cantora extraíra a interpretação direta de que o posicionamento do parlamentar era preconceituoso e caracterizaria em hipótese de uma opinião pessoal a qual ofenderia diretamente a ela, responsável pela formação da pergunta e destinatária primária da resposta, e a etnia afrodescendente caracterizando, desta forma, em uma prática ofensiva com fundamento em um discurso de cunho racista, excedendo o direito de liberdade de expressão previsto no art. 5º da Constituição Federal de 1988 e abrindo a hipótese de se interpretar como crime de opinião fundado no crime inafiançável de racismo.
Em resposta, segundo publicação em coluna online do programa CQC, Preta Gil afirmou que ajuizaria, por discriminação racial e homofobia, ação por reparação a danos morais e ainda responsabilizaria penalmente o deputado federal. Em decorrência deste evento, em entrevista à Revista Veja (2011), o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, Wadih Damous, afirmou que pediria a abertura de processo, na data do dia 29 de março de 2011, com pedido de cassação de mandato contra o Jair Bolsonaro, sobre os mesmos fundamentos.
Em sua defesa, em entrevista a Revista Veja com publicação em coluna virtual (2011), o deputado federal alegara que se confundira com a pergunta feita pela cantora pensando que a hipótese questionada se trataria de um relacionamento homoafetivo e não com uma pessoa da etnia em questão, e que o mesmo afirma que se antecipara mentalmente para responder a mesma de forma agressiva para demonstrar descaso e desdém perante a autora de pergunta.
Diante disto, denota-se que o deputado federal Jair Bolsonaro respondeu à pergunta tempestiva de forma pessoal e, consequentemente, desvinculado da esfera de alcance das atribuições do exercício do mandato eletivo e consequentemente, não se tratando de hipótese em que seu discurso estaria amparado pela prerrogativa dos congressistas de proteção pela imunidade material.
5.2 Do discurso do Deputado Jair Bolsonaro no plenário da Câmara dos Deputados
Em virtude das repercussões provenientes da apresentada entrevista, em sessão plenária na Câmara dos Deputados no dia conseguinte ao da exibição da entrevista, o deputado federal apresentara diante do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, requerimento para que se torne público o seu posicionamento diante do Conselho, para que se eximam quaisquer responsabilizações das quais, por ventura viessem ocorrer, no âmbito da administração da Câmara, devido ao episódio.
Neste sentido, na sessão ordinária de pequeno expediente da Câmara, o deputado federal descreveu o seu entendimento acerca da pergunta enfrentada, bem como a forma como fora feita a entrevista e não negando que cometera um erro ao afirmar da forma que fora apresentada na entrevista.
Afirmara que as perguntas eram apresentadas por meio de um laptop em uma sala em que eram exibidos diversos vídeos com pessoas distintas, inclusive a Preta Gil causadora de toda a tempestividade acerca da resposta a ela direcionada. Ressalvou ainda que a sua resposta não configura em hipótese de discriminação racial uma vez que o tema “promiscuidade” não está vinculado com o tema “racismo”, afirmando que seria o mesmo que “perguntar sobre banana e alguém responder sobre abacate”, afirmando desta forma total desvinculo contextual.
Com isto, apresentara o requerimento da oportunidade de se posicionar diante do evento perante o Conselho de Ética, uma vez que esta é a competente e responsável para apurar e deliberar acerca de eventos dos quais haja a ocorrência de conduta incompatível com o decoro parlamentar a qual ensejaria na aplicação da penalização da perda do mandato prevista no art. 4º, inciso I do Código de Ética e Decoro Parlamentar.
Recebido o requerimento, o deputado federal tivera concedido o direito de posicionar-se perante a Mesa Diretora do Conselho de Ética e Decoro da Câmara para sustentar diante do evento tempestivo, de forma a esclarecer o seu posicionamento apresentado e descaracterizar o seu discurso com a configuração que a mídia e a cantora Preta Gil atribuíram como se tratando de discurso de discriminação racial e homofóbica, seguindo procedimento previsto no Código de Conselho de Ética e, desta forma, pacificando o entendimento, naquela Casa Legislativa sobre o conteúdo do depoimento, de que não se caracterizara como um desrespeito racial ou homofóbico, uma vez que a resposta do deputado se tratara de uma esquiva a pergunta da cantora.
Desta forma, denota-se que não houve responsabilização por parte do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados acerca do evento problemático, uma vez que não houvera penalização alguma no que concerne ao exercício do mandato do deputado federal Jair Bolsonaro.