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Fragmentos de justiça nicomaqueia: como permanece vivo o pensamento aristotélico em decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

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Agenda 17/07/2018 às 19:20

Conclusão

Efetuada a introdução, com a exposição dos motivos para a presente pesquisa, passou-se pela revisão dos principais conceitos sobre a justiça contida na obra Ética a Nicômaco.

Da análise de acórdãos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, constatou-se que há argumento empírico que demonstra que o pensamento de Aristóteles, ou pelo menos “fragmentos”, continua vivo no discurso de fundamentação, embora existam deficiências e equívocos, como apontado no decorrer do texto.

Veja-se que o uso dos conceitos de justiça nicomaqueia não podem ser apropriados de forma arbitrária pelo operador do direito, devendo respeitar algumas condições, tanto a nível de filosofia aristotélica (por uma questão de coerência e contextualização), como de fundamentação da decisão, evitando-se o mero argumento de autoridade ou de caráter opinativo.

Impõe-se superar aquilo que WARAT (1994, p. 13) chamou de senso comum teórico dos juristas, onde a citação de Aristóteles não deve ser apenas um costume intelectual, que carrega dentro de si um espaço para decisionismos.

Por isso, é um tema instigante, que merece um maior aprofundamento, pois revelar que o pensamento de um grego, de mais de dois milênios, ainda é constantemente invocado, mas para superar as falhas acima mencionadas, impõe-se aclarar a sua filosofia e seus conceitos, numa adequada teoria da decisão judicial.


Referências

AQUINO, Tomás de. Da justiça. Trad. Tiago Tondinelli. Campinas: Vide Editorial, 2012.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W.D. Ross. São Paulo: Nova Cultural, 1984. P. p. 44 - 236. v. 2.

BITTAR, Eduardo C. B. A justiça em Aristóteles. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.

FERREIRA NETO, Arthur Maria. Metaética e a fundamentação do direito. Porto Alegre: Elegantia Juris, 2015.

MORRISON, Wayne. Filosofia do direito: dos gregos ao pós-modernismo. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Processo constitucional. 3 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016.

REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19. ed. - São Paulo: Saraiva, 2002.

RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes? para uma crítica do direito (brasileiro). Rio de Janeiro: FGV, 2013.

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 3 ed. Revista dos Tribunais: Saraiva, 2013.

VILLEY, Michel. Filosofia do direito: definições e fins do direito: os meios do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1994. I.

ZINGANO, Marco. Aristóteles: Ethica Nicomachea V1-15: tratado da justiça. Tradução e comentário de Marco Zingano; texto grego de Susemihl e Aplet (Leipzig, 1912). São Paulo: Odysseus, 2017.


Notas

[1] Embora não seja o objeto do presente, é interessante demonstrar, de passagem, como a “felicidade” ingressa no discurso jurídico em decisões do STF. Para o Ministro Celso de Mello, seria um mandamento comum, ao lado da dignidade humana e do devido processo legal, o direito à felicidade, que é derivado daquela. “Não constitui demasia assinalar, neste ponto, que a busca da felicidade representa o fim natural da vida humana. O eudemonismo, nesse contexto, desempenha um papel de significativa importância, pois encerra a noção, já formulada no Século IV a.C., por ARISTÓTELES (“Ética a Nicômaco”, 1.12.8), para quem “A felicidade é um princípio; é para alcançá-la que realizamos todos os outros atos; ela é exatamente o gênio de nossas motivações”.  (STF, ADC 41, Relator:  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-180 DIVULG 16-08-2017 PUBLIC 17-08-2017).

[2] “A igualdade, desde Platão e Aristóteles, consiste em tratar-se de modo desigual os desiguais.” (STF, MS 26690, Relator:  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2008, DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008). No mesmo sentido: STJ, HC 92.875/RS, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 30/10/2008, DJe 17/11/2008. Sobre a aplicação da equidade em Aristóteles: STJ, REsp 1029434/CE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/05/2008, DJe 18/06/2008.

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[3] No âmbito da sociologia, fala-se em uma modernidade (pós-modernidade) líquida, em que os padrões, códigos e regras, que serviam de conformação ou guias, estão cada vez mais estão em falta. Essa fluidez é marcada pela insegurança e mudanças. (Veja-se: BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Trad Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001).

[4] Por exemplo, no âmbito da economia: SEN, Amartya. Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

[5] Apelação Cível Nº 70069719722, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Léo Romi Pilau Júnior, Julgado em 31/08/2016.

[6] SANSEVERINO, PAULO DE TARSO VIEIRA. Princípio da reparação integral. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 34

[7] Agravo de Instrumento Nº 70047482443, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 30/05/2012.

[8] Apelação Cível Nº 70070811021, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 14/12/2016.

[9] Agravo de Instrumento Nº 70076205335, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 19/12/2017.

[10] Apelação Cível Nº 70072652845, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 14/12/2017.

[11] Apelação Cível Nº 70010806743, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Cezar Muller, Julgado em 05/05/2005.

[12] Apelação Cível Nº 70075911057, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Giovanni Conti, Julgado em 14/12/2017.

[13] Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 70075120428, Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Victor Luiz Barcellos Lima, Julgado em 01/12/2017.

[14] Agravo de Instrumento Nº 70074558537, Vigésima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Léo Romi Pilau Júnior, Julgado em 31/10/2017.

[15] Por isso, é bom rememorar que, quanto à origem do conhecimento, REALE enquadra ARISTÓTELES entre os pensadores do racionalismo em que, além do fato como fonte do conhecer (como no empirismo), existem verdades de razão, obtidas essas por análise. O estagirita pertenceria a um ramo chamado de intelectualismo, onde o intelecto possui um papel de agente ou positivo, que atua sobre os elementos empíricos, captando a sua essência.

“Denominamos propriamente ‘intelectualismo’ àquela corrente, originada de Aristóteles, que reconhece a existência de ‘verdades de razão’ e, além disso, atribui à inteligência função positiva no ato de conhecer: — a razão não contém, porém, em si mesma, verdades universais como idéias inatas, mas as atinge à vista dos fatos particulares que o intelecto coordena: o intelecto extrai os conceitos ínsitos no real, operando sobre as imagens que o real oferece.” (REALE, p. 96)

Para o racionalista, ao lado do direito, como fato empírico (direito positivo), existe um direito ideal, racional ou natural (REALE, 2002, p. 99).

[16] Em Aristóteles há a figura do escravo por natureza, num contexto da estrutura familiar grega da época. O mesmo raciocínio poder ser verificado em questões de gênero.

Sobre o autor
Fabiano Tacachi Matte

Advogado. Mestre em Direitos Humanos pela UNIRITTER. Acadêmico da especialização em Filosofia – UNISINOS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTE, Fabiano Tacachi. Fragmentos de justiça nicomaqueia: como permanece vivo o pensamento aristotélico em decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5494, 17 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67646. Acesso em: 28 dez. 2024.

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