3 PRINCÍPIOS APLICÁVEIS ÀS RELAÇÕES DE TRABALHO E O PATAMAR MÍNIMO CIVILIZATÓRIO
O termo “princípios”, em seu significado propriamente dito, é a origem, a base, ponto de partida. Isto é, são eles as proposições que fundamentam determinado ramo científico e que ditam o norte dos sistemas jurídicos. “Os princípios inspiram, orientam, guiam, fundamentam a construção do ordenamento jurídico” (MARTINS, 2017, p. 125).
O sistema jurídico não é composto somente por normas, mas também por princípios. Martins (2017, p. 126) costuma os diferenciar afirmando que as normas, necessariamente, estão positivadas; enquanto os princípios podem ou não estar positivados. Vale esclarecer que, em alguns casos, eles estão contidos em alguma regra e decorrem de estimação ética e social.
Os princípios possuem função tríplice, podendo ser apontadas como: função informativa, interpretativa e normativa. A função informativa é destinada ao legislador, que deve realizar atividade legislativa de acordo com os princípios éticos do ordenamento jurídico. A função Interpretativa é aplicada ao juiz, que deve compreender o sentido das normas e apresentar ao caso concreto. E, por fim, a função normativa, que também é destinada ao juiz, que deve constatar que os princípios podem ser aplicados de forma direta na solução dos litígios, podendo, inclusive, se sobrepor a uma norma (LEITE, 2017).
Diante disso, percebe-se a importância do estudo e aplicação dos princípios que regulamentam o Direito brasileiro, seja pelo legislador, pelo intérprete ou pelo aplicador do direito.
3.1 Inafastabilidade Jurisdicional
Também conhecido como Princípio do livre acesso à jurisdição, o princípio da inafastabilidade jurisdicional é oriundo do direito constitucional. A Constituição Federal de 1988 o incluiu no rol dos direitos fundamentais. Ademais, está expressamente previsto no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal (BRASIL, Constituição Federal de 1988, 2018, p. s/n), que diz: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
O princípio do livre acesso à jurisdição consagra uma garantia processual, um direito subjetivo de obter a tutela jurisdicional em razão do direito de ação. Mesmo com curta redação, o artigo 5º, XXXV, da Lei Maior, consegue deixar evidente a responsabilidade do Judiciário de julgar e, do mesmo modo, é capaz de anunciar o direito fundamental do acesso à justiça.
Entretanto, importante consignar que a inafastabilidade jurisdicional não pode ser entendida meramente como o acesso à justiça, mas, sim, como o dever do Estado de atender o jurisdicionado de forma correta, célere e segura, de maneira que a sentença garanta seu caráter reparatório.
A respeito do referido princípio, aduzem Cintra, Grinover e Dinamarco (2012, p. 42)
Acesso à justiça não se identifica, pois, com a mera admissão ao processo, ou possibilidade de ingresso em juízo. (...) para que haja o efetivo acesso à justiça é indispensável que o maior número possível de pessoas seja admitido a demandar e a defender-se adequadamente, sendo também condenáveis as restrições quanto a determinadas causas (pequeno valor, interesses difusos); mas, para a integralidade do acesso à justiça, é preciso isso e muito mais. (...). O acesso à justiça é, pois, a ideia central a que converge toda a oferta constitucional e legal desses princípios e garantias. Assim, (a) oferece-se a mais ampla admissão de pessoas e causas ao processo (universalidade da jurisdição), depois (b) garante-se a todas elas a observância das regras que consubstanciam o devido processo legal, para que (c) possam participar intensamente da formação do convencimento do juiz que irá julgar a causa, podendo exigir dela a (d) efetividade de uma participação em diálogo - tudo isso com vistas a preparar uma solução que seja justa, seja capaz de eliminar todo o resíduo de insatisfação.
Assim, ensinam Cappelletti e Garth (2002, p. 8):
A expressão ‘acesso à Justiça’ é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico - o sistema pelo qual as pessoas podem reinvindicar e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produizr resultados que sejam individual e socialmente justos. Nosso enfoque, aqui, será primordialmente sobre o primeiro aspecto, mas não poderemos perder de vista o segundo. Sem dúvida, uma premissa básica será a de que a justiça social, tal como desejada por nossas sociedades modernas, pressupõe o acesso efetivo.
Denota-se, assim, que é função social do Estado assegurar a qualquer indivíduo o livre acesso à justiça, tendo o Judiciário o dever de apresentar soluções céleres e obedecendo o que determina o ordenamento jurídico brasileiro.
3.2 Proteção
O princípio da proteção é exclusivo do Direito do Trabalho e do Processo do Trabalho. Surge na intenção de equilibrar as relações trabalhistas, impedindo a exploração do capital sobre o trabalho humano. Enquanto no direito comum busca-se a igualdade entre os contratantes, no direito laboral a principal preocupação é proteger o trabalhador, haja vista que se presume ser este a parte hipossuficiente nestas relações. Desta forma, o grande objetivo é alcançar uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes, compensando a desigualdade social e econômica existente entre elas (ROMITA, 2003, p. 24)
Ou seja, a intenção é equilibrar a discrepância causada pela diferença de poder econômico presente entre os contratantes nas relações laborais. Nesse sentido, Delgado (2011, p. 190) afirma:
Toda a estrutura do Direito Individual do Trabalho constrói-se a partir da constatação fática da diferenciação social, econômica e política básica entre os sujeitos da relação jurídica central desse ramo jurídico específico. Em tal relação, o empregador age naturalmente como ser coletivo, isto é, um agente socioeconômico e político cujas ações – ainda que intraempresariais – têm a natural aptidão de produzir impacto na comunidade mais ampla.
Em contrapartida, no outro pólo da relação inscreve-se um ser individual, consubstanciado no trabalhador que, como sujeito desse vínculo sociojurídico, não é capaz, isoladamente, de produzir, como regra, ações de impacto comunitário. Essa disparidade de posições na realidade concreta fez emergir o Direito Individual do Trabalho largamente protetivo, caracterizado por métodos, princípios e regras que buscam reequilibrar, juridicamente, a relação desigual vivenciada na prática cotidiana da relação de emprego.
Considerado por muitos o maior juslaboralista da América Latina, o uruguaio Américo Plá Rodriguez (2002, p. 85), afirma, em sua obra clássica –– o seguinte entendimento sobre o princípio em comento:
O fundamento deste princípio está ligado à própria razão de ser do Direito do Trabalho. Historicamente, o Direito do Trabalho surgiu como consequência de que a liberdade de contrato entre pessoas com poder e capacidade econômica desiguais conduzia a diferentes formas de exploração. Inclusive, mais abusivas e iníquas.
O legislador não pôde mais manter a ficção de igualdade existente entre as partes do contrato de trabalho e inclinou-se para uma compensação dessa desigualdade econômica desfavorável ao trabalhador com proteção jurídica a ele favorável. O Direito do Trabalho responde fundamentalmente ao propósito de nivelar desigualdades.
O princípio da proteção é abordado sob a forma de três prismas (RODRIGUEZ, 2002, p. 107). O primeiro deles trata-se da regra do ‘in dúbio, pro operário’, que determina a aplicação da interpretação mais favorável ao trabalhador, entre as várias possíveis em uma mesma norma. O segundo, a regra da norma mais favorável, afirma que se houverem diversas normas válidas sobre a relação de emprego, deve-se usar aquela mais benéfica ao trabalhador (GARCIA, 2010, p. 98). Por fim, a regra da condição mais benéfica, que assegura ao empregado a manutenção de direitos mais vantajosos, impossibilitando a retirada ou modificação deles.
Revela-se, assim, a importância do princípio da proteção, que acaba por limitar a autonomia da parte mais forte da relação – o empregador – e protege o empregado, que já adentra na relação em desvantagem, seja por depender daquele trabalho ou, como mencionado, pela clara diferença econômica.
Todavia, a doutrina vem defendendo a teoria de crise do princípio da proteção, por acreditar que essa ideia ficou no passado ou mesmo que nunca existiu.
Sobre o tema, Cassar (2017, p. 170-171) afirma:
É visível a crise enfrentada que enfraquece, e muito, o princípio da proteção ao trabalhador, o que pode ser facilmente constatado pela jurisprudência e súmulas mais recentes dos tribunais trabalhistas, que já não mais defendem ferozmente o trabalhador como outrora faziam, permitindo, em alguns casos, a redução de seus direitos ou a alteração in pejus.
Entretanto, num estado democrático de direito, onde se busca a igualdade entre todos, se faz imprescindível a intervenção estatal para proteger o trabalhador, de forma a compensar a desigualdade que já nasce com a relação contratual.
3.3 Inalterabilidade Contratual
O princípio da inalterabilidade contratual surge do Direito Civil, e tem como principal escopo o cumprimento dos pactos firmados entre as partes, sem que haja alterações no curso do contrato, objetivando uma maior segurança entre os envolvidos.
O artigo 421 do Código Civil (BRASIL, Código Civil, 2018, p. s/n) estabelece que: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função contratual”, ou seja, a liberdade contratual é baseada na autonomia de vontade das partes, as quais podem estipular cláusulas da forma como melhor lhes convir, porém, após a realização do negócio, a autonomia dos contratantes passa a ser limitada por aquilo que foi estabelecido.
Desse artigo surge o princípio da força obrigatória dos contratos e o termo pacta sunt servanda, em tradução literal: os pactos devem ser cumpridos.
O princípio da inalterabilidade contratual ou princípio da força obrigatória dos contratos é conhecido classicamente pelo termo pacta sunt servanda que traduz a cogência de que emana o contrato (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 400). Ou seja, a partir desse termo, entende-se que o contrato faz lei entre as partes.
Orlando Gomes (2008, p. 36) aduz que:
(...) o princípio da força obrigatória consubstancia-se na regra de que todo contrato é lei entre as partes. Celebrado que seja, com a observância de todos os pressupostos e requisitos necessários à sua validade devem ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos. [...] Essa força obrigatória, atribuída pela lei aos contratos, é a pedra angular da segurança do comércio jurídico.
Contudo, já há entendimento na doutrina de que este princípio está sendo relativizado, tendo em vista que o novo viés civilista é o da ética, boa-fé objetiva, função social do contrato e não abuso do direito (CASSAR, 2017, p. 202).
Delgado e Delgado (2011, p. 197) sustenta sobre o assunto:
Sabe-se, porém, que esse princípio jurídico geral (pacta sunt servanda) já sofreu claras atenuações no próprio âmbito do Direito Civil, através da formula Rebus sic stantibus. Por essa fórmula atenuadora, a inalterabilidade unilateral deixou de ser absoluta, podendo ser suplantada por uma compatível retificação das cláusulas do contrato ao longo de seu andamento. Essa possibilidade retificadora surgiria caso fosse evidenciado que as condições objetivas despontadas durante o prazo contratual – condições criadas sem o concurso das partes – provocaram grave desequilíbrio contratual, inexistente e impensável no instante de formulação do contrato e fixação dos respectivos direitos e obrigações. Tais circunstâncias novas e involuntárias propiciariam à parte prejudicada, desse modo, a lícita pretensão de modificação do contrato.
No direito do trabalho, por outro lado, tem-se o princípio da Inalterabilidade Contratual in Pejus (lesiva). Sua origem é claramente baseada no princípio da inalterabilidade contratual prevista no Código Civil.
Diferentemente do Direito Civil, no ramo laboralista, a manifestação das partes sobre o contrato é mitigada. Isto é, embora vinculados aos limites da lei, é possível estipular cláusulas iguais ou mais benéficas (para o trabalhador) do que aquelas vigentes no contrato (CASSAR, 2017, p. 203).
Nesse sentido determina o artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, Consolidação das Leis do Trabalho, 2018, p. s/n):
Art. 444: As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
Se, por um lado, a alteração contratual benéfica ao trabalhador é permitida no direito do trabalho, em regra, é totalmente vedada àquela que piore a situação em que o obreiro se encontra. Esta afirmação decorre do que é regido pelo artigo 468 da CLT (BRASIL, Consolidação das Leis do Trabalho, 2018, p. s/n):
Art. 468: Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
O princípio da inalterabilidade contratual in pejus é essencial na busca pelo equilíbrio do contrato de trabalho. De igual forma, é primordial na efetivação da finalidade precípua do direito do trabalho, qual seja a proteção ao trabalhador hipossuficiente
3.4 Vedação ao Retrocesso Social
Os direitos constitucionais fundamentais asseguram proteção e devem evitar excessos sobre os cidadãos. Em razão disso, nenhum direito fundamental pode sofrer qualquer redução à sua efetividade. E isso é exatamente o que se conhece por vedação ao retrocesso de direitos.
Ingo W. Sarlet (2009, p. 121) explica sobre o referido princípio:
toda e qualquer forma de proteção de direitos fundamentais em face de medidas do poder público, com destaque para o legislador e o administrador, que tenham por escopo a supressão ou mesmo a restrição de direitos fundamentais (sejam eles sociais ou não).
O princípio da vedação ao retrocesso social é uma garantia constitucional decorrente de três pilares, quais sejam: a segurança jurídica, a máxima efetividade dos direitos constitucionais e a dignidade da pessoa humana. Este princípio insere a idéia de que o Estado, após implementar um direito fundamental, não pode retroceder, seja limitando-o ou o excluindo.
Sendo assim, segundo Melo (2010, p. 66), levando em consideração que a Constituição Federal de 1988 atribuiu caráter de direitos fundamentais aos direitos laborais, estes também estão protegidos pela garantia constitucional do não retrocesso, principalmente por conta da natureza progressiva do caput do artigo 7º da Constituição Republicana, que reza: ”Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”
Melo (2010, p. 66) explica o princípio:
Denota-se que a CR/88 fixa uma gama de direitos sociais dos trabalhadores, e ainda, claramente firma posição ao mencionar “além de outros” de que outras normas que porventura advierem devem trazer ao obreiro uma condição social melhor do que a anteriormente alcançada no mundo fenomênico. Fortalece o entendimento de que Constituição da República elevou os direitos laborais ao status de garantia fundamental o fato de esses estarem presentes no Capítulo II – Dos Direitos Sociais, do Título II – Dos Direitos e Garantias fundamentais, em seu artigo 6º. Bem como no Capítulo I – Dos Princípio Gerais da Atividade Econômica – do Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira, em seu art. 170, o qual estabelece que a orem econômica estará fundada na valorização do trabalho humano.
Nesse mister, a aplicação do princípio da vedação ao retrocesso social no direito do trabalho tem um viés histórico, que visa impedir que os trabalhadores voltem a laborar em condições degradantes. Consiste no dever do Estado de se abster de retroceder na consolidação e na aplicação dos direitos fundamentais trabalhistas.
3.5 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Patamar Mínimo Civilizatório
Pois bem, fazendo uma retrospectiva do que já foi dito, sabe-se que, historicamente, o direito do trabalho é fruto de intensas conquistas. Não é demais afirmar que, se o objetivo principal sempre foi proteger o ser humano, em suas várias dimensões, o princípio da dignidade da pessoa humana é peça significativa neste cenário.
Ora, o Direito do Trabalho é o direito fundamental, social, inerente a um grupo que merece atenção especial em face da sua desigualdade fática e financeira: os trabalhadores.
A ideia de patamar mínimo civilizatório está diretamente ligada à ideia de dignidade da pessoa humana, afinal, ambos fundam-se no conceito de condição mínima a ser assegurado a todas as pessoas pelo estado, conforme determina a Constituição Federal de 1988.
Nas palavras de Uadi Lammêgo Bulos (2010 apud ANDRADE; MUNIZ. 2015, p. 459-460):
A dignidade da pessoa humana reflete, portanto, um conjunto de valores civilizatórios, incorporados ao patrimônio do homem. Seu conteúdo jurídico interliga-se às liberdades públicas, em sentido amplo, abarcando aspectos individuais, coletivos, políticos e sociais do direito à vida, dos direitos pessoais tradicionais, dos direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), dos direitos econômicos, dos direitos educacionais, dos direitos culturais, etc. Abarca uma variedade de bens, sem os quais o homem não subsistiria.
A força jurídica do pórtico da dignidade começa a espargir efeitos desde o ventre materno, perdurando até a morte, sendo inata ao homem.
Ou seja, a dignidade da pessoa humana é condição inerente do homem; está pautada na integridade física e psíquica, bem como na liberdade e igualdade entre todos, o que é assentado na Constituição Federal de 1988.
Ingo Sarlet (2004 , p. 59) conceitua:
Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana a ‘qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos’
Não se pode esquecer o que ordena a Constituição Federal (BRASIL, Constituição Federal de 1988, 2018, p. s/n), atribuindo como fundamento do Estado a concessão de dignidade ao povo:
Art 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Art 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais (grifo nosso)
Dito isso, percebe-se a consagração do trabalho como direito fundamental e os valores sociais decorrentes dele como pressuposto de existência digna pela Constituição Federal.
O labor é um dos principais meios para que isso ocorra, pois, através da força do trabalho, o indivíduo passa a ter renda, consumir e se inserir na sociedade, o que promove fluxo no mercado, incrementa a economia e, consequentemente, aumenta os postos de trabalho.
Ressalta-se que não é qualquer trabalho que é considerado direito fundamental. Leite (2017, p.39) expõe a ideia de que somente o trabalho realmente dignificante pode ser assim considerado: “Fala-se, assim, em direito ao trabalho digno ou ao trabalho decente como valor fundante de um ordenamento jurídico, político e social”
O trabalho gera valor. Todavia, se o trabalho for insalubre, penoso ou perigoso, o valor gerado é negativo. Diferentemente do trabalho em condições ideais, que se torna saudável, gerando ao obreiro a sua inserção na sociedade e corroborando em sua identidade social.
Nesse entendimento, no seio das relações laborais deve ser vedada a violação da dignidade da pessoa humana.
Não obstante, ao tratar dos direitos sociais, a Constituição Federal (BRASIL, Constituição Federal de 1988, 2018, p. s/n) traz ainda:
Art 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição
Art 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social
XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
Ressalta-se que a concretização da dignidade da pessoa humana só é possível quando se tem acesso à saúde, à educação e ao trabalho digno.
A Constituição Federal (BRASIL, Constituição Federal de 1988, 2018, p. s/n) é enfática ao dizer em seu artigo 170, III e IV:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios
III – Função social da propriedade;
IV – Redução das desigualdades regionais e sociais.
Deve ser evidenciado o papel primordial da classe empregadora na redução de desigualdades através da valorização do trabalho. A doutrina pátria vem entendendo que o Direito do Trabalho é um meio de solidificação da dignidade da pessoa humana, bem como da superação das desigualdades sociais. É o que diz Delgado (2006, p. 43-44):
(...) a idéia de dignidade não se reduz, hoje a uma dimensão estritamente particular, atada a valores imanentes à personalidade e que não se projetam socialmente. Ao contrário, o que se concebe inerente à dignidade da pessoa humana é também, ao lado dessa dimensão estritamente privada de valores, a afirmação social do ser humano. A dignidade fica, pois, lesada caso ela se encontre em uma situação de completa provação de instrumentos de mínima afirmação social. Enquanto ser necessariamente integrante de uma comunidade, o individuo tem assegurado por este princípio não apenas a intangibilidade de valores individuais básicos, como também um mínimo de possibilidade de afirmação no plano social circundante. Na medida desta afirmação social é que desponta o trabalho, notadamente o trabalho.
Nesse norte, o labor em condições dignas não violará o homem, pelo contrário, a dignidade deve ser pressuposto básico de qualquer emprego. Assim, entende-se que: onde não houver a garantia de um trabalho digno, com respeito à integridade física e psíquica do homem, não haverá o respeito à dignidade da pessoa humana.