1. INTRODUÇÃO
O mestre Washington de Barros Monteiro, citando Pouillet, no capítulo em que tratou da propriedade literária, científica e artística, comentou que
"A lei não julga as obras. Ela não pesa seu mérito ou importância. A todas cegamente protege; longa ou breve, boa ou má, útil ou perigosa, fruto do gênio ou do espírito, simples produto do trabalho ou da paciência, toda obra beneficia-se com a proteção legal"
(Curso de Direito Civil – Direito das Coisas, v. 3, 34 ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 251).
Tem-se como certo, então, que o propósito da lei de regência dos direitos autorais é proteger as criações do espírito, assegurando às pessoas físicas criadoras, independentemente de registro, direitos morais e patrimoniais sobre as obras intelectuais de sua lavra.
Os direitos patrimoniais de um autor de obra literária, artística e científica perduram por toda a sua vida e são garantidos, após a sua morte, por setenta anos, contados de primeiro de janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil (Lei nº 9610/98, art. 41).
2. A TABELA DE PREÇOS DO ECAD
Muito se tem discutido sobre a competência do ECAD para elaborar tabela de preços para cobrança de direitos autorais decorrentes da execução pública de composições musicais. No regime da lei anterior, antes da desativação do CNDA, a este órgão público se atribuiu o poder de "fixar normas para a unificação dos preços e sistemas de cobrança e distribuição de direitos autorais" (Lei nº 5988/73, art. 117, IV). Portanto não chegava propriamente a estabelecer os preços dos direitos autorais a serem cobrados dos usuários de músicas, apenas fixava as normas para sua unificação. Tais normas de fixação de preços e sistema de cobrança foram anunciadas pela Resolução CNDA nº 24, de 11.03.81, onde ficou estabelecido, por exemplo, que os valores a serem cobrados constariam de tabela única, elaborada pelo ECAD e homologada pelo CNDA (art. 3º), podendo ser atualizados semestralmente (art. 3º, § único). Previa também que na fixação dos preços os usuários poderiam ser classificados em grupos, tipos, classes, níveis e regiões, de acordo com a atividade exercida, capacidade financeira e região sócio-econômica onde operassem (art. 5º) e, ainda, que a cobrança poderia ser feita de forma periódica (mensal, quinzenal ou semanal) ou eventual (por evento ou função), segundo foi dito no art. 8º.
Posteriormente, na Resolução CNDA nº 46, de 25.02.87, que alterou e consolidou normas relativas à organização, funcionamento e fiscalização do ECAD, publicada no D.O.U., de 06.03.87 – Seção I – p. 3178, estabeleceu como sendo competência da Assembléia Geral dessa associação a fixação de preços dos direitos autorais relativos a obras musicais:
Art. 14 – Compete, ainda, à Assembléia Geral:
... (omissis);
a) fixar preços de utilização de obras e fonogramas, revisando-os quando entender conveniente.
Na realidade, a fixação dos preços para cobrança dos direitos patrimoniais devidos pela utilização de obras lítero-musicais, que é legítima, tornou-se, desativado o CNDA, atribuição exclusiva dos titulares e das suas associações, administradoras do ECAD, sem existir mais nenhuma intervenção governamental. Aliás, para ser mais exato, houve, sim, uma malograda tentativa de controlar os preços praticados pelo ECAD feita pela SDE, que se realizou de uma maneira atabalhoada, abusivamente e ao arrepio de suas atribuições.
É inegavelmente justo que os criadores intelectuais, através das associações, que os representam, estabeleçam os mecanismos para cobrança da remuneração pela utilização pública de suas obras, porque se trata de uma relação de direito privado. Essa exclusividade para estabelecer parâmetros ou critérios de cobrança está implícita na lex magna, quando assegura "o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas" (CF, art. 5º, XXVIII) e na própria lei de regência dos direitos autorais, quando prescreve que "cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica" (Lei nº 9610/98, art. 28).
3. POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL
A respeito dos preços praticados pelo ECAD na cobrança dos direitos patrimoniais dos autores de obras musicais, vale a pena frisar passagem de voto proferido pelo ministro César Asfor Rocha, do STJ, reformando acórdão do Tribunal de Justiça paranaense:
"Merece reforma o julgado hostilizado também nesse aspecto, para permitir a cobrança dos valores na forma em que fixados pelo escritório de arrecadação, mediante tabela própria e segundo seus regulamentos e disposições assembleares, pois tal órgão representa, em juízo e fora dele, os interesses dos autores das obras intelectuais e de criação, os quais têm o direito de arbitrar livremente o preço a ser pago pela utilização das mesmas"
(RESP 212.199-PR, acórdão de 05/08/99, publicado no DJ em 18/10/99).
Na mesma linha de pensamento, se lê em relatório da lavra do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, do STJ, o seguinte:
"... tem o ECAD legitimidade para arrecadar, amigavelmente ou em juízo, os direitos autorais relativos à retransmissão ou execução pública das obras musicais, lítero-musicais ou fonogramas das associações que o integram, podendo, inclusive, fazer a distribuição de tais direitos, autorizar a sua utilização e arbitrar preços, independentemente da intervenção de órgãos estatais."
(RESP 163.543-RS, acórdão de 16/08/99, publicado no DJ em 13/09/99).
Em suma, o STJ tem, presentemente, uma posição firmada quanto a esse assunto, que nos serve de balizamento. Podemos depreendê-la na leitura destas ementas:
EMENTA: DIREITO AUTORAL. TABELA DE PREÇOS. COMPETÊNCIA DO ECAD.
1. Não cabe ao Poder Público estabelecer tabela de preços para a cobrança de direitos autorais, ausente qualquer comando legal nessa direção, competente, assim, o ECAD para tanto.
2. Recurso especial conhecido e provido.
(RESP 163.543-RS, acórdão de 16/08/99, publicação no DJ em 13/09/99)
EMENTA: DIREITO AUTORAL. ECAD. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
1. Não pode o Poder Judiciário fixar o valor dos direitos autorais. Os titulares ou suas associações, quem mantêm o ECAD, é que podem fixar os valores para a cobrança dos direitos patrimoniais decorrentes da utilização das obras intelectuais, como decorre da disciplina positiva.
2. Recurso conhecido e provido.
(RESP 151.181, acórdão de 09/02/99, publicação no DJ em 19/04/99).
4. CONCLUSÃO
Já aludimos, noutro artigo, à metodologia de cálculos, que forma os preços cobrados pelo ECAD pela utilização de obras lítero-musicais. Em virtude de sua complexidade, dá-nos a impressão de mascarar os valores estipulados a título de direitos autorais, fazendo-os parecer abusivos, sem que na verdade cheguem a esse extremo. Por ser pouco compreensível para o usuário comum de músicas, conviria ser revista e aperfeiçoada, eliminando as confusas fórmulas matemáticas empregadas para se obter a importância a recolher ao cofre do ECAD para liberação de um evento musical. A opção por cálculos mais simples e diretos, sem menção a fatores, UDAs, reduções, etc, por certo torná-los-á muito mais acessíveis à inteligência de todos os usuários e contribuirá, sem dúvida, para demonstrar maior transparência.
Dentro do quadro de pessoal do ECAD há pessoas competentes para executar esse trabalho de simplificação das fórmulas de sua tabela de preços. Basta que os burocratas, que chefiam as associações, deixem que se faça isso em proveito delas próprias.