INTRODUÇÃO
Identificar a competência de cada serventia notarial e registral nem sempre é simples, para a maioria das pessoas. A lei determina que cada um desses ofícios tem competência exclusiva para lavratura e registro de atos jurídicos, com exclusão de uns pelos outros.
Os popularmente chamados “cartórios” prestam serviço público, através de seu agente delegado, trazendo segurança às relações jurídicas, sejam pessoais, sejam patrimoniais. Nem sempre bem vistos pela população, em razão do custo dos serviços, entretanto, colaboram para desafogar, e muito, o poder judiciário e dar agilidade a procedimentos que não dependem do aval público, visto que o legislador tem dado especial atenção a possibilitar que sejam feitos nesta esfera de voluntariedade, muitos procedimentos que até há pouco somente eram possíveis através do Estado-Juiz, além de trazer segurança jurídica aos negócios entabulados.
Exemplificando, nos últimos dez anos, foi cometida, à esfera administrativa, a possibilidade de realização de inventário e partilha extrajudiciais, separações e divórcios, usucapião, retificação administrativas de imóveis, arbitragem, entre tantos outros.
O presente artigo trata das competências de cada ofício notarial e registral, trazendo a explicação do que é realizado em cada um deles, dada a pouca divulgação e às dúvidas que surgem quando o usuário pretende utilizar algum dos serviços. Não são poucas as pessoas que confundem uns e outros e, por isto, a informação adequada se faz necessária.
Inicia-se com a conceituação genérica de cada um dos serviços, para, após, cada um deles ser discriminado, referindo-se às leis que os embasam, bem como escora-se em doutrina existente sobre o assunto.
1 SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS
O ordenamento jurídico brasileiro tem como baliza a Constituição Federal de 1988, que, no tocante aos chamados “cartórios” dispõe no artigo 236 que “Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”.
Note-se que ditos serviços são prestados por profissionais do Direito, sendo competência do bacharel, que presta concurso de provas e títulos para ser investido na delegação de uma serventia e exercem um mister público, porém em caráter privado.
A Carta Magna remeteu à lei infraconstitucional a regulamentação da atividade, conforme se infere do § 2º do citado artigo, que diz: “ Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro”.[1]
O legislador pátrio, em 18 de novembro de 1994 aprovou a lei 8.935[2], que veio a reger as atividades, de forma específica e especial.
Até então, o ordenamento jurídico tinha somente como regramento a área registral, na Lei Federal 6.015 de 1973, que, contudo, não disciplinava a atividade com relação aos seus agentes, mas tão somente quanto às variadas formas de registros públicos. A atividade era regulada pelas normas das Corregedorias estaduais, as quais tinham e tem diversas formas de interpretação da atividade.
De qualquer modo, a edição da chamada Lei dos Notários e Registradores, ou Lei dos Cartórios (Lei 8.935/94), veio trazer segurança, tanto ao agente delegado, quanto ao mundo jurídico como um todo, pois disciplina, de forma exaustiva, os direitos, deveres e competências de cada serventia.
Analisar-se-á um a um, iniciando com o Tabelionato de Notas e, após, Tabelionato de Protestos, Registro Civil das Pessoas Naturais, Registro Civil das Pessoas Jurídicas e Especiais, Registro de Títulos e Documentos e Registro de Imóveis, para dirimirem dúvidas do que se realiza em cada um deles.
1.1 FINALIDADE DAS ATIVIDADES NOTARIAIS E REGISTRAIS
A Lei dos Notários e Registradores traz, já em seu primeiro artigo, o conceito do que são estes ofícios públicos, ao dizer que “serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”.
Por certo que estes profissionais técnicos trazem, ao mundo real, a garantia de que os negócios jurídicos encetados e realizados em sua presença e sob sua supervisão, tem a presunção de veracidade e autenticidade, em virtude da fé pública que reveste sua função.
A finalidade precípua destas atividades é dar efetividade à vontade das partes e trazer publicidade aos atos praticados, tornando mais célere os negócios jurídicos, seja na esfera pessoal ou patrimonial.
O sistema jurídico brasileiro prevê a existência de ofícios notariais e registrais, com leis específicas, cuja regulamentação é feita pelo Conselho Nacional de Justiça e pelas Corregedorias de Justiça, a nível estadual.
As pesquisas apontam que países que adotam este sistema tem considerável diminuição dos custos com o Poder Judiciário e o legislador brasileiro, ao longo dos anos, vem privilegiando esta possibilidade de escolha das partes, quando preenchem os requisitos previstos em lei, optando por efetivar seus direitos através da via administrativa.
2 TABELIONATO
2.1 Tabelionato de Notas
Por ser o ofício mais antigo, inicia-se o estudo pelo Tabelionato de Notas. Na espécie tabelionato encontra-se ainda, o Tabelionato de Protestos. O primeiro, embora seja a função mais antiga, não tem legislação própria específica, sendo regulado pela atual Lei dos Notários e Registradores (Lei 8.935/94), pelo Código Civil e pelas normas das Corregedorias Estaduais de Justiça, cujas trazem regras específicas dos procedimentos de cada serventia.
Já o Tabelionato de Protestos foi contemplado com a Lei 9.492 de 10 de setembro de 1997, que, por ser lei especial, regula a matéria.
Além destas normas, os serviços extrajudiciais são regulados pelos provimentos emitidos pelas Corregedorias Gerais de Justiça dos Estados, aos quais devem ser observados, sob pena de, nas correições regularmente feitas, os oficiais sofrerem penalizações.
A Constituição Federal de 1988 prevê ainda, que o Conselho Nacional de Justiça tem a função de fiscalização, conforme o artigo 103-b, § 4º, III, in verbis:
receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa
Diante de tantas normas, muitas delas contraditórias, não se caracteriza como uma função simples de ser exercida, especialmente pela responsabilidade patrimonial que implica, visto que, qualquer ato praticado de forma equivocada pode vir a repercutir negativamente sobre os bens dos usuários destes serviços, razão pela qual a responsabilidade civil com relação a estes é objetiva.
A Constituição Federal, no artigo 236 traz que “Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público” e que seriam definidos por lei infraconstitucional os demais critérios relativos a responsabilidade civil e criminal, forma de fiscalização, ingresso, etc.
A Lei Federal 8.935/94, chamada Lei dos Notários e Registradores, veio regulamentar este artigo da Constituição, e traz, em seu bojo, os parâmetros do exercício das atividades notariais e registrais e no artigo 1º diz o conceito: “Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”.
Como lei especial que é, trata, no artigo 3º, de definir a atuação destes oficiais, ao dizer que “notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro” e, no artigo 5º, deixa claro que os titulares dos serviços notariais são os tabeliães de notas.
O artigo 6º da Lei dos Notários e Registradores traz a competência geral dos tabeliães de notas:
Art. 6º Aos notários compete:
I - formalizar juridicamente a vontade das partes;
II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo;
III - autenticar fatos.
O artigo 7º, por sua vez, traz a competência exclusiva, isto é, atos que só podem ser praticados por estes profissionais:
Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade:
I - lavrar escrituras e procurações, públicas;
II - lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados;
III - lavrar atas notariais;
IV - reconhecer firmas;
V - autenticar cópias.
Complementando a regulamentação da lei sobre a atividade notarial, o artigo 8º estabelece que é livre a escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar de situação dos bens objeto do ato ou negócio e, no artigo 9º, veda a prática de atos de seu ofício fora do Município para o qual recebeu delegação.
As corregedorias estaduais têm, em suas normas, a regulação destas atividades.
2.1.1 Competência do tabelião de notas
O termo competência aqui está grafado no sentido de função, de atribuição, visando chegar ao resultado pretendido por este estudo, que é de servir como um guia prático a quem usa ou a quem pesquisa o que é possível fazer nesta espécie de serventia.
Cada serventia notarial ou registral tem atribuições específicas, que só podem ser realizadas nestas, isto é, um tabelião de notas não pode registrar um imóvel ou um documento e o oficial registrador não tem competência para reconhecer firmas, por exemplo, exceto quando os ofícios são aglutinados, ou seja, quando o oficial responde por um tabelionato e um registro, simultaneamente.
Dentre as várias atribuições do tabelião de notas, estão as de reconhecer firmas, autenticar documentos, lavrar escrituras públicas de procuração, compra e venda, permuta, doação, escrituras declaratórias, testamentos e atas notariais.
Ressalte-se que existem documentos que são analisados pelo tabelião, tendo sua assinatura reconhecida ou autenticada a fotocópia, por exemplo, e que não ficam arquivados ou com cópias no tabelionato, sendo imediatamente entregues às partes. Por outro lado, existem documentos, chamados instrumentos ou escrituras públicas, que são lavrados nos livros do tabelionato e cujo original fica na serventia, sendo entregue às partes o traslado ou uma certidão.
2.1.2 Atos praticados pelo Tabelião de notas
O ato mais comum e corriqueiro é reconhecimento de firma, onde o tabelião de notas atesta que determinada assinatura é da pessoa signatária.
Existem dois tipos de reconhecimento de firma ou assinatura: por autenticidade (ou verdadeira) ou por semelhança.
O tabelião pode atestar ou certificar a autoria de dizeres manuscritos em documento particular, lançados em sua presença, ou que o autor, sendo conhecido do tabelião ou por ele identificado, lhe declare tê-lo escrito. Este é o reconhecimento de letra. (Rodrigues, 2008)[3]
Rodrigues (2008) traz o conceito de reconhecimento de firma por chancela mecânica: “Ato pelo qual o tabelião atesta ou certifica a firma chancelada em documento particular confere com o padrão depositado no tabelionato”.
Na prática cartorária, a autenticação de documentos figura-se como um dos atos mais praticados, diariamente. Autenticar um documento é comparar o original com a fotocópia apresentada e dizer (o tabelião) que a cópia confere com o original.
Para tanto, é imprescindível que, junto com a fotocópia, também seja apresentado o original do documento, pois somente assim é possível fazer a comparação entre os dois.
Dentre as figuras jurídicas em desuso, a pública forma é a cópia de um documento, total ou parcial, apresentada para conferência, onde é reproduzido um documento, transformando o tabelião, aquela em instrumento público.
Dos instrumentos públicos (escrituras) lavrados pelo tabelião de notas, a procuração (instrumento do mandato) afigura-se como um dos mais usuais. Quando a lei estabelecer a obrigatoriedade do atendimento da forma prescrita, somente terá validade o documento que atendê-la. Em razão disso, em muitos negócios jurídicos, deve ser apresentada a procuração lavrada em tabelionato de notas. É o caso, por exemplo, da procuração com poderes para compra e venda de imóveis, procuração para assinar escritura pública de divórcio, procuração do analfabeto, etc.
Brandelli (2009, p. 392)[4] explica que “a procuração pública, que é a procuração feita por notário, é espécie de escritura pública, à qual se aplicam os requisitos gerais das escrituras públicas, no que couberem”.
A revogação de procuração e renúncia de mandato são instrumentos que visam a extinção do contrato de mandato, e, conforme prevê no artigo 472 do Código Civil, o distrato se faz pela mesma forma do contrato.
Seguindo a diretriz do Código Civil, por força do artigo 425, de que é lícito às partes convencionarem contratos atípicos, também o é realizar declaratórias sobre quaisquer circunstâncias em que não haja vedação legal.
O fato de a declaratória ser feita por escritura pública traz mais segurança às partes, visto que, em razão da fé pública do tabelião, embora não tenha ele o dever de averiguar a veracidade da declaração, a identidade do declarante e a data da declaração são certificadas pelo profissional, além do original do documento ficar arquivado no tabelionato, o que possibilita que sejam extraídas cópias fiéis do mesmo, em forma de certidão, em caso de extravio.
Como exemplos mais comuns, apresenta-se a escritura declaratória de convivência ou de união estável, escritura declaratória de vida, escritura declaratória de residência, escritura pública declaratória de dependência econômica, escritura pública de compromisso de manutenção (de estrangeiros que vêm a passeio, estudo ou tratamento médico no Brasil), escritura pública declaratória de estado civil.
Existem, ainda, as escrituras públicas de reconhecimento de paternidade, de pacto antenupcial, de divisão e extinção de condomínio e de divisão.
Dentre as escrituras públicas que visam a modificar, constituir ou transferir direitos, cita-se a de compra e venda, permuta, doação, confissão de dívida, com ou sem garantia, promessa de compra e venda, entre outras.
Mais recentemente, foi acometida aos tabeliães de notas a competência de lavrar inventários e divórcios por escritura pública.
Testamento público ou cerrado e ata notarial são outros instrumentos que também são lavrados pelos notários.
Pelo exposto, é possível verificar que há inúmeras espécies de instrumentos públicos que são lavrados pelo tabelião de notas, não se esgotando, entretanto, nos exemplos dados a sua competência.
2.2 Tabelionato de Protesto
O Tabelionato de Protesto, dentro de sua especialidade, visa, principalmente, dar publicidade do inadimplemento de uma obrigação, no dizer de Camargo (2011).[5]
A Lei Federal 9.492 de 1997[6] define competência, regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida e dá outras providências, trazendo para o cenário jurídico a forma de publicizar a falta de cumprimento da obrigação, pelo devedor.
Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida. (Artigo 1º)
Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas. (Parágrafo Único)
É competência exclusiva do Tabelião de Protestos, que deve fazer a protocolização, a intimação, o acolhimento da devolução ou do aceite, o recebimento do pagamento, do título e de outros documentos de dívida, bem como lavrar e registrar o protesto ou acatar a desistência do credor em relação ao mesmo, proceder às averbações, prestar informações e fornecer certidões relativas a todos os atos praticados.
A Lei 8.935 de 1994 já disciplinava esta competência, que foi reafirmada na lei especial, que trata exaustivamente da matéria.
Uma vez apresentado o título ou documento de dívida, o tabelião de protesto faz o protocolo (apontamento), enviando a intimação ao devedor, através de seu preposto, pelo Correio, com aviso de recebimento ou por edital. Este terá o prazo de três dias úteis para efetuar o pagamento, findos os quais, caso não ocorra o pagamento pelo devedor ou desistência ou sustação, será lavrado o protesto e “os cartórios fornecerão às entidades representativas da indústria e do comércio ou àquelas vinculadas à proteção do crédito, quando solicitada, certidão diária, em forma de relação, dos protestos tirados e dos cancelamentos efetuados, com a nota de se cuidar de informação reservada, da qual não se poderá dar publicidade pela imprensa, nem mesmo parcialmente (artigo 29)”.
Como se trata de ofício público, poderão ser fornecidas certidões de protestos, não cancelados, a quaisquer interessados, desde que requeridas por escrito (artigo 31).
Ocorrendo o pagamento antes de escoar o prazo, não será lavrado o protesto e o devedor receberá a quitação.
Se o devedor não efetuar o pagamento dentro do prazo legal, ocorrendo o protesto e, pagando posteriormente a dívida, “o cancelamento do registro do protesto será solicitado diretamente no Tabelionato de Protesto de Títulos, por qualquer interessado, mediante apresentação do documento protestado, cuja cópia ficará arquivada (artigo 26)”.
Na impossibilidade de apresentação do original do título ou documento de dívida protestado, será exigida a declaração de anuência, com identificação e firma reconhecida, daquele que figurou no registro de protesto como credor, originário ou por endosso translativo (§ 1º).
O protesto extrajudicial, realizado no tabelionato especializado representa segurança às relações jurídicas, trazendo ao credor a possibilidade de publicizar a inadimplência de obrigações, de forma a garantir o cumprimento destas, pelo devedor que não deseja ter seu crédito abalado.