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Direitos autorais de execução pública de obras musicais:

Agenda 01/07/2000 às 00:00

O roteiro musical é o documento onde o empresário relaciona as músicas executadas durante o show ou espetáculo. Não há previsão legal do pagamento de garantia mínima para liberação de evento musical que dependa da aferição de frequência de público.

1. INTRODUÇÃO

Em artigo anterior, abordamos certos aspectos do Regulamento de Arrecadação do ECAD, relativos à liberação de show ou espetáculo musical, realizado tanto ao vivo como por meio mecânico, mostrando as complexidades de normas e obscuridades da metodologia de cálculos. Agora, damos seqüência aos nossos comentários expondo novas particularidades desse documento, com o intuito de manter o público, especialmente os usuários de obras musicais protegidas pela ECAD, mais informado sobre seu conteúdo.

Em primeiro lugar, faremos uma breve menção ao roteiro musical, documento onde o empresário relaciona as músicas executadas durante o show ou espetáculo. Em seguida, expressaremos nossa opinião de que o pagamento de garantia mínima para liberação de evento musical que dependa da aferição de freqüência de público não tem guarida na lei. Finalmente, discutiremos os encargos financeiros que o ECAD cobra dos usuários inadimplentes.


2.APRESENTAÇÃO DE ROTEIRO MUSICAL PELO PROMOTOR DO EVENTO MUSICAL

O roteiro, obrigatoriamente entregue pelo promotor do show ou evento musical ao ECAD, é uma relação que contém os nomes das obras musicais executadas e de seus autores. Com base nesse documento, o percentual de 75% (setenta e cinco por cento) do valor arrecadado para liberação de um show é distribuído, proporcionalmente, aos titulares de direitos de autor, enquanto 20% (vinte por cento) da arrecadação destinam-se à administração do ECAD e 5% (cinco por cento), às associações de titulares de direitos de autor.

Confronta com a determinação da lei a Parte II, IV, 4.1 do Regulamento de Arrecadação (RA), que exige a apresentação pelo usuário, ao requerer a autorização prévia para utilização de obras musicais, relação completa destas, com indicação dos nomes dos respectivos autores, artistas e produtores. Expressamente, no art; 68, § 6º, da Lei nº 9610/98, o legislador estabeleceu que esse roteiro musical será entregue ao ECAD imediatamente após a execução pública ou transmissão, portanto não o poderá exigir antecipadamente do usuário.


3.EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DE GARANTIA MÍNIMA

Na Parte I, Princípios Gerais, item 8 e Parte II, I, D, faz o Regulamento de Arrecadação uma exigência do pagamento de garantia mínima para liberação de evento musical, que dependa da aferição de receita bruta por ele proporcionada e que deve ser apurada imediatamente após sua realização.

A rigor, esse pagamento de garantia mínima antes de realizado o evento musical não deverá existir, porque não se harmoniza com o disposto no art. 68, § 5º, da Lei nº 9610/98. A lei recomenda que, quando a remuneração depender de freqüência de público, o empresário celebre convênio com o ECAD, mas faculta-lhe pagar o preço total devido pela utilização das obras lítero-musicais depois de realizada a execução pública. Contudo a cobrança de garantia mínima para liberação de show ou espetáculo musical é justa, principalmente quando o promotor do evento não tiver tradição no ramo, tiver seu domicílio em outro lugar, for responsável por dívida irregular junto ao ECAD, oriunda da realização de outro evento musical, ou não possuir situação econômico-financeira estável. Nesses casos, para que os titulares de direitos de autor não corram o risco de prejuízo financeiro pela utilização pública de suas obras musicais, age acertadamente o ECAD na proteção dos interesses deles, quando, no convênio celebrado entre as partes, inclui cláusula prevendo o pagamento de um valor, convenientemente dosado, como garantia mínima.

Mas, se o promotor de um evento se recusar a efetuar o pagamento dessa garantia mínima, antes da realização do show ou espetáculo musical, o que poderá acontecer? Diz o Regulamento de Arrecadação - Parte I, Princípios Gerais, item 13, in fine - que "o ECAD não está obrigado a autorizar a utilização das obras musicais, lítero-musicais e fonogramas por usuário em débito com o escritório", disposição que não se aplica, por analogia, à solução dos casos de recusa de pagamento da garantia mínima, porque, se o usuário estiver em situação regular com o ECAD, não tendo sido ainda executadas publicamente as obras musicais que pretende liberar, nada deve. Se mesmo assim o escritório central, nada obstante a faculdade prevista no art. 68, § 5º, da Lei nº 9610/98, insistir no pagamento da garantia mínima, sob condição de não autorizar a liberação do espetáculo musical ou show, restará ao interessado socorrer-se de tutela jurisdicional, através de medida cautelar, para resguardar o seu direito.


4. VORACIDADE DO REGULAMENTO DE ARRECADAÇÃO

Na Parte II, II, estão arroladas as cominações impostas aos usuários inadimplentes. A alínea "a" determina a aplicação de uma multa de 10% (dez por cento), calculada sobre o valor devido, por atraso no pagamento. Essa instrução é fonte de acirrada polêmica entre o ECAD e os usuários das músicas por ele legalmente protegidas. Insatisfeitos, recorrem os devedores freqüentemente ao DECON, objetivando a redução dessa multa a 2% (dois por cento).

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Na verdade, o ECAD pode aplicar essa multa de 10% (dez por cento), em caso de impontualidade de pagamento de usuários das obras musicais que protege, isso porque a alteração feita pela Lei nº 9298/96 ao § 1º do art. 52 do Código de Proteção e Defesa ao Consumidor tem âmbito de aplicação restrito às relações de consumo regidas por esse código. As disposições da Lei nº 9298/96 não são aplicáveis às importâncias devidas a título de retribuição autoral, pois a execução pública de obras artístico-musicais não constitui objeto de consumo.

Visando a facilitar o relacionamento e as negociações com os usuários inadimplentes e ajustando-se à realidade da estabilidade econômica que ora se vive neste país, poderiam as associações de titulares de direitos de autor ter equiparado o percentual dessa multa àquele hoje estipulado pelo Código de Proteção e Defesa ao Consumidor: 2% (dois por cento).

Além da multa de 10% (dez por cento), o Regulamento de Arrecadação prevê, cumulativamente, nas alíneas seguintes da Parte II, II, a cobrança de juros moratórios de 12% (doze por cento) ao ano, atualização monetária calculada com base na variação nominal da TR e a aplicação da multa correspondente a 20 (vinte) vezes ao valor que deveria ser originariamente pago (Lei nº 9610/98, art. 109).

Os juros moratórios, quando houver uma convenção entre as partes (CC, art. 1062), podem ser estipulados em 12% (doze por cento) ao ano. No entanto, não é admissível que o ECAD cobre taxa de juros reais dos usuários de músicas, acima da inflação, como agora o são. Isso pode ser contestado, sob a alegação de constituir enriquecimento ilícito. Opinamos que os juros moratórios não podem exceder aos legais, isto é, 6% (seis por cento) ano. O ECAD não celebra, presentemente, um contrato com os usuários de músicas, onde estejam expressas todas as condições decorrentes da utilização pública das obras musicais.

Desproporcional, ainda que prevista em lei, é a cobrança de multa equivalente a 20 (vinte) vezes o valor que deveria ser originariamente pago, se não estiver o usuário expressamente autorizado a utilizar as obras musicais protegidas (Lei nº 9610/98, arts. 109 e 68).

Salvo quando o usuário puder pagar o preço após a realização da execução pública, no caso de a remuneração depender da aferição de freqüência de público (Lei nº 9610/98, art. 68, § 5º), costuma a retribuição autoral ser paga antecipadamente. Se o usuário atrasar o pagamento, sofrerá as cominações impostas pelo Regulamento de Arrecadação, entre elas estando a pesada multa a que aludimos.

Imaginemos a hipótese de o dono de uma casa de diversão que, numa sexta-feira à tarde, resolvesse, na última hora, promover um evento musical ao vivo à noite. Conquanto tenha ido ao escritório do ECAD para liberar a execução pública das obras lítero-musicais, e este tenha arbitrado em R$ 1.000,00 a retribuição autoral, não houve tempo de liquidar o valor da guia numa agência bancária, pois o horário de expediente dos bancos já havia encerrado e o recolhimento de quaisquer valores pelo escritório central somente se fará por depósito bancário (Lei nº 9610/98, art. 99, § 3º). O serviço de fiscalização do ECAD estando no local de realização do evento musical constatou a irregularidade, lavrou termo de verificação e solicitou sua presença à sede do escritório na segunda-feira. Lá chegando, o valor dos proventos autorais foi atualizado desta maneira:

  1. principal – R$ 1.000,00;
  2. multa de 10% - R$ 100,00;
  3. multa correspondente a vinte vezes o valor original (Lei nº 9610/98, art. 109) – R$ 20.000,00;
  4. total a pagar – R$ 21.100,00.

Isso é verdadeiramente um absurdo e nenhum usuário concordará passivamente com essa cobrança rapace. O legislador, desejando agradar os autores e os artistas nacionais, fez vista grossa e aprovou um artigo de lei cujo conteúdo é imoral e que está predestinado a ser letra morta por causa da sua irrazoabilidade e da desproporcionalidade da multa.

Noutro exemplo, tomemos um casa comercial, que viesse pagando regularmente uma mensalidade de R$ 500,00 a título de direitos autorais. Deixando de pagar a parcela referente a determinado mês, quando se predispôs a liquidá-la dias depois, feita a atualização, ainda sem incidência de correção monetária, informou-lhe o ECAD o montante de R$ 10.550,00, ou seja, parte equivalente à mensalidade ( R$ 500,00) somada à multa de 10% pelo atraso no pagamento (R$ 50,00) e à multa de vinte vezes o valor original pelo uso de músicas sem autorização dos seus autores (R$ 10.000,00). Tem cabimento semelhante desproporcionalidade? Mesmo que a lei a autorize e exista com a função de combater o calote, tem-se que tal disposição legal é irrazoável e até mesmo injusta. Tal cominação não serve para combate ao calote, mas até o fomenta. Se o ECAD persistir em cobrar dos usuários das obras musicais que protege essa multa iníqua e imoral, essa atitude contribuirá sobremaneira para criar mais áreas de conflitos entre ele e empresários e pessoas físicas que utilizam músicas em suas atividades. Por outro lado, isso ocorrendo, o nível de inadimplência crescerá em prejuízo dos interesses legítimos dos titulares de direitos de autor.

Há que se ter presente que a maioria dos usuários de obras musicais é composta de microempresários que não desfrutam de equilibrada situação econômico-financeira. Por isso, se não têm condições de pagar pontualmente pequenas mensalidades, como as pagarão com a inclusão de multa tão descomunal? Muitos deles, revoltados, deixarão que o ECAD tome a providência de ajuizar as dívidas. Quando isso ocorrer, depois de enfrentar a lentidão de um processo na justiça, o ECAD geralmente ganha a ação, mas muitas vezes nenhum recurso ingressa em seu cofre, porque, não tendo o devedor patrimônio que garanta o pagamento da dívida, a sentença judicial favorável torna-se ineficaz. Portanto a medida drástica, que deveria, em tese, servir de lição aos caloteiros dos direitos autorais, redunda em exemplo negativo e em desperdício de recursos dos titulares de direitos de autor.

Ainda a propósito do art. 109 da Lei nº 9610/98, convém lembrar que contém uma impropriedade na referência aos arts. 97, 98 e 99. Na verdade, quer referir-se aos arts. 93, 94 e 95.


5.CONCLUSÃO

Estes pontos do Regulamento de Arrecadação do ECAD precisam ser revistos e aperfeiçoados, a fim de se pôr cobro a situações de conflito entre esse escritório central e usuários das obras musicais por ele legalmente protegidas.

Os titulares de direitos autorais devem exigir providências concretas de suas associações no sentido de que estas se amoldem à realidade da situação econômica que vive o país, as empresas nacionais e as pessoas neste momento. É preferível ganhar sempre, embora um pouco menos, mas sem gastos adicionais com intermináveis demandas judiciais e sem conflitar com aqueles que lhes pagam os proventos autorais, do que desperdiçar apreciáveis somas de recursos oriundos dos recolhimentos atualmente feitos com custas processuais e o pagamento de honorários a advogados.

O escritório central que viveu, durante anos, como uma máquina emperrada, à margem do progresso, aferrado a antiquados métodos de trabalho, galopa, agora, no caminho da modernização, mas é preciso que as associações de titulares de direitos de autor que, entre si, se digladiam pelo poder, não o detenha com o anacronismo de suas normas e de sua metodologia de cálculos.

Sobre o autor
Eduardo José Pereira de Matos

acadêmico de Direito da UNIFOR, bancário aposentado, ex-chefe da sucursal do ECAD em Fortaleza (CE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATOS, Eduardo José Pereira. Direitos autorais de execução pública de obras musicais:: outras considerações sobre o regulamento de arrecadação do ECAD. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/683. Acesso em: 22 nov. 2024.

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