Resumo: Este estudo traz, sob o panorama do Direito Processual Penal, um enfoque sobre a prisão preventiva a fim de subsidiar a discussão em torno de como o intituto é aplicado sob a égide da ordem pública em detrimento do periculum libertatis. A metodologia aborda a pesquisa bibliográfica e a pesquisa em produção científica nacional em conjunto com análises de jurisprudências de tribunais nordestinos.
Palavras-Chave: Prisão Preventiva. Processo Penal. Ordem Pública.Periculum Libertatis. Prazo.
Sumário: INTRODUÇÃO. 1 ORDEM PÚBLICA. 2 PRISÃO PREVENTIVA. 2.1 Conceito. 2.2 Prazo. 3 PERICULUM LIBERTATIS. 4 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como tema a ordem pública, notadamente o seu conceito e o prazo para aplicação da prisão preventiva sob a égide do periculum libertatis. O problema de pesquisa é identificar no instrumento processual da prisão preventiva os seus elementos caracterizadores, relacionando-os ao periculum libertatis e ao que seja o instituto da ordem pública.
Para tanto, utiliza-se como marco teórico principal a obra Curso de Direito Processual Penal, de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2017). O método de pesquisa é o hipotético-dedutivo por meio de referenciais teóricos, em especial, pesquisa bibliográfica e jurisprudencial dos tribunais brasileiros da Região Nordeste.
Para atender ao objetivo proposto, o presente trabalho foi divido em três capítulos. No primeiro capítulo, denota-se o conceito de ordem pública. O segundo capítulo descreve-se as hipóteses de aplicação da prisão preventiva, bem como seu conceito e a controvérsia acerca do prazo de sua duração. Já o terceiro capítulo trata do periculum libertatis.
Donde se conclui que a subjetividade do julgador e o clamor social podem interferir na medida judicial, haja vista que conceitos abertos podem ser utilizados de forma livre pelo julgador. para bem definir sua pretensa escolha frente ao caso concreto.
1 ORDEM PÚBLICA
Não há consenso acerca da expressão “ordem pública”. Com conceito vago, há a interpretação aberta do instituto, o que propicia margem à subjtividade daquele que irá aplicar o normativo penal.
Não se tem um conceito exato do significado da expressão ordem pública, o que tem levado a oscilações doutrinárias e jurisprudenciais quanto ao seu real significado. Em nosso entendimento, a decretação da preventiva com base neste fundamento, objetiva evitar que o agente continue delinquindo no transcorrer da persecução criminal. (TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 1254)
Para Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2017), a ordem pública é “expressão de tranquilidade e paz no seio social”. Se for demonstrado o risco de o infrator, se continuar solto, continuar a cometer crimes, é indicativo de que a prisão cautelar é necessária, havendo risco social de se esperar um possível trânsito em julgado de sentença condenatória.
Nos termos do artigo 312, do Código de Processo Penal, o primeiro fundamento para a decretação da prisão preventiva é a garantia da ordem pública. E aqui está assentado o pilar deste trabalho: identificar o que esse conceito jurídico representa no processo penal brasileiro.
Na visão de Basileu Garcia2, na década de 1940, a garantia da ordem pública era assim disciplinada:
Para a garantia da ordem pública, visará o magistrado, ao decretar a prisão preventiva, evitar que o delinqüente volte a cometer delitos, ou porque é acentuadamente propenso a práticas delituosas, ou porque, em liberdade, encontraria os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida. Trata-se, por vezes, de criminosos habituais, indivíduos cuja vida social é uma sucessão interminável de ofensas à lei penal: contumazes assaltantes da propriedade, por exemplo. Quando outros motivos não ocorressem, o intuito de impedir novas violações determinaria a providência. (GARCIA, 1945, p. 169)
No entendimento de Eugênio Pacelli de Oliveira (2014), a prisão para a garantia da ordem pública
não se destina a proteger o processo penal, enquanto instrumento de aplicação da lei penal. Dirige-se, ao contrário, à proteção da própria comunidade, coletivamente considerada, no pressuposto de que ela seria duramente atingida pelo não aprisionamento de autores de crimes que causassem intranqüilidade social. (PACELLI, 2014, p. 556)
Assim, confrontanto os posicionamentos de épocas diferentes, pode-se inferir que se prima, tanto antigamente quanto agora, por afastar da sociedade a pessoa delinquente a fim de se proteger a coletividade e se evitar a intranquilidade social.
A lei 12.043/2011 promoveu alterações na norma processual penal, consoante o artigo 310 do Código de Processo Penal. Assim, quando o magistrado receber o auto de prisão em flagrante, deverá fundamentadamente: a) relaxar a prisão ilegal; ou b) converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou c) conceder a liberdade provisória, com ou sem fiança:
Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:
I - relaxar a prisão ilegal; ou
II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou
III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.
Aqui, nos interessa a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva. E a norma alterada aponta essa possibilidade quando estiverem presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão. Assim, veja:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).
Nesse aspecto, o primeiro ponto a ser considerado pelo juiz para converter a prisão em flagrante em preventiva será a garantia da ordem pública. A expressão “ordem pública” aparece no Código de Processo Penal por 5 vezes: no inquérito policial (art. 7º); no interrogatório do acusado (art. 185, § 2º, IV); na prisão preventiva (art. 312); no desaforamento – referente ao procedimento relativo aos processos da competência do Tribunal do Juri (art. 427) e nas questões referentes às relações jurisdicionais com autoridade estrangeira (art. 781). Em momento algum, há definição do que seja a “ordem pública” no Código de Processo Penal. A seu turno, no Código Penal, não se menciona tal expressão. Assim, percebe-se que o seu contorno será dado pela doutrina e pela jurisprudência.
“Quando se decreta a prisão preventiva como ‘garantia da ordem pública’, o encarceramento provisório não tem o menor caráter cautelar. É um rematado abuso de autoridade e uma indisfarçável ofensa à nossa Lei Magna, mesmo porque a expressão ‘ordem pública’ diz tudo e não diz nada”3. Para o ilustre autor a preventiva fundamentada pela conveniência da ordem pública é incompatível com a CF, ferindo a presunção de inocência, sendo verdadeira cláusula aberta, em lídima antecipação de pena. (TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 1255)
No presente trabalho, a jurisprudência coletada refere-se à Região Nordeste, composta por nove estados, quais sejam: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernanmbuco, Piauí, Rio Grande de Norte e Sergipe.
Para o Tribunal de Justiça de Pernambuco, a garantia da ordem pública está ligada à periculosidade do agente:
Ementa: HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. ORDEM DENEGADA. - Tendo em vista o modus operandi do delito, sobretudo considerando a quantidade de entorpecentes apreendida, incluindo droga de alto poder lesivo (crack), faz-se necessária a manutenção da prisão preventiva para garantir a ordem pública, tendo em vista a periculosidade do agente.
(TJ-PE - HC: 4027025 PE, Relator: Eudes dos Prazeres França, Data de Julgamento: 14/10/2015, 3ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 26/10/2015)
Ementa: HABEAS CORPUS. REQUISITOS PARA A PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTOS IDÔNEOS. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. - Vislumbram-se presentes os indícios de autoria, haja vista ter sido o Paciente preso em flagrante, na posse de grande quantidade de droga. - Necessária a manutenção da prisão preventiva para garantir a ordem pública, tendo em vista a periculosidade do agente. - Condições pessoais favoráveis, tais como primariedade, ocupação lícita e residência fixa não têm o condão de, por si só, garantirem ao paciente a revogação da prisão preventiva, se há nos autos elementos hábeis a recomendar a manutenção de sua custódia cautelar.
(TJ-PE - HC: 3753280 PE, Relator: Eudes dos Prazeres França, Data de Julgamento: 12/08/2015, 3ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 20/08/2015)
Entendimento similar é decantado no Tribunal de Justiça do Maranhão. Para aquela corte, “o sentimento de insegurança, o qual só pode ser evitado com a manutenção da prisão preventiva”, é definidor para a necessidade de garantia da ordem pública. Veja o que lá se decide acerca do critério da ordem pública:
Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. IMPOSSIBILIDADE. PERICULOSIDADE CONCRETA. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.SUBSTITUIÇÃO POR PRISÃO DOMICILIAR. NÃO CABIMENTO. ORDEM DENEGADA. 1.A prática do crime de tentativa de homicídio qualificado, mediante surpresa, revela a periculosidade do agente, de forma que a sua liberdade gera um sentimento de insegurança, o qual só pode ser evitado com a manutenção da prisão preventiva, como necessidade de garantia da ordem pública. 2.Inexiste ilegalidade na prisão cautelar quando a autoridade coatora explicita suficiente e fundamentadamente as razões fáticas e jurídicas pelas quais decretou a prisão preventiva. Precedentes do TJAM. 3. É impossível conceder a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, vez que a hipótese dos autos - superlotação de delegacias -, não está elencada no rol estabelecido no art. 318, do Código de Processo Penal. 4.Ordem conhecida e denegada.
(TJ-MA - HC: 0470172015 MA 0008448-84.2015.8.10.0000, Relator: JOÃO SANTANA SOUSA, Data de Julgamento: 20/10/2015, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 28/10/2015)
Ementa: HABEAS CORPUS. PECULATO. PRISÃO PREVENTIVA. MANUTENÇÃO. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. DENEGAÇÃO. UNANIMIDADE. - Contém suficiente fundamentação o decreto de prisão que demonstra a existência do crime, os indícios de autoria e a necessidade da medida para a garantia da ordem pública, não havendo como sobrepor a eles as circunstâncias subjetivas que militam em favor da liberdade dos pacientes.
(TJ-MA - HC: 0442902014 MA 0008751-35.2014.8.10.0000, Relator: BENEDITO DE JESUS GUIMARÃES BELO, Data de Julgamento: 13/10/2014, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 22/10/2014)
Ou seja, na esteira desses julgados, percebe-se que, demonstrando-se indícios de autoria e da prática do crime pelo agente, enseja a aplicação da prisão preventiva pela garantia da ordem pública. No explicitado por PACELLI (2014), esses elementos seriam os formadores do fumus delicti, ou seja, da aparência do delito, equivalente ao fumus boni iuris presente em todo processo cautelar:
Observa-se, primeiro, que os requisitos relativos à prova da existência do crime e indício suficiente de autoria constituem o que se poderia chamar de fumus delicti, ou a aparência do delito, equivalente ao fumus boni iuris de todo processo cautelar. A aparência do delito deve estar presente em toda e qualquer prisão provisória (ou cautelar), como verdadeiro pressuposto da decretação da medida acautelatória. (PACELLI, 2014, p. 553)
Ora, como afirma Eugênio Pacelli de Oliveira (2014), o normativo processual penal precisa perpassar o seguinte crivo:
O que ressalta dos aludidos textos é que toda e qualquer restrição a direitos individuais, além da exigência de ordem escrita e fundamentada do juiz, levará em conta a necessidade e a adequação da medida, a serem aferidas a partir da:
a) garantia da aplicação da lei penal;
b) conveniência da investigação ou da instrução criminal. (PACELLI, 2014, p. 503)
E não apenas isso. Segundo PACELLI (2014), há que se demonstrar a necessidade da restrição ao direito e adequação da medida imposta. Proceder à decretação de prisão preventiva baseada apenas em “garantia de ordem pública” sem, no entanto, explicitar o que seja de fato o que faz crer que a tal ordem pública será atacada é o grande desafio.
É necessário que se comprove este risco. As expressões usuais, porém evasivas, sem nenhuma demonstração probatória, de que o indivíduo é um criminoso contumaz, possuidor de uma personalidade voltada para o crime etc., não se prestam, sem verificação, a autorizar o encarceramento. A mera existência de antecedentes criminais também não seria, por si só, um fator de segurança, afinal, de acordo com a jurisprudência da Suprema Corte, o simples fato de já ter sido indiciado ou processado, implica no reconhecimento de maus antecedentes. (TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 1254)
Não se deve, portanto, perpetuar rasos embasamentos, sob pena de se ferir garantia constitucional da liberdade e da presunção da inocência. E mais, é preciso supejar a adequação da medida imposta, levando-se em conta o possível resultado final do processo ao acusado.