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Ordem pública e periculum libertatis na prisão preventiva

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Agenda 13/09/2018 às 18:55

3 PERICULUM LIBERTATIS

Como apontado, para a decretação da prisão preventiva, é requisito essencial a demostração de prova da existência do crime e a materialidade, conhecidos como justa causa: deve haver indícios suficientes de autoria e de participação no delito, consoante artigo 312, CPP. Desse modo, a ocorrência do delito deve ser incontestável, não se aplicando a cautelar se houver dúvidas acerca da existência do crime. Além disso, quanto à autoria, é preciso haver algo que vincule o indivíduo à prática da infração penal.

Os pressupostos da preventiva materializam o fumus commissi delicti para decretação da medida, dando um mínimo de segurança na decretação da cautelar, com a constatação probatória da infração e do infrator (justa causa). Assim, insistimos: a) prova da existência do crime: a materialidade delitiva deve estar devidamente comprovada para que o cerceamento cautelar seja autorizado; b) indícios suficientes da autoria: basta que existam indícios fazendo crer que o agente é o autor da infração penal. Não é necessário haver prova robusta, somente indícios.(TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 1253)

No entanto, somente isso não basta. E os julgados que, muitas vezes, encontramos na jurisprudência, infelizmente, abordam apenas esses dois aspectos para prender o indivíduo preventivamente. Há que se demonstrar efetivo risco caso o indivíduo permaneça livre.

O periculum libertatis, portanto, é o perigo que decorre do estado de liberdade do sujeito ativo do crime, conforme o artigo 312 do CPP, que pode causar risco à ordem pública e econômica, caso seja mantido em liberdade. Coloca-se em questão a conveniência da instrução criminal, para assegurar a aplicação da lei penal. Faz-se, então, um juízo acerca do quanto a liberdade do acusado pode colocar em risco as investigações ou o curso da ação penal.

Obriga-se assim ao magistrado contextualizar a prisão e seu fundamento. Se os maus antecedentes, ou outros elementos probatórios, como testemunhas e documentos, revelam que o indivíduo pauta o seu comportamento na vertente criminosa, permitindo-se concluir que o crime apurado é mais um, dentro da carreira delitiva, é sinal de que o requisito encontra-se atendido. (TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 1254)

Assim, o termo jurídico periculum libertatis indica em que medida a liberdade do acusado oferece perigo às investigações ou à instrução processual penal. Desse modo, o que é determinante para a decretação de uma medida cautelar é a situação de perigo criada pela conduta do imputado, que põe em risco a regular marcha processual. Desse modo, nas palavras de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar

Não basta, para a decretação da preventiva, a comprovação da materialidade e os indícios de autoria. Além da justa causa, simbolizada pela presença obrigatória destes dois elementos, é necessário que se apresente o fator de risco a justificar a efetividade da medida. As hipóteses de decretação da preventiva dão as razões para a deflagração da constrição à liberdade. Se a prisão, quanto ao seu fundamento, deve estar pautada na extrema necessidade, a legislação preocupou-se em preestabelecer quais os fatores que representam o perigo da liberdade do agente (periculum libertatis), justificando a possibilidade do encarceramento. (TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 1253)

Há que se destacar, ainda, que a gravidade do crime, por si só, não é suficiente para fundamentar a prisão preventiva. É preciso, sim, apontar, objetivamente, a necessidade da medida cautelar, de forma clara e precisa, afastando as subjetividades:

Não mais existe hipótese de segregação preventiva obrigatória, onde o criminoso, por imposição legal, desmerecendo-se a aferição da necessidade, responderia a persecução penal preso, em razão da gravidade do delito, quando a pena de reclusão cominada fosse igual ou superior a dez anos (era a antiga previsão do art. 312, CPP). Daí que se, de um lado, a gravidade do crime é vetor interpretativo para se verificar a proporcionalidade da medida cautelar imposta e para se constatar sua adequação, em compasso com o art. 282, II, do CPP (com redação dada pela Lei nº 12.403/2011), não é, de outro, por si só suficiente para fundamentar a prisão preventiva. (TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 1254)

Quanto à técnica do magistrado para imposição objetiva da medida cautelar, sob o crivo da adequada necessidade, bem apontam Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar o necessário equilíbrio das emoções, evidando-se antecipação de pena ao indivíduo:

Cabe ao técnico a frieza necessária no enfrentamento dos fatos, e se a infração impressiona por sua gravidade, é fundamental recorrer-se ao equilíbrio, para que a condução do processo possa desaguar na punição adequada, o que só então permitirá a segregação. Caso contrário, estaríamos antecipando a pena, em verdadeira execução provisória, ferindo de morte a presunção de inocência.(TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 1255)

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Veja, abaixo, o julgado proferido pela 1ª Câmara Regional de Caruaru, Relator Waldemir Tavares de Albuquerque, do Tribunal de Justiça de Pernambuco, acerca da efetiva demonstração de perigo, no qual refuta a fundamentação genérica realizada pelo magistrado que decretou a prisão, haja vista que demonstrou apenas o preenchimento das elementares do tipo penal e não trouxe fato concreto algum que justifique a necessidade da prisão do paciente:

Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. ELEMENTARES DO TIPO PENAL. PERICULUM LIBERTATIS. NÃO COMPROVADO. SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. ORDEM CONCEDIDA. DECISÃO UNÂNIME.

1. Não obstante, a prisão cautelar é medida de exceção e como tal deve ser decretada somente por razões de necessidade e com observância dos requisitos legais, mediante decisão judicial fundamentada (art. 93, inciso IX, da Constituição Federal) e com observância das exigências do art. 312 do Código de Processo Penal.

2. O decreto prisional baseou-se, como visto, em fundamentação genérica, demonstrando apenas o preenchimento das elementares do tipo penal, não trazendo nenhum fato concreto que justifique a necessidade da prisão do paciente.

3. A apreensão da referida droga, por si só, não comprova o periculum libertatis do paciente, que é réu primário, possui endereço fixo, trabalho lícito e tem contribuído para a instrução do presente feito, não havendo indícios concretos de periculosidade a ponto de justificar a imposição de uma medida como a prisão preventiva.

4. Não se justifica impor a prisão cautelar, quando, ao final da instrução, em caso de condenação nos termos da denúncia, há grandes possibilidades de que a requerida venha a cumprir pena em regime semi-aberto, em virtude da presença de circunstâncias atenuantes, como ser réu primário, portador de bons antecedentes e não haver indícios de que se dedique a atividades criminosas.

5. Ordem concedida para substituir a prisão preventiva do paciente pelas medidas cautelares alternativas à prisão previstas no art. 319, I (comparecimento periódico em Juízo, no prazo e condições fixados pelo Juiz), II (proibição de acesso e frequência a bares e estabelecimentos congêneres), IV (proibição de sair da comarca, enquanto durar a instrução processual penal) e V (recolhimento domiciliar no período noturno e dias de folga) do Código de Processo Penal. Decisão Unânime.

(TJ-PE - HC: 4065836 PE , Relator: Waldemir Tavares de Albuquerque, Data de Julgamento: 20/01/2016, 1ª Câmara Regional de Caruaru - 1ª Turma, Data de Publicação: 22/02/2016)

Nesse julgado, o Relator aponta que “a prisão cautelar é medida de exceção e como tal deve ser decretada somente por razões de necessidade e com observância dos requisitos legais”. E vai além, convencendo-se de que a apreensão de droga com o paciente, por si só, não comprova o periculum libertatis – ou seja, para o Desembargador, é preciso demonstrar, efetivamente, os fatos que ensejam a aplicação de medida cautelar extremada como a prisão preventiva. Para o Relator, como o réu é primário, possui endereço fixo, trabalho lícito e tem contribuído para a instrução do presente feito, não há “indícios concretos de periculosidade a ponto de justificar a imposição de uma medida como a prisão preventiva”.

Nessa decisão unânime, fica claro o entendimento daquela Câmara Criminal: “não se justifica impor prisão cautelar, quando, ao final da instrução, em caso de condenação nos termos da denúncia, há grande possibilidade de que o réu cumpra pena em regime semi-aberto”, já que presentes circunstâncias atenuantes, como a primariedade, bons antecedentes e ausência de indícios sobre a dedicação do paciente a atividades criminosas. Assim, o periculum libertatis efetivamente não comprovado em fatos concretos acarreta a concessão do habeas corpus ao paciente.

Portanto, há que se observar os fundamentos legais para a decretação de prisão preventiva, consoante o artigo 312, CPP, para consubstanciar o efetivo perigo que o indivíduo trará, quer seja às investigações, quer seja à fase processual, a fim de que não se volte ao status quo ante à lei 12.403/2011. O novel legislativo busca eliminar as hipóteses de segregação preventiva obrigatória, onde o agente do delito, por imposição legal anterior, apartado da adequada necessidade, era preso em razão, apenas, da gravidade do delito, quando a possível pena a lhe ser aplicada fosse igual ou superior a dez anos. Hoje, por si só, a gravidade do delito não mais significa imposição cautelar obrigatória.


4 CONCLUSÃO

Pode-se concluir que a forma de aplicação das normas penais admite toques de subjetividade daquele que promove o julgamento.

Havendo indícios de autoria e da prática delitiva pelo agente, enseja a aplicação da prisão preventiva pela garantia da ordem pública, que é um conceito bastante vago e passível de interpretações diversas. Porém, na atualidade, a gravidade do delito não mais significa imposição cautelar obrigatória.

Assim, deve-se ter em mente que, apesar da subjetividade em torno da decisão mais adequada ao caso concreto, a legislação também dispoe de mecanismos para coibir abusos, haja vista que as garantias constitucionais podem e devem ser invocadas em socorro àqueles que estejam cerceados de liberdade antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Cabe a cada um dos atores sociais promover o fortalecimento da justiça para o bem de todos, primando pela efetiva aplicação das normas penais, a fim de fortalecer e consolidar seus avanços.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em 30 mai 2017.

BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em 30 mai 2017.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em 30 mai 2017.

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Garantia da ordem pública como fundamento para a prisão preventiva. Artigo Juridico: Jusbrasil. 2012. Disponível em <https://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/121937452/garantia-da-ordem-publica-como-fundamento-para-a-prisao-preventiva> Acesso em 30 mai 2017.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 18ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2014, p. 556.

SANTOS, Whashington dos. Dicionário Jurídico Brasileiro. Belo Horizonte: Dey Rey, 2001.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 12ª. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2017.


Notas

2 GARCIA, Basileu. Comentários ao Código de Processo Penal.Vol. III. Rio de Janeiro: Forense, 1945. p. 169 apud CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Garantia da ordem pública como fundamento para a prisão preventiva. Artigo Juridico: Jusbrasil. 2012.

3 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. v.III. p. 510., apud TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 12ª. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2017.

Sobre a autora
Jessiane Carla Siqueira Moreira

Servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região - Sede Administrativa. Assistente na Assessoria de Ordenação de Despesas da Diretoria-Geral. Ordenadora de Despesas Substituta. Graduação em Direito. Graduação em Design Gráfico. Especialista em Direito do Trabalho. Pós-Graduação em Gestão Pública. MBA em Finanças Públicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Jessiane Carla Siqueira. Ordem pública e periculum libertatis na prisão preventiva . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5552, 13 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68524. Acesso em: 18 mai. 2024.

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