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O princípio da proporcionalidade no direito penal constitucional

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Agenda 03/09/2018 às 09:19

4 DIMENSÃO DA NECESSIDADE E DO BEM JURÍDICO PENAL

O Princípio da Proporcionalidade impõe na dimensão da necessidade a ultima ratio do Direito Penal que só deve intervir quando os outros ramos do direito se revelem inadequados ou insuficientes.

Tal característica de ultima ratio do Direito Penal se traduz no Princípio da Intervenção Mínima que, nada mais é a concretização do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana que não pode permitir a criminalização arbitrária de condutas com a imposição de consequências extremamente gravosas aos indivíduos. Nesse sentido, veja um excerto da obra do jurista Barro (2012, cap. 4.1, n.p):

A intervenção mínima é decorrente do princípio constitucional expresso da dignidade humana (CF, art. 1º, III) e da determinação impositiva do art. 3º, IV, da Constituição Federal, concernente à efetivação do bem de todos por meio da obrigatória ação dos Poderes Públicos. Em um Estado Democrático de Direito que tem como alicerce a Dignidade Humana e objetivo o bem de todos, não se podem permitir a criminalização de comportamentos arbitrariamente, ao livre talante de quem quer que seja, ainda que em nome de uma suposta maioria e de supostos interesses emergenciais. Ademais, por imperativo da proporcionalidade, a vida e a liberdade, direitos fundamentais expressamente garantidos pelo art. 5º, caput, da Constituição Federal, somente podem ser privados ou restritos se estritamente necessário para a tutela de direitos de fundamental importância.  (BARRO, 2012, cap. 4.1, n.p)

Nesse contexto a definição de bem jurídico penal deve obediência ao Princípio da Proporcionalidade, razão pela qual imprescindível o estudo da tutela subsidiária de bens jurídicos.

Na tutela subsidiária de bens jurídicos o direito penal somente estará legitimado a intervir quando seja necessário para assegurar a proteção de bens jurídicos indispensáveis a manutenção e desenvolvimento da sociedade, porém a definição de bens jurídicos é fruto de uma imposição, assim se faz imprescindível, como forma de evitar o arbítrio da intervenção penal, que a pena seja socialmente adequada, ou seja, a pena tem de se mostrar apta a alcançar fins sociais maiores. Segundo o jurista Gomes (2014):

Toda intervenção penal (na medida que implica uma restrição a um direito fundamental, destacando-se o direito à liberdade de locomoção) só se justifica se: (a) necessária, isto é, toda medida restritiva de direito deve ser a menos onerosa possível (a intervenção penal é a última das medidas possíveis; logo, deve ter a “menor ingerência possível”, a pena de prisão, do mesmo modo, só pode ter incidência se absolutamente necessária; sempre que possível deve ser substituída por outra sanção); (b) adequada ou idônea ao fim que se propõe (o meio tem de ter aptidão para alcançar o fim almejado); e (c) desde que haja proporcionalidade e equilíbrio entre a gravidade da infração e a natureza e intensidade da medida ou da pena cominada e aplicada. (GOMES, 2014, n.p, grifo nosso)

Assim, para a aplicação do Princípio da Proporcionalidade em matéria penal ganha relevância, notadamente, o estudo acerca da definição do bem jurídico penal que é a base da estrutura e interpretação dos tipos penais indispensáveis, portanto, a qualquer estudo dos tipos penais. Veja a lição do jurista Jescheck (1993) a respeito da importância da definição de bem jurídico:

O conceito de bem jurídico exerce funções distintas em Direito Penal: a) o bem jurídico deve ser o conceito central do tipo, em torno do qual devem girar todos os elementos objetivos e subjetivos e, portanto, constitui importante instrumento de interpretação. Por isso responde-se sempre negativamente sobre a existência de tipos penais desprovidos de bens jurídicos; b) o bem jurídico, como pedra angular da estrutura dos tipos penais, permite as condições necessárias para a classificação e formação dos diversos grupos de tipos penais. Toda a parte especial está estruturada e organizada mais ou menos em torno de espécies diferentes de bens jurídicos protegidos, permitindo a classificação e hierarquização dos valores protegidos, formação de capítulos, títulos etc.; c) o bem jurídico definido tem influência decisiva nas configurações de legítima defesa, estado de necessidade, configuração do crime continuado etc (JESCHECK, 1993, p. 351).

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 O estudo sociológico e constitucionalmente orientado evidencia que a definição de bem jurídico não é, e nem pode ser uma conceituação abstrata, universal e que se identifique simplesmente com a ratio legis, mas uma conceituação com um sentido social próprio, de modo que se entenda o bem jurídico como um fato social, que está em constante mutação com a mudança de valores da sociedade. Veja a definição do jurista Bitencourt (2012) que se segue:

[...] O bem jurídico, no entanto não pode identificar-se simplesmente com a ratio legis, mas deve possuir um sentido social próprio, anterior a norma penal e em si mesmo decidido, caso contrário não seria capaz de servir a sua função sistemática, de parâmetro e limite de preceito penal e de contrapartida das causas de justificação na hipótese de conflito de valorações. (BITENCOURT, 2012, p. 340)

Em um primeiro momento, bem jurídico pode ser definido segundo Castro (1983) como: o conjunto de valores e interesses, de uma dada sociedade, em um determinado espaço e tempo, que são impostos pelos detentores do poder como indispensáveis a manutenção e desenvolvimento da sociedade, não sendo, portanto, o delito uma realidade ontológica. Veja a lição de Castro (1983):

Quando falarmos nos mecanismos de criação das normas penais, veremos que não há uma natureza própria do delitivo, mas que o delitivo é imposto de cima pela pessoa ou grupo que tem mais poder; que isso depende da posição de poder, e que esta posição de poder determinará que os interesses, as crenças e a cultura dos que usufruem essa posição de predomínio definam o que é delitivo em uma sociedade. Não podemos dizer que o homicídio ou o furto são delitivos por natureza. São delitivos, porque em um determinado momento da história de um país, aqueles que detinham o poder suficiente para assegurar, com os instrumentos legais, os seus interesses e crenças, consideraram que era útil castigá-los. A prova disso é que há dentro da coletividade uma série de valores fortemente desaprovados, que excedem o limite de tolerância da comunidade e que, no entanto, nunca chegam a fazer parte da conduta legalmente reprimida, ou seja, que é apenas conduta desviada, não conduta delitiva. Não é conduta delitiva porque não houve alguém que tivesse, por sua vez, poder e interesse suficientes para implantá-la como conduta delitiva (CASTRO, 1983, p. 15, grifo nosso).

No Brasil a imposição unilateral dos bens jurídicos pelos detentores do poder se revela latente, haja vista que as minorias não encontram no Poder Legislativo respostas aos seus pleitos.

O Poder Legislativo a quem incumbiria debater e discutir com ampla participação popular, devido a sua própria composição, simplesmente não decide acerca de temas sensíveis como aborto, descriminalização do uso de drogas entre outros temas.

No contexto atual de omissão do Poder Legislativo ganha protagonismo a figura do “Poder Judiciário” que incumbe exercer a função contra majoritária, defendendo os direitos das minorias frente as maiorias eventuais na seara penal. Nesse sentido, veja a lição de Netto (2003):

[...] o constitucionalismo só é efetivamente constitucional se institucionaliza a democracia, o pluralismo, a cidadania de todos, se não o fizer é despotismo, autoritarismo; bem como a democracia só e democracia se impõe limites constitucionais à vontade popular, à vontade da maioria, se assim, não for estaremos diante de uma ditadura, do despotismo do autoritarismo. (CARVALHO NETTO, 2003, p. 282)

A dita ação ou omissão deliberada do Poder Legislativo é um mecanismo de seletividade do Sistema Penal definindo quais os conjuntos de valores e interesses são merecedores de tutela penal e quais grupos são destinatários da reprimenda penal.

Nesse sentido, um dos problemas criminais que compromete a própria legitimidade do Direito Penal é a seletividade do sistema penal. Veja o ensinamento Zaffaroni (2003):

[…] a muito limitada capacidade operativa das agências de criminalização secundária não têm outro recurso senão proceder sempre de modo seletivo. Desta maneira, elas estão incumbidas de decidir quem são as pessoas criminalizadas e, ao mesmo tempo, as vítimas protegidas. (ZAFFARONI, 2003, p. 44, grifo nosso) 

Desse modo, o processo de criminalização das condutas no Brasil é seletivo e estigmatizante, ou seja, há uma seleção das condutas praticadas por determinados grupos sociais que devem ser apenadas e também a seleção do grupo de vítimas. Nesse sentido Batista (2007):

 “[...] assim, o sistema penal é apresentado como igualitário, atingindo igualmente as pessoas em função de suas condutas [...] O Sistema penal é também apresentado como justo, na medida em que buscaria prevenir o delito, restringindo sua intervenção aos limites da necessidade [...] quando de fato seu desempenho é repressivo, seja pela frustração de suas linhas preventivas, seja pela incapacidade de regular a intensidade das respostas penais, legais ou ilegais. Por fim, o sistema penal se apresenta comprometido com a proteção da dignidade humana [...] quando na verdade é estigmatizante, promovendo uma degradação na figura social de sua clientela. [...]” (BATISTA, 2007, p. 25). 

Assim, verifica-se que muitas condutas são consideradas típicas em razão da imposição dos detentores do poder, de seus interesses, sendo que restaram legitimadas por um processo legislativo que impôs tais ações como merecedoras de tutela penal.

Ocorre que, embora tais condutas possam ser formalmente típicas devido a imposição por um grupo de pessoas em detrimento de minorias étnicas, sociais ou sexuais, não raras vezes, as punições se revelam arbitrárias, inadequadas ou desproporcionais para os fins pretendidos, necessitando que o “Poder Judiciário” afaste a tipicidade material das referidas condutas. Veja um excerto da obra de Baratta (1994):

  O cuidado que se deve ter hoje em dia em relação ao sistema de justiça criminal do Estado de direito é ser coerente com seus próprios princípios “garantistas”: princípios de limitação da intervenção penal, de igualdade, de respeito ao direito das vítimas, dos imputados e dos condenados (BARATTA, 1994, p. 23).

Assim, ante o inevitável aspecto volitivo na definição de bens jurídicos penais que, como visto, é fruto de uma imposição dos detentores do poder e o caráter seletivo do sistema penal, o princípio da proporcionalidade, na dimensão da necessidade, realiza uma importante função como parâmetro hermenêutico constitucional para o intérprete, possibilitando afastar a tipicidade material daquelas condutas cujas sanções penais se revelem desnecessárias ou arbitrárias e corrigindo as inevitáveis vicissitudes do Sistema Penal.

Todavia, o Princípio da Proporcionalidade é composto por três dimensões que se inter-relacionam e que foram divididas para fins didáticos, razão pela qual no tópico seguinte será abordada a correlação da dimensão da adequação com as teorias dos fins da pena.

Sobre o autor
Sanges Morais

Advogado militante; Graduado em Direito pela PUC MINAS; Pós-graduando em Direito Penal pela Faculdade Internacional Signorelli; Pós-graduando em Direito Processual pela PUC MINAS; Destaque Acadêmico PUC MINAS curso de Direito 2º semestre 2012; Destaque Acadêmico PUC MINAS curso de Direito 1º semestre 2013; Destaque Acadêmico PUC MINAS curso de Direito 1º semestre 2014; Destaque Acadêmico PUC MINAS curso de Direito 2º semestre 2014; Estagiário na Turma Recursal dos Juizados Especial Federal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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