9. A SUSCONSIND
De lege ferenda, com base na doutrina apresentada, sugere-se a implantação de um instituto que possa atender aos interesses da Administração Pública e, ao mesmo tempo, não prejudicar os servidores acusados de faltas leves.
A pertinência desse instituto, contudo, implica num perfunctório exame da real situação vivenciada atualmente pelo Direito Administrativo Disciplinar no Estado de São Paulo.
Nesse terreno é inegável que na última década a Administração Pública evoluiu sensivelmente.
Das antigas Comissões Processantes Permanentes às atuais Unidades Disciplinares, verifica-se um progresso significativo, cujo primeiro passo foi a criação da Coordenadoria de Procedimentos Disciplinares.[69]
Na sequência, com a promulgação da Lei Complementar 1.183/12, foi criada a Procuradoria de Procedimentos Disciplinares - PPD.
Como é consabido, a Procuradoria de Procedimentos Disciplinares tem como atribuição legal realizar procedimentos disciplinares punitivos, não regulados por lei especial, em face de servidores da administração direta e autárquica.
Esse universo abrange aproximadamente 400.000 (quatrocentos mil) servidores públicos e empregados da administração indireta e autarquias.[70]
Para atender à demanda, a Procuradoria de Procedimentos Disciplinares dispõe de 12 (doze) Unidades Disciplinares, cada uma delas composta por um Procurador do Estado Presidente e, em regra, dois assistentes.
Evidencia-se, por certo, uma excessiva carga de trabalho que, por consequência, tem reflexos na duração dos procedimentos disciplinares.
O modelo legislativo atual, como restou demonstrado, não mais atende aos fins que se propõe, impondo-se a necessidade de se encontrar novos caminhos para assegurar o indene desenvolvimento do serviço público.
Adotando-se uma postura eminentemente racional, atualmente não há como sustentar um sistema calcado exclusivamente na aplicação sistemática de sanções. O significativo grau de litigiosidade que se tem verificado no transcurso dos procedimentos disciplinares, em contraste com a aludida solução pacífica de conflitos apregoada no preâmbulo da Constituição Federal ensejam detida reflexão.
Adverte Fábio Medina Ozório, ao se referir ao Direito Administrativo Sancionador, que não tem havido uma teorização adequada, embora seja usual, comum e rotineira a utilização desse ramo jurídico como forma de coibir comportamentos danosos. Aliás, essa lacuna, ainda segundo o autor, vem gerando prejuízos de toda espécie e contribui para a desmoralização dos chamados sistemas de controle interno.
A rigor, nas hipóteses de faltas leves, exige-se uma resposta que atenda não só aos interesses da Administração Pública, como também, aos anseios de seus servidores (algo similar ao mutualismo), sobretudo porque, a se manter uma relação de amensalismo, os nobres fins almejados restarão comprometidos.[71]
Daí a necessidade imediata de se discutir acerca da implantação da SUSCONSIND.
10. DA ALTERAÇÃO LEGISLATIVA
Como restou consignado, a implantação da SUSCONSIND depende de alteração legislativa, a qual deverá estabelecer os parâmetros para sua implantação no Direito Administrativo Disciplinar no âmbito do Estado de São Paulo.
Nunca é demais lembrar que, conforme enfatiza Antonio Carlos Alencar Carvalho, tanto a União quanto os Estados e os Municípios possuem poder legiferante para instituir o regime jurídico que entenda mais adequado ao seu próprio funcionalismo.
De fato, em consonância com o escólio de Hely Lopes Meirelles, as normas estatutárias federais não se aplicam aos servidores estaduais e municipais, nem as do Estado-membro se estendem aos seus respectivos Municípios.
Nem por isso as legislações de outros Estados e Municípios deixariam de servir de parâmetro, máximo quando traduzem um movimento que busca alcançar maior eficiência e celeridade para os procedimentos disciplinares.
Não se tem, contudo, a veleidade de apontar todos os requisitos a serem observados na constituição da SUSCONSID. Todavia, alguns pontos merecem perfunctória apreciação; são eles:
a. Âmbito de aplicação
Como se pode observar, as legislações que adotam medidas de caráter consensual, em regra, aplicam termos de ajustamento de condutas a faltas punidas com repreensão e suspensão.
No Estado do Mato Grosso, o Termo de Compromisso de Ajuste de Condutas é aplicável a faltas punidas com repreensão e suspensão até quinze dias.
No Estado de Minas Gerais, o Termo de Ajustamento Disciplinar é cabível nos casos de faltas punidas com repreensão e com suspensão.
No Estado de Santa Catarina, são abrangidas pelo Termo de Ajustamento de Condutas, faltas disciplinares passíveis de repreensão verbal ou escrita, advertência ou suspensão até quinze dias.
No Estado de Tocantins, o Termo de Ajuste de Conduta será proposto ao servidor, respeitado os requisitos legais, quando a infração administrativa disciplinar, no seu conjunto, apontar ausência de efetiva lesividade ao erário, ao serviço ou a princípios que regem a Administração Pública.
No Município de Belo Horizonte, a Suspensão Condicional do Processo Administrativo Disciplinar - SUSPAD, embora mais abrangente, impõe uma série de restrições.
No Estado de São Paulo, a suspensão prevista na Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado destina-se apenas a faltas punidas com repreensão.
Nada impede, contudo, que em caráter excepcional, respeitados critérios de razoabilidade devidamente motivados, a proposta inclua faltas punidas com suspensão.
Destaque-se que, a exemplo das demais legislações retratadas, a aceitação da SUSCONSIND não consistiria em assunção de culpa e a única consequência para o servidor seria a impossibilidade da celebração de novo acordo num prazo a ser estipulado (por exemplo, nos três anos subsequentes à extinção da punibilidade).
b. Requisitos
A exemplo de outras legislações, o servidor não poderá ter agido com má-fé ou dolosamente e deverá ter um histórico funcional sem condenações anteriores.
Ademais, não poderá realizar a SUSCONSIND, caso dela tenha se utilizado nos últimos três anos.
c. Autoridade competente para a proposta
No Estado de São Paulo, a exemplo do Rio Grande do Sul, a condução dos procedimentos disciplinares compete à Procuradoria Geral do Estado.
Essa opção, que garante maior imparcialidade, autonomia e independência na condução de tais procedimentos, dado seu caráter eminentemente jurídico, sugere que institutos como a SUSPAD venham a ser propostos pela Procuradoria de Procedimentos Disciplinares.
A adoção desse formato se mostrará extremamente relevante, especialmente no caso de faltas punidas com suspensão, porquanto caberá ao Procurador do Estado Presidente da Unidade Disciplinar, avaliar critérios de merecimento (v.g. montante do prejuízo causado, grau de culpa, razoabilidade da medida, danos para a imagem da Administração, prejuízo para o desenvolvimento do serviço público).
d. Prazo de suspensão – período de prova
O estabelecimento de prazos é procedimento de relevância ímpar, visto que durante o período de suspensão da sindicância, o servidor estará sujeito ao comprimento de uma série de condições.
Para faltas punidas com repreensão, a princípio, se mostra razoável algo em torno de um a dois anos.
No caso de faltas punidas com suspensão, dado o caráter excepcional da medida, tais prazos deverão ser mais dilatados.
e. Condições
É na definição das condições a serem impostas que reside o maior benefício para a Administração Pública.
A reparação do dano, a assiduidade e a frequência regular são condições objetivas, que podem/devem ser acompanhadas pela chefia imediata do servidor e repassadas bimestralmente para a Procuradoria de Procedimentos Disciplinares.
Impende observar que, em decorrência do perfil dos servidores beneficiados pela SUSCONSIND, na maior parte dos casos, as condições acordadas com a Administração Pública não trarão significativas mudanças comportamentais.
f. Outras condições
Em razão dos inúmeros precedentes que apontam o envolvimento de servidores públicos com álcool e outras drogas, seria extremamente salutar, a exemplo do disposto no art. 45, § 2º, do Código Penal, a previsão de aplicação de outras condições (v.g. frequência em grupos de alcoólicos anônimos).
g. Extinção da punibilidade
Ao término do prazo de suspensão, não havendo qualquer intercorrência, haveria a extinção da punibilidade.
11. CONCLUSÃO
Ao vivenciar o cotidiano da Procuradoria de Procedimentos Disciplinares, com seus milhares de dramas envolvendo uma relação conflituosa entre a Administração Pública e seus servidores, relação esta que, a princípio, deveria ser harmoniosa, emerge uma sensação de impotência e indignação.
Numa lição originalmente direcionada ao Direito Penal, mas que tem plena aplicação ao Direito Administrativo Disciplinar, a História já sedimentou o entendimento de que quanto mais rápida for a pena e mais próxima do crime cometido, tanto mais será ela justa e tanto mais útil.[72]
Independentemente do desfecho absolutório ou condenatório, é fato que a decisão dos procedimentos disciplinares deve ser apresentada dentro de um prazo razoável; tarefa hercúlea, máxime em decorrência da sensível carência de recursos humanos (em flagrante contraste com uma demanda que só se agiganta).
Não se pode em momento algum olvidar que a Constituição Federal, em seu artigo 5º. inciso LXXVIII, a despeito de assegurar a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo, condiciona tal disposição à disponibilidade de meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Nesse cenário, a exemplo do novo Código de Processo, as vias conciliatórias, sempre que possível, devem ser incentivadas.
Aliás, a busca incessante por alternativas que se mostrem viáveis e que diminuam a morosidade no trâmite dos procedimentos disciplinares, encontra expressa prevista no art. 1º., da Lei Complementar 1.183/12, ao dispor que compete à Procuradoria de Procedimentos Disciplinares o estudo, a elaboração e a proposição de medidas para o aprimoramento da celeridade, da eficácia e da segurança dos procedimentos disciplinares.
A SUSCONSIND, num terreno que diminui a litigiosidade tão frequente nesses procedimentos é medida que vai ao encontro desses objetivos.
Trata-se, na realidade, de um benefício que se estende tanto ao servidor quanto à Administração Pública.
Interessa ao servidor, porquanto, sem qualquer assunção de culpa ou perda em seus vencimentos, poderá manter seu equilíbrio e continuar a prestar um serviço de qualidade.
Interessa à Administração, na medida em que, vinculado às condições assumidas no acordo efetivado, esse servidor empreenderá todos os esforços para se fazer merecedor da confiança nele depositada.
O quadro atual, dentro dos recursos disponíveis, exige a adoção de meios alternativos, numa concepção que, sem abrir mão do poder disciplinar, nos termos do magistério de Norberto Bobbio, impõe ao Estado uma postura muito mais propensa a exercer uma função de mediador e de garante, mais do que a de detentor do poder de império. [73]
Ao término dessas despretensiosas idéias submetidas à apreciação e reflexão por parte daqueles que se dedicam ao Direito Administrativo Disciplinar, fica a lição de Mário Sérgio Cortella; [74] in verbis:
“Se você não tem medo do ‘mesmo’, é melhor começar a ter. Você, gestor de pessoas, negócios e processos, tenha muito medo do mesmo. Mais do mesmo o tempo todo. Tem gente que não consegue avançar em direção ao futuro e acaba ficando com um grande passado pela frente...”