Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A Lei n. 12.015/09 e a incoerência da ação penal nos crimes contra a dignidade sexual

Exibindo página 3 de 3
Agenda 17/04/2019 às 14:10

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto e da problemática ora apresentada, viu-se que a Lei nº 12.015/09 trouxe grandes mudanças no que tange os crimes sexuais, sendo grandes progressos, sob determinados pontos de vista. No entanto, foi observado que entre outros aspectos a lei se mostrou obscura, principalmente no que concerne a modificação feita na ação penal cabível aos crimes de estupro qualificado, que passou a se proceder mediante ação pública condicionada a representação.

Ocorre que, como visto, com tal modificação criou-se a problemática jurídica no sentido de quem representaria a vítima no caso de estupro qualificado por morte, nos casos em que a mesma não tivesse familiares, bem como, foi observada a dificuldade de representação no caso de estupro qualificado pela lesão corporal grave praticado pelo (a) cônjuge ou companheiro (a).

Foi constatando tais problemas jurídicos expostos, que o Procurador Geral da República ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4301, com o requerimento da inconstitucionalidade parcial do caput do artigo 225 do Código Penal, que versa também, qual ação penal cabível aos crimes de estupro qualificado por morte ou lesão corporal grave, vez que, tal modificação realizada pela Lei nº 12.015/09, ocasiona uma violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e o princípio da proibição da proteção deficiente, vertente do princípio da proporcionalidade.

Notou-se ainda, a discussão doutrinária a respeito da validade ou não da súmula 608 do STF, visto que uma vez previsto expressamente qual ação penal cabível ao crime de estupro qualificado, não haveria mais necessidade de permanecer válida.

É válido frisar, a problemática abordada no que tange a possibilidade de retroatividade da em estudo, tendo em vista ser esta mais benéfica ao agente delituoso que praticou o crime de estupro qualificado anteriormente a sua vigência, vez que, quando se passou a depender da representação da vítima para condição de procedibilidade do processo, os processos em curso anteriores a Lei 12.015/09, dependeriam da representação para sua validade.

É evidente que o delito de estupro, especialmente quando praticado em suas modalidades qualificadas, afeta não só a vítima e a sua família, mas toda a sociedade, devido ao seu alto grau de agressividade ao bem jurídico tutelado. Dessa maneira, não é viável deixar nas mãos do cidadão a escolha de ser conveniente ou não punir quem violar a lei. Por isso, é indispensável e urgente a aplicação de punição a um criminoso capaz de levar a vítima à morte após violar sua dignidade sexual.

 Seria uma ofensa ao princípio do retrocesso social deixar de punir o agente delituoso nos casos de estupro qualificado, por morte da vítima, nos casos em que esta não tiver deixado representante legal para representá-la. Isso porque, como visto no decorrer do artigo, o crime de homicídio por si só, se procede através de ação penal pública incondicionada, desse modo, é incongruente que o criminoso não seja punido por falta de representação da vítima ou de seu representante legal.

Conclui-se, portanto, diante da problemática jurídica apresentada, mais sensato é o entendimento de que, se em decorrência do estupro a vítima venha à óbito ou a ficar lesionada gravemente, a ação penal cabível deverá ser a ação penal pública incondicionada, sendo a persecução penal iniciada exclusivamente pelo Ministério Público, independentemente de iniciativa da vítima ou de seu representante legal, preservando dessa forma a dignidade da pessoa humana, bem como evitando a impunidade do agente delituoso.


REFERÊNCIAS

BRASIL, Decreto-Lei nº 2.848. Código Penal, de 7 de dezembro de 1940.

________. Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009.

________. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 608, de 17 de outubro de 1984.

________. Supremo Tribunal Federal. Habeas-corpus nº 81360, Primeira Turma, Ellen Gracie, Rio de Janeiro, RJ, 19 de dezembro de 2001.

________. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 970127, Laurita Vaz, Quinta Turma, Rio de Janeiro, RJ, 7 de abril de 2011.

________. Superior Tribunal de Justiça, Habeas-corpus nº 104724, MS 2008/0085502-3/, 5ª Turma, relator Ministro JORGE MUSSI, 22 de junho de 2010.

________. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Embargos Infringentes e de Nulidade nº 70061469078, Isabel de Borba Lucas, Quarto Grupo de Câmaras Criminais, Rio Grande do Sul, RS, 27 de março de 2015.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

________. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 4301. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=3758530>. Acesso em 14 de outubro de 2017.

________. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988.

CAPEZ, Fernando. Curso de direto penal: parte especial: dos crimes contra os costumes e dos crimes contra a administração pública. 2ª ed. ,São Paulo, Saraiva, 2005.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Sociologia Jurídica; 11ª edição, 2ª tiragem; editora Forense – Rio de Janeiro, 2005, p.61.

GOMES, Luiz Flávio (coord.); MOLINA, Antonio García-Pablos de; BIANCHINI, Alice. Direito Penal – introdução e princípios fundamentais. v.1. São Paulo: RT, 2007. pp. 222-223.

MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado, vol. 3: parte especial, 2ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2012.

MARCÃO, Renato; GENTIL, Plínio. Crimes contra a dignidade sexual: comentários ao Título VI do código penal. São Paulo: Saraiva, 2011

NICOLITT, André Luiz. Manual de Processo Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 8. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

______, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual: comentários à lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: RT, 2009.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos, O Princípio da dignidade da pessoa humana e a Constituição de 1988, Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 17ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

STRECK, Lênio Luiz. A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso (Übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. Revista da Ajuris, Ano XXXII, p.180.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 88.

SANTOS, Nivaldo dos. O tratamento constitucional da tortura e a violação da dignidade da pessoa humana. Revista da Faculdade de Direito UFG. 2008. p. 78. Disponível em:http://revistas.ufg.emnuvens.com.br/revfd/article/view/12140/8052 Acesso em: mar. 2016.

TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal/ Nestor Távora, Rosmar Rodrigues Alencar, 12ª ed. ver. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm,2017.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 15. ed. São Paulo:Saraiva, 2012.

Sobre a autora
Maria Clara de Lima Gomes

Graduada em Direito pelo Centro Universitário Tabosa de Almeida- Asces/Unita; Advogada, aprovada no XXV Exame da Ordem; Estagiária da Defensoria Pública do Estado de Pernambuco por 03 anos; Pós graduada em Direito Penal e Processo Penal Prático Contemporâneo pela Universidade de Santa Cruz do Sul. Assessora de Magistrado no Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Maria Clara Lima. A Lei n. 12.015/09 e a incoerência da ação penal nos crimes contra a dignidade sexual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5768, 17 abr. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69619. Acesso em: 23 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!