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Voto impresso, vale ou não vale?

A Lei 13.165/2015 incluiu, dentre outras previsões, a determinação para o que voto fosse impresso como forma de garantir a lisura do pleito. No entanto, questiona-se se a previsão é ou não constitucional, notadamente diante da recente decisão do STF.

No ano de 2015, a Lei 13.165 promoveu verdadeira reforma eleitoral ao reestruturar o sistema, revogando artigos e prevendo disposições até então não existentes no Código Eleitoral, na Lei das Eleições (Lei 9.504/97) e, também, na Lei de Partidos Políticos (Lei 9606/95), dentre as quais se destaca a determinação para que o voto fosse impresso como forma de garantir a lisura do pleito.

Com efeito, estabelecia o art. 59-A da Lei 13.165/2015 que “no processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado. Parágrafo único: o processo de votação não será concluído até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica”.

Assim, a urna imprimiria o registro de cada voto e o comprovante seria depositado de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado e destinado a tal finalidade.

O projeto de lei, de iniciativa do deputado federal Jair Bolsonaro, foi aprovado e a inovação já seria implantada nas eleições deste ano de 2018.

Ocorre que o Tribunal Superior Eleitoral manifestou-se contrariamente à adoção do voto impresso, por entender que a previsão constitui, em verdade, um retrocesso que põe em risco o segredo do voto, mormente porque haveria, de um modo ou de outro, a comprovação cabal de que o eleitor votou em tal ou qual candidato. No documento consta que o voto impresso consubstancia “inegável retrocesso no processo de apuração das eleições, capaz de restabelecer episódios que contaminaram as eleições brasileiras até a introdução da urna eletrônica", que "traduz potencial violação ao princípio da eficiência da Administração”.

Além das críticas relacionadas ao próprio sigilo das votações, o Tribunal Superior Eleitoral destacou que a mudança implicaria altíssimo custo ao erário1, tendo em vista a necessidade de trocar todo o acervo de urnas da Justiça Eleitoral, bem como alargamento do tempo de votação e apuração dos votos.

Não é a primeira vez que se pretende a implantação do voto impresso em nosso sistema eleitoral. De fato, o Supremo Tribunal Federal já apreciou a matéria por ocasião de ação de direita de inconstitucionalidade também proposta pela Procuradoria-Geral da República contra o art. 5º da Lei 12.034/2009, que restabelecia o voto impresso ainda para as eleições de 2014. Naquela oportunidade, o voto impresso indicaria o número de identificação associado à assinatura digital do eleitor.

O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, julgou procedente a ADI, decidindo pela inconstitucionalidade do art. 5º da Lei 12.034/2009. À época a Suprema Corte entendeu que “a versão impressa viola a garantia constitucional do segredo do voto, já que seria possível identificar o eleitor. Afirmou-se que a garantia da inviolabilidade do voto impõe a impessoalidade como forma de assegurar a liberdade de manifestação e evitar qualquer tipo de coação sobre o eleitor. Acrescentou-se que a manutenção da urna em aberto não se harmoniza com as normas constitucionais de garantia do eleitor, pois coloca em risco a segurança do sistema eleitoral, ao possibilitar fraudes” 2 .

A Suprema Corte, na oportunidade, pontuou o princípio da proibição do retrocesso e o sistema da democracia representativa para fundamentar a inconstitucionalidade da previsão. Asseverou-se, também, que o sistema de votação impressa violaria a garantia do voto secreto, eis que possibilitaria fraudes diante da possibilidade de cópias, trocas e inserções de votos. Salientou, ademais, que o sistema prejudicaria a apuração e a auditoria, mormente pela dificuldade em recontar os votos impressos, sem contar os altos custos com sua implementação, o que violaria os princípios da economicidade e eficiência administrativa.

Com a previsão inserta no art. 59-A da Lei 13.165/2015, a discussão retornou à Suprema Corte, também por iniciativa da Procuradoria-Geral da República, que propôs ação direta de inconstitucionalidade requerendo, cautelarmente, a suspensão da implementação da medida nas eleições 2018. Na oportunidade, a Procuradora-Geral, Raquel Dodge, ressaltou que a previsão “desrespeita o sigilo de voto ao determinar a sua impressão. A norma não explicita quais dados estarão contidos na versão impressa do voto, o que abre demasiadas perspectivas de risco quanto à identificação pessoal do eleitor, com prejuízo à inviolabilidade do voto secreto”.

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Dentre outros argumentos, a Procuradoria-Geral ressaltou que o voto impresso representa grave violação ao sigilo das votações, especialmente porque no caso de eventuais falhas durante a impressão, o acesso de técnicos ou mesários à cabina de votação viabilizará a consulta do voto registrado pelo eleitor. Além disso, os analfabetos e os deficientes visuais não teriam qualquer ganho com a impressão do voto, eis que não poderiam conferir a impressão, reclamando, no mais das vezes, ajuda de terceiros, o que também viola o sigilo.

No dia 06 de junho deste ano, o Supremo Tribunal, por 8 votos a 2, decidiu suspender cautelarmente a implantação do sistema de voto impresso nas eleições 2018, atendendo ao pedido liminar feito no bojo da ADI n.º 5889, proposta pela Procuradoria-Geral da República.

Na oportunidade, os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Cármen Lúcia, votaram contra o sistema de voto impresso, por entenderem que a medida põe em risco a lisura das votações.

O relator da ADI, ministro Gilmar Mendes, entendeu que a previsão não é inconstitucional, mas deve ser implementada de forma paulatina e gradual, de acordo com as possibilidades financeiras do TSE. Seu posicionamento, vencido parcialmente, foi acompanhado pelo ministro Dias Toffoli.

O ministro Luiz Fux, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, se declarou suspeito e não votou.

A medida cautelar para suspender a implantação do voto impresso vale até o STF julgar o mérito da ação. Não há previsão de quando isso vai ocorrer.

Apesar da decisão do Supremo Tribunal Federal, há bons argumentos no sentido da constitucionalidade e conveniência do voto impresso.

A Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais defendeu o voto impresso para complementar o sistema eletrônico, pois apesar dos inegáveis avanços proporcionados pela implementação da urna eletrônica, que trouxe rapidez e eficiência na contagem dos votos, qualquer sistema computacional tem vulnerabilidades3.

A urna eletrônica é uma realidade recente, inserida no processo eleitoral a partir de 1996. Antes disso, os votos eram manuais e os resultados das eleições nunca foram invalidados com fundamento na quebra da garantia do sigilo do voto. Cotejando o voto manual (antes de 1996) e o voto impresso, não há dúvidas de que este, da forma como foi colocado na legislação eleitoral (Lei 9.504/97 e Resolução 23.521/18 (revogada) do TSE), é infinitamente mais seguro.

Aceitar o argumento de que a impressão violaria o sigilo do voto significa reconhecer que apenas no Brasil o sigilo é respeitado, pois apenas 32 países utilizam o sistema de votação eletrônica4 e dentre eles apenas o Brasil não adota o voto impresso.

Também não é válido o argumento de que o sigilo pode ser quebrado pela conduta ilícita5 do eleitor de entrar na cabina de votação com aparelho eletrônico e fotografar o seu voto impresso, pois a possibilidade de isso acontecer, com ou sem o voto impresso, sempre existirá. Se o eleitor conseguir entrar na cabina de votação com um aparelho eletrônico (um celular, por exemplo), mesmo sem o voto impresso, ele poderá fazer um vídeo comprovando que efetivamente votou em determinado candidato.

Outro argumento colocado é que a implementação do voto impresso custa muito dinheiro. Esse argumento de ordem prática não pode subsistir se os argumentos jurídicos contrários forem mais prevalentes. Além disso, o alto custo não foi empecilho quando se decidiu adotar o sistema de votação eletrônico no país, que seguramente foi muito mais elevado do que o necessário para efetivar o voto impresso. Inclusive, a impressão da zerésima6 e do boletim de urna7 comprovam que as urnas eletrônicas já estão equipadas para serem acopladas a mecanismos de impressão, indicando que a implementação do voto impresso não é tão complicada. O alto custo também não impediu a adoção da biometria no processo de votação.

A demora no procedimento de votação, ainda que incontestável, se justifica pela possibilidade de um recurso não eletrônico para legitimar o resultado do pleito. Se a demora fosse um argumento legítimo, o sistema biométrico também não poderia ser utilizado, pois apesar dos ganhos quanto à segurança do voto, não há dúvidas de que a biometria tornou a votação mais lenta.

Na votação eletrônica é extremamente comum a alegação de que a fotografia do candidato escolhido não apareceu na tela, mas o próprio eleitor, ao conferir o voto impresso, poderia confirmar que o seu voto foi computado para o candidato de sua escolha.

No primeiro turno das eleições de 2018 circulou a informação de que a urna eletrônica auto completaria o voto do eleitor, quando ele começava a digitar o número, sugerindo uma fraude para “direcionamento dos votos”. A informação foi desmentida pelo TRE de Minas Gerais8, mas a fake news dificilmente receberia a mínima credibilidade com o voto impresso, pois o eleitor poderia conferir a regularidade do processamento do seu voto na urna.

O sigilo do voto seria preservado, na medida em que não há qualquer identificação do eleitor no voto impresso, que sequer pode ter contato manual com o papel.

É preciso proteger o próprio voto antes de assegurar o sigilo. O eleitor deve ter a certeza de que o seu voto, a sua escolha política, foi respeitada e devidamente processada. Do outro lado, é direito do candidato, que conseguiu convencer o eleitor de que ele é o seu melhor representante, que o voto seja computado a seu favor.

O voto impresso materializa o princípio da publicidade, na medida em que garante mais um mecanismo de conferência do resultado das eleições, que é facilmente compreendido pelas pessoas de todas as classes sociais.

As auditorias feitas com base nos dados obtidos eletronicamente das urnas não são compreendidas pelas pessoas de um modo geral, que geralmente apenas tomam conhecimento das conclusões, razão pela qual o princípio da publicidade não é assegurado em sua plenitude.

A adoção do voto impresso não exigiria a contabilização de todos os votos registrados em papel, o que comprometeria a velocidade e eficiência da apuração eletrônica, bastando uma apuração parcial (3% ou 5%) e aleatória dos votos impressos.

O voto impresso parece ser uma ferramenta adicional, que, a par das já existentes, permite que a confiabilidade da urna eletrônica seja ratificada, possibilitando que essa constatação seja vista e compreendida por toda a população e não apenas pelas pessoas que possuem conhecimentos informáticos.

Ao contrário de fragilizar o processo eleitoral, a utilização do voto impresso conferiria segurança e legitimidade às eleições, praticamente silenciando aqueles que se voltam à utilização das urnas eletrônicas.


Notas

1 Segundo noticiado no jornal “El País”, a previsão de custo para implementação das impressoras estava orçada em 2 bilhões de reais. Confira: <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/06/06/politica/1528321063_459670.html>.

2 https://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/destaquesNewsletter.php?sigla=newsletterPortalInternacionalJurisprudencia&idConteudo=291605

3 https://apcf.org.br/Noticias/AgenciaAPCF/tabid/341/post/peritos-criminais-defendem-voto-impresso-para-garantir-seguran-a-das-elei-es/Default.aspx

4 https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Marco/votacao-eletronica-e-realidade-em-mais-de-30-paises

5 Lei 9.504/97 - Art. 91-A. No momento da votação, além da exibição do respectivo título, o eleitor deverá apresentar documento de identificação com fotografia.

Parágrafo único. Fica vedado portar aparelho de telefonia celular, máquinas fotográficas e filmadoras, dentro da cabina de votação.

6 Art. 103. da Resolução 23.554/17. Concluídas as verificações do art. 102. e da composição da mesa receptora, o presidente emitirá o relatório Zerésima da urna, que será assinado por ele, pelos demais mesários e fiscais dos partidos políticos e das coligações que o desejarem. (Destaquei).

7 Art. 107. Compete, ao final dos trabalhos, ao presidente da mesa receptora de votos e da mesa receptora de justificativas, no que couber: (...) III - emitir as vias do boletim de urna (...). (Destaquei).

8 https://www.tre-mg.jus.br/imprensa/noticias-tre-mg/2018/Outubro/justica-eleitoral-esclarece-boato-sobre-processamento-dos-votos-na-urna-antes-da-tecla-confirma

Sobre os autores
Bárbara Christina Guimarães Costa

Pós-Graduada em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor pela Universidade Estácio de Sá. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Assessora de Juiz de Direito pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. e-mail: guimaraesbarbara29@gmail.com.

Tiago Ferreira Barbosa

Juiz de Direito no Estado de Minas Gerais. Professor de cursos preparatórios para concurso.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Bárbara Christina Guimarães; BARBOSA, Tiago Ferreira. Voto impresso, vale ou não vale?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5600, 31 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69725. Acesso em: 24 nov. 2024.

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