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A Lei n. 13.655/2018 e as alterações na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

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Agenda 30/10/2018 às 13:00

5. Irretroatividade de nova interpretação de cláusula geral para efeito de invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa

A lei estabelece, também, o dever de que as novas interpretações sobre normas de conteúdo aberto ou indeterminado não retroajam para o efeito de invalidar atos administrativos praticados em consonância com a orientação da época em que foram editados (consagração do princípio tempus regit actum para a averiguação da validade dos atos públicos).  Dispõe o art. 24 que, “A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.” Esclarece o parágrafo único, ainda, que se consideram orientações gerais “as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.” (BRASIL, 2018, p. 1)

A norma não é de aplicação tão fácil quanto pode parecer, na medida em que a “jurisprudência judicial ou administrativa majoritária”, por vezes, não é um dado tão evidente, o que permite antever-se a existência de discussões e debates, inclusive no plano judicial, de questões voltadas à definição do que seja a orientação dominante, ao ponto de assegurar a irretroatividade da nova interpretação. Na esfera judicial, o sistema de precedentes vinculantes instituído pelo Novo Código de Processo Civil auxiliará na identificação do que seja a jurisprudência majoritária, podendo-se destacar como tais as orientações mais recentes fixadas em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI, ADC ou ADPF), as decisões de controle difuso de constitucionalidade do STF no regime da repercussão geral, as decisões do STJ em sede de recursos especiais repetitivos, as decisões dos tribunais locais em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) ou Incidente de Assunção de Competência (IAC), as súmulas vinculantes, as súmulas de jurisprudência do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria de direito federal e as orientações do plenário ou do órgão especial dos tribunais locais, nos casos em que a discussão se limite ao âmbito territorial da competência de um Estado federação. (BRASIL, 2015, p. 1) Já no campo administrativo, ter-se-á que levar em conta, como orientação dominante, as provenientes das autoridades administrativas de maior nível hierárquico, somente se cogitando do reconhecimento do valor jurídico da praxe reiterada de órgãos de hierarquia inferior quando ausente normativa específica sobre a matéria.


6. Previsão vetada: ação declaratória da validade de ato público, de rito especial, com sentença de eficácia erga omnes

A Lei n.º 13.655/2018 previa, através do que seria o texto do art. 25 do LINDB, a possibilidade de a administração, “por razões de segurança jurídica de interesse geral”, propor ação declaratória de validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, cuja sentença faria “coisa julgada com eficácia erga omnes”. O dispositivo previa que a ação tramitaria segundo o rito da ação civil pública, com participação do Ministério Público, que poderia se abster de contestar ou, até mesmo, aderir ao pedido declaratório da validade do ato público. A declaração judicial poderia abranger, além da validade em si, “a adequação e economicidade dos preços ou valores previstos no ato, contrato ou ajuste.” (BRASIL, 2018, p. 1)

O artigo foi vetado ao argumento de que a ação declaratória preconizada pelo dispositivo, cuja sentença teria eficácia para todos, podendo inclusive dispor a respeito de preço e valores, poderia acarretar na propositura de excessivo número de demandas judiciais injustificadas, tendo em vista a abrangência de cabimento da ação por “razões de segurança jurídica de interesse geral” o que, na prática, poderia contribuir para maior insegurança jurídica. Ademais, sustentou-se que, ainda que com o juízo de procedência da ação declaratória, a problemática persistiria em relação às decisões administrativas ou de controle anteriores à impetração da ação declaratória de validade, uma vez que a atuação judicial poderia se tornar instrumento para a mera protelação ou modificação dessas deliberações, representando, também, violação ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes. (BRASIL, 2018b, p. 1)

Entendemos conveniente o veto, na medida em que os atos públicos gozam de presunção de veracidade e legitimidade, cabendo ao interessado o ônus de provar, no caso concreto, a desconformidade do ato estatal em relação à ordem jurídica. No que tange aos atos normativos federais, já existe previsão de ação judicial de fiscalização abstrata de sua validade e eficácia, que é a Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC, (art. 102, I, a, CF/88), admitindo-se, quanto aos estaduais e municipais, a propositura de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF (MENDES, 2011, p. 131), sendo certo que o potencial de atingimento do interesse coletivo encontra-se, no mais das vezes, precisamente, nos atos normativos. Ainda que determinados atos ou processos de viés concreto tenham grande relevância e alcance social, seja pela importância do objeto, seja pela expressividade dos recursos envolvidos, não se justifica a criação de nova modalidade de ação dotada de eficácia erga omnes com o fito exclusivo de afastar a discussão sobre sua legitimidade do ato administrativo, tendo em vista a possibilidade de propositura de ações de índole individual com esse objetivo.


7. Possibilidade de celebração de compromisso administrativo com o fito de eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público

O art. 26 da LINDB estatui que, para “eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público”, inclusive no caso de expedição de licença, “a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial”. O compromisso, por expressa previsão legal, “buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais”, “não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral” e “deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.” (BRASIL, 2018, p. 1) O inciso II do § 1º previa, ainda, que o acordo poderia “envolver transação quanto a sanções e créditos relativos ao passado e, ainda, o estabelecimento de regime de transição” (BRASIL, 2018, p. 1), mas teve seu texto vetado, por alegação de violação ao princípio da reserva legal e de ter o potencial de representar estímulo indevido ao descumprimento das previsões legislativas, visando a posterior transação. (BRASIL, 2018b, p. 1)

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A lei inova pela previsão expressa da possibilidade de celebração de acordo administrativo com o fito exclusivo de sanar irregularidade na edição do ato, algo que já existia no que tange a atos que representassem potencial dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, quando da participação de alguns dos entes legitimados para a ação civil pública, em relação aos quais já era autorizada a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, nos termos do art. 5º, § 6º, da Lei n.º 7.347/85. (BRASIL, 1985, p. 1) Agora, a Administração resta autorizada a celebrar compromissos voltados a sanar qualquer “situação contenciosa na aplicação do direito público”, podendo fazê-lo inclusive com particulares, desde que não importe em “desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral.” Note-se que não pode o administrador, por meio do referido compromisso, promover isenções, afastar obrigações acessórias ou relativizar condicionamentos a direitos de forma “permanente”, podendo, contudo, fazê-lo em caráter temporário, em função da adequação da interpretação às circunstâncias do caso concreto, com a finalidade de evitar a necessidade de solução judicial. Se vedado estivesse à Administração promover qualquer desoneração ou afastar qualquer condicionamento, ainda que em caráter temporário, conteúdo algum poderia ser objeto do compromisso celebrado pelo administrador, tornando a norma insuscetível de aplicação prática.

O dispositivo vem em reforço à interpretação que conferimos ao art. 23, em relação ao qual, a despeito do veto efetuado quanto ao parágrafo único, entendemos possível à administração celebrar compromisso individual voltado à definição de regime de transição que não tenha sido fixado em interpretação de aplicabilidade geral, quando presente situação na qual o regime de transição era obrigatório. Agora, novamente, o inciso II do § 1º do art. 26, que dispunha expressamente que o acordo poderia prever “o estabelecimento de regime de transição”, foi vetado, mas isso não impede que a Administração inclua em seu compromisso o referido regime, haja vista a imposição efetuada pelo caput do art. 23. Vale dizer: se o estabelecimento do regime de transição era obrigatório – conforme afirmado pelo próprio Poder Executivo, na mensagem na qual explicita as razões do veto, trata-se de norma “cogente”, destinada não apenas à esfera judicial, mas também à administrativa –, então, tendo o Estado sido omisso na fixação do mencionado regime quando da interpretação em caráter geral, por óbvio, haverá direito subjetivo do particular ao estabelecimento da regra de transição, podendo a administração rever o seu posicionamento quando da apreciação de requerimento administrativo nesse sentido, no bojo do qual deve ser deferido o regime provisório. Ante o princípio da autotutela dos atos administrativos, a administração tem o dever de anular os seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e de revogá-los por razões de conveniência e oportunidade (art. 53, da Lei n.º 9.784/99). Sendo a fixação de regime de transição, nos casos especificados no art. 23, da LINDB, um dever legal, sua omissão, quando devida a previsão, importa em ilegalidade, que deve ser suprida pela esfera administrativa, podendo ser efetuada tanto em caráter geral, quanto individual, por se tratar de direito subjetivo do administrado. (BRASIL, 2018, p. 1; BRASIL, 1999, p. 1)

O efeito prático do compromisso individual que reconheça o dever de estabelecimento de regime de transição será a revisão da interpretação geral, com aplicabilidade erga omnes da regra transitória, tendo em vista que a multiplicação de processos individuais, que decorreria de um determinado precedente administrativo, implicaria, à evidência, a alteração ex officio da interpretação geral pela Administração, que não tem interesse na repetição desnecessária de atos administrativos. Nesse sentido, em que pese seja evidente a possibilidade de celebração de acordo individual (note-se que a lei o admite inclusive para os casos de “expedição de licença”, que é ato concreto, voltado a um administrado em particular), parece-nos que a intenção do legislador foi que, nos casos que tenham repercussão geral, no sentido de envolverem uma multiplicidade de interessados, o compromisso fosse celebrado já em caráter coletivo, pois, nos termos do art. 26, além da oitiva do órgão jurídico, exige-se, “quando for o caso”, a realização de “consulta pública”, para, presentes “razões de interesse geral”, ser celebrado compromisso com os “interessados”, havendo eficácia jurídica na opção proposital do legislador pela colocação do termo não no singular, mas no plural.

Consoante se extrai do inciso I, do § 1º, do art. 26, novamente, o legislador se utiliza de conceitos jurídicos abertos ou indeterminados para regular o ato que pretende evitar a ambiguidade decorrente da interpretação de conceitos jurídicos abstratos, evidenciando a dificuldade – e mesmo a impossibilidade – de fixação, a priori, de parâmetros rígidos e presumivelmente claros para a solução de questões jurídicas que envolvam a aplicação de normas de ordem pública. Isso porque as alegações de “irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público” decorrem, no mais das vezes, da incidência de princípios ou de valores normativos de conteúdo incerto, cuja densificação admite múltiplas acepções, conduzindo a conflito interpretativo. Quando o legislador afirma que o compromisso deve contemplar solução jurídica “proporcional”, “equânime”, “eficiente” e compatível com os “interesses gerais”, retorna à incerteza jurídica que deu origem ao problema, na medida em que não há como saber, de antemão, o que tais expressões deverão significar no caso concreto, não se podendo afirmar, por conseguinte, que as partes entrarão em acordo quanto a esse significado, perspectiva que seria, no mínimo, ingênua. Em decorrência, a norma tem mais o condão de explicitar que o compromisso celebrado afasta a possibilidade de alegação futura de violação aos mencionados preceitos do que o de fixar uma diretriz para a solução em si, a qual será alcançada não pela densificação dos conceitos em apreço, mas pela fixação dos efeitos práticos a que as partes venham a aderir de comum acordo.

Sobre o autor
Cláudio Ricardo Silva Lima Júnior

Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco e pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - dupla diplomação. Ex-Assessor da Justiça Federal de Primeira Instância na 5ª Região. Ex-Assessor do Ministério Público Federal na 1ª Região. Atualmente, é Oficial de Justiça do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA JÚNIOR, Cláudio Ricardo Silva. A Lei n. 13.655/2018 e as alterações na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5599, 30 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69967. Acesso em: 22 dez. 2024.

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