Recente decisão do STF restabeleceu os juros compensatórios à taxa de 6% a.a. e ao mesmo tempo condicionou a sua incidência à comprovação da perda efetiva do rendimento sofrida pelo proprietário que teve o imóvel desapropriado.
Desde o advento da Súmula 164 do STF a jurisprudência vinha fixando juros compensatórios de 12%, tanto nos casos de apossamento administrativo, como nas hipóteses de desapropriação por utilidade pública ou interesse social, independentemente da cogitação de eventual perda do efetivo rendimento que o imóvel vinha propiciando ao seu proprietário. Vale a pena relembrar que esses juros compensatórios, de criação pretoriana, surgiu como sucedâneo de juros moratórios, na época, incabíveis contra a Fazenda Pública senão após o trânsito em julgado da respectiva decisão condenatória (art. 3º do Decreto nº 22.785/33). Sua aplicação perdurou mesmo após a revogação do citado art. 3º pela Lei nº 4.414,64 que submeteu a Fazenda Pública ao mesmo regime previsto na lei civil. Daí a cumulação de juros compensatórios (12%) com os juros moratórios (6%), perfazendo o total de 18%.
Esse posicionamento restou mantido mesmo após a introdução do art. 15-A e parágrafos no Decreto-lei nº 3.365/41 por meio do art. 1º da Medida Provisória nº 2.183-56 de 27-8-2001, nos seguintes termos:
“Art. 15-A. No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos.
§1º Os juros compensatórios destinam-se, apenas, a compensar a perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário.
§2º Não serão devidos juros compensatórios quando o imóvel possuir graus de utilização da terra e de eficiência na exploração iguais a zero.
§ 3º O disposto no caput deste artigo aplica-se também às ações ordinárias de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, bem assim às ações que visem à indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público, em especial aqueles destinados à proteção ambiental, incidindo os juros sobre o valor fixado na sentença.
§ 4º Nas ações referidas no parágrafo anterior, não será o Poder Público onerado por juros compensatórios relativos a período anterior à aquisição da propriedade ou posse titulada pelo autor da ação.”
Na ADI impetrada pela OAB Nacional contra a inovação legislativa foi deferida a medida cautelar para suspender a eficácia da expressão “de até seis por cento” para dar ao final desse caput interpretação conforme a Constituição no sentido de que a base de cálculo dos juros compensatórios será a diferença eventualmente apurada entre 80% do preço ofertado em juízo e o valor do bem fixado na sentença, bem como, dos seus parágrafos 1º, 2º e 4º (Adin nº 2332 MC/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 02-04-2004).
Todavia, na decisão de mérito sob a relatoria do Min. Roberto Barroso o STF, por maioria de votos, reverteu aquela decisão proferida em sede de Medida Cautelar, reconhecendo a constitucionalidade do percentual de juros compensatórios de 6% ao ano para a remuneração do proprietário pela imissão provisória do ente político expropriante.
Outrossim foram considerados constitucionais os §§ 1º, 2º e 3º do art. 15-A, a fim de limitar a incidência dos juros no percentual referido apenas à hipótese de perda comprovada do rendimento proporcionado ao proprietário do imóvel desapropriado.
Finalmente, o § 4º do citado art. 15-A foi considerado inconstitucional.
Com o reposicionamento da Corte Suprema, a desapropriação direta ou indireta deixou de ser causa de um rendimento antes inexistente.
Justa indenização a que alude o texto constitucional representa um conceito bilateral no sentido de que a indenização deve simplesmente recompor o patrimônio do proprietário desfalcado pela desapropriação. Os expropriados não podem receber menos, nem mais do que é devido pela perda de sua propriedade.
A nova jurisprudência do STF coincide com a conceituação doutrinária do que sejam juros compensatórios que expressam a reposição da perda do capital, ou seja, a perda do rendimento que o capital empatado propiciava ao seu proprietário.
E a redução da alíquota de 12% para 6% atende ao disposto na legislação civil. A taxa de 12% ao ano resultou de um equivoco ocorrido no julgamento do RE nº 85.209-RJ, DJU de 6-5-77 que invocou um precedente peculiar em que os juros haviam sido pactuados à taxa de 12% aa no bojo da escritura pública de desapropriação amigável. Na época, a elevação da taxa legal de 6% a.a. ao dobro tinha previsão no art. 1.063 do Código Civil de 1916. A partir de então o decidido no RE nº 85.209 passou a ser invocado como decisão paradigma para as desapropriações judiciais, onde não há possibilidade de convenção da taxa de juros, conforme explicitado em nossa obra. [1]
Após décadas de pacífica jurisprudência o STF alterou seu entendimento sobre a matéria acolhendo o posicionamento doutrinário. Certamente esse novo entendimento da Corte suscitará outras discussões dele derivados como, por exemplo, a sua aplicação aos casos pendentes distinguindo os processos sem decisão definitiva daqueles com decisão transitada em julgado, mas ainda sem expedição do respectivo precatório.
Nota
[1] Cf. nossa obra Desapropriação, Doutrina e Prática, 11ª edição. São Paulo: Atlas, 2015, p.167.