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Uma decisão histórica

Agenda 10/08/2020 às 17:30

O artigo discute decisão histórica do STF em defesa da liberdade de imprensa.

I – O FATO

Em histórica decisão, em novembro de 2018, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou a censura imposta ao O Estado de S. Paulo, que estava proibido de publicar informações no âmbito da Operação Boi Barrica envolvendo o empresário Fernando Sarney, filho do ex-presidente José Sarney (MDB). A decisão do ministro foi divulgada depois de o jornal completar 3.327 dias sob censura por determinação do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), que foi cassada por Lewandowski.

Em sua decisão, Lewandowski destacou que o plenário do STF garantiu em julgamento em 2009 “a plena liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia”.  

“Dessa forma, não há como se chegar a outra conclusão senão a de que o acórdão recorrido (do TJ do Distrito Federal e dos Territórios), ao censurar a imprensa, mitigando a garantia constitucional da liberdade de expressão, de modo a impedir a divulgação de informações, ainda que declaradas judicialmente como sigilosas e protegidas pelo ordenamento jurídico, viola o que foi decidido na ADPF 130/DF (julgamento de ação que derrubou a Lei de Imprensa, legislação do tempo da ditadura considerada inconstitucional pelo STF em 2009)”, concluiu o ministro Lewandowski.

A decisão significou permitir que a imprensa publique o resultado de suas investigações. Se a informação chegou ao veículo de imprensa sem que se apontasse qualquer participação do próprio veículo na ruptura desse segredo (de justiça), ele (o segredo) tem que ser revelado. Isso é mais do que uma obrigação. É um dever.

A censura ao Estado diz respeito à publicação de gravações no âmbito da Operação Boi Barrica que sugeria ligações do então presidente do Senado, José Sarney, com a contratação de parentes e afilhados políticos por meio de atos secretos. Na época, advogados do empresário Fernando Sarney alegaram que o jornal feria a honra da família ao publicar trechos de conversas telefônicas gravadas na operação com autorização judicial.

No julgamento do plenário virtual da Segunda Turma do STF, o ministro Edson Fachin destacou que o Supremo proibiu “enfaticamente a censura de publicações jornalísticas, bem como tornou excepcional qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões” .

O decano do STF, ministro Celso de Mello, por sua vez, argumentou naquela ocasião que a “liberdade de manifestação do pensamento, que representa um dos fundamentos em que se apoia a própria noção de estado democrático de direito, não pode ser restringida pelo exercício ilegítimo da censura estatal, ainda que praticada em sede jurisdicional”.

II – A TUTELA INIBITÓRIA E A LIBERDADE DE IMPRENSA

A Constituição proíbe a censura à imprensa.

A Constituição, repita-se, proclama a liberdade de informação.

A palavra informação, como situa José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo, 5ª edição, pág. 218), entende-se como

o conhecimento dos fatos, de acontecimentos, de situações de interesse geral e particular que implica, do ponto de vista jurídico, duas direções:  a do direito de informar e a do direito de ser informado. O mesmo é dizer que a liberdade de informação compreende a liberdade de informar e a liberdade de ser informado. A primeira coincide com a liberdade de manifestação do pensamento pela palavra, por escrito ou por qualquer outro meio de difusão; a segunda indica o interesse sempre crescente da coletividade para que tanto os indivíduos como a comunidade estejam informados para o exercício consciente das liberdades públicas. Sendo assim, a liberdade de informação compreende a procura, o acesso, o recebimento, a difusão de informações ou ideias, por qualquer meio e sem dependência de censura, respondendo cada qual pelos abusos que cometer. Não se discute que o acesso de todos à informação é um direito individual consignado na Constituição, que também resguarda o que se chama de sigilo da fonte.

Na liberdade de informação jornalística se centra o direito à informação.

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A liberdade de informação que se fala é a de ser informado, a de ter acesso às fontes de informação e obtê-las.

É a liberdade de imprensa, conforme já disse o Supremo Tribunal Federal, um dos pilares da democracia.

Veja-se que o Supremo Tribunal Federal, em decisão, por sua segunda turma, no AI 705.630 – AgR/SC, Relator Ministro Celso de Mello, entendeu o que segue:

a liberdade de imprensa, enquanto projeção das liberdades de comunicação e de manifestação do pensamento, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, o direito de informar; o direito de buscar a informação, o direito de opinar, o direito de criticar; a crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas ou as figuras notórias, exercentes, ou não, de cargos oficiais; a crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade; não induz responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgue observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, vincule opiniões em tom de crítica severa, dura, ou até, impiedosa,ainda mais se a pessoa a quem tais observações foram dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender.

No caso em tela, houve a utilização da tutela inibitória com o intuito de impedir publicação.

Na linha do antigo artigo 461 do CPC de 1973, utiliza-se de uma ação mandamental para impedir o que entendem como ilícito ou prosseguimento do ilícito, de forma preventiva.

Tutela genérica é toda forma que tenda à obtenção de dinheiro no âmbito da responsabilidade patrimonial do devedor. A tutela específica é aquela que tende à consecução de bens jurídicos outros, que não dinheiro. É o caso da tutela estabelecida no artigo 461 do CPC, que tem origens nos interditos romanos e na cominatória lusitana (Ordenações Manuelinas, Livro III, tít. 62, §§ 5-7). Reprodução bastante fiel ao art. 84 do Código de Defesa do Consumidor no entender de Cândido Rangel Dinamarco , diz respeito a obrigações legais e contratuais.

  O artigo 461 do Código de Processo Civil de 1973 é a base da tutela inibitória, que, para ser efetiva, deve contar com a tutela antecipatória (art. 461, § 3.º ). A ação inibitória visa a impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito e não tem o dano como um dos seus pressupostos. É tutela preventiva, porém não cautelar.

  Por certo, Eduardo Talamini destaca que o artigo 461 do CPC não se limita a estabelecer a tutela que consideramos inibitória, por ser preventiva. As regras, pois, para o Prof. Eduardo Talamini disciplinam a consecução do resultado de deveres derivados de direitos relativos (obrigacionais ou não) e absolutos (reais, da personalidade, etc.), públicos e privados, dando a expressão obrigação um sentido larguíssimo de dever jurídico.

   Não é surpresa para o leitor que o Professor Talamini, em sua obra citada, de folhas 427, sintetiza que, “depois da reforma do Código, apenas deixou de se formar, como ‘título executivo judicial’, a sentença condenatória proferida no processo civil (art. 584, I), que tenha por objeto “obrigações de fazer e não fazer”.

  Primordialmente, o provimento concessivo de tutela do art. 461 é de eficácia mandamental (tendente à tutela específica), na terminologia da lei, e, ao seu lado, executivo lato senso, pois autoriza a tomada de providências destinadas à obtenção do resultado prático equivalente, independente do concurso do réu, operando-se a substituição da conduta do demandado pela do próprio Estado, através de seus agentes. É assim, na tutela inibitória, na tutela preventiva executiva, na tutela reintegratória (eliminação do ilícito) e na tutela ressarcitória, em que se permite a postulação das sentenças mandamental (ordem sob pena de multa) e executiva (determinação de que o fazer seja prestado por um terceiro às custas do réu).

  Presta-se a tutela do artigo 461 do CPC à proteção de direitos absolutos, cuja eficácia é erga omnes. Tal é o caso dos direitos da personalidade, deveres decorrentes de prestações estatais. Isso porque, na lição de Salvatore Satta , Calamandrei, a sentença condenatória adequa-se a “direitos a posições instrumentais, entre os quais o direito de crédito, cuja violação se dá pelo ressarcimento do equivalente”. Esse é o terreno dos direitos relativos.

Devem ser ponderados os chamados interesse na proteção à personalidade e ao segredo pessoal, com relação ao máximo princípio constitucional da liberdade de informação.

Realmente entre princípios, já dizia Dworkin, não se fala em revogação, mas de ponderação, de forma que através da concordância prática, deve haver a devida conciliação entre esses dois princípios magnos, em discórdia. 

Afronta-se a liberdade de pensamento, que, segundo Sampaio Doria (Comentários à Constituição de 1946, pág. 602), “é o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em ciência, religião, arte ou o que for”.

A imprensa livre é o espelho intelectual no qual o povo se vê,  e a visão de si mesmo é a primeira confissão da sabedoria(Debate sobre a liberdade de imprensa e comunicação  - série de artigos publicados no Rhemische Zeitung, in 5,8, 10, 12, 19.5.1842, in Karl Marx, A liberdade de imprensa, Porto Alegre).

A liberdade de informação não é simplesmente a liberdade do dono da empresa jornalística ou do jornalista. A liberdade destes é reflexa no sentido de que ela só existe e se justifica na medida do direito dos indivíduos a uma informação correta e imparcial. A liberdade dominante é a de ser informado, e de ter acesso às fontes de informação, a de obtê-la. O dono da empresa e o jornalista têm um direito fundamental de exercer a sua atividade, sua missão, mas especificamente tem um dever. Reconhece-se o direito de informar ao público os acontecimentos e ideias, objetivamente, sem alterar-lhes a verdade ou esvaziar-lhes o sentido original; do contrário, se terá não informação, mas deformação, como ensinou Albino Grego (La Libertà di Stampa nell’ Ordinamento Giuridico Italiano, 1974, páginas 52).  

A liberdade de informar é um direito fundamental, que não pode ser objeto de um cerceamento abertamente inibitório.

No ensinamento de Afonso Arinos de Melo Franco (Pela liberdade de imprensa, in seus Estudos de Direito Constitucional, 1957, pág. 323), a liberdade de imprensa constitui uma defesa contra todo excesso de poder e um forte controle sobre a atividade político-administrativa e sobre não poucas manifestações de abuso de relevante importância para a coletividade. 

A  decisão aqui trazida à colação reafirma que jornalismo investigativo não pode estar sujeito a censura alguma.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Uma decisão histórica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6249, 10 ago. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70266. Acesso em: 22 dez. 2024.

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