Na atual conjuntura política que o Brasil vive, rodeado de escândalos de corrupção, causando uma instabilidade jamais vista, o principal prejudicado é a economia. Com a escassez de recursos e de investimentos, uma grande parte das empresas brasileiras começam a atropelar seus compromissos, não honrando com pagamento de suas obrigações.
Diante desse quadro, a falta de recurso e o acumulo de dívidas, o ordenamento jurídico Brasileiro, especificadamente a Lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, põe à disposição do Empresariado a possibilidade de ajuizamento de uma Recuperação, seja ela Judicial ou Extrajudicial, com o objetivo de que a empresa salde suas dívidas e se reerguer no mercado.
Óbvio que, para a Empresa se valer desse instituto, deverá comprovar uma série de requisitos, os quais não serão tratados nesse artigo, por não ser o objeto central.
Preenchido os requisitos para o ajuizamento da ação, o Poder Judiciário deferirá o processamento da Recuperação da Empresa, devendo esse processamento respeitar todas as diretrizes prevista na Lei de Recuperação Judicial e Falência. Uma das benesses prevista na mencionada Lei, é a possibilidade de suspensão de todas as ações e execuções, no caso de deferimento da RJ. Vejamos o teor do dispositivo:
Art. 6º. A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.
Todavia, o paragrafo 1º do retrocitado artigo determina que terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida.
Analisando o conteúdo do artigo, há que se fazer uma logística de interpretação inversa, segundo o qual, devem ficar suspensão ações que tenham cunho expropriatório (como por exemplo, a possibilidade de deflagrar uma penhora on-line, renajud e etc...).
Questão interessante surge quando o autor da ação de recuperação, pelo seu ramo de atividade, possui vários contratos de locações de imóveis, não honrando, também, com o pagamento desses aluguéis. Diante desse quadro, surge para os locadores a possibilidade de retomada do imóvel, ante a inadimplência do devedor para com os alugueis e demais encargos devidos a título de locação.
Posto tais premissas, a pergunta que não se cala é a seguinte: a ação de despejo que tenha por fundamento a falta de pagamento não cumulada com a cobrança dos alugueis e demais encargos da locação deve obedecer a suspensão contida no artigo 6º da LRF?
Veja que não estamos aqui falando sobre a suspensão da ação de despejo por falta de pagamento que seja cumulada com a cobrança dos alugueis e demais encargos da locação, isso porque, tal ação tem caráter de liquidez.
Ao apreciar o tema posto em questão, por meio do Conflito de Competência nº 123.116 o Superior Tribunal de Justiça, de relatório do Ministro Raul Araújo, entendeu que: “tratando-se de credor titular da posição de proprietário, prevalecem os direitos de propriedade sobre a coisa, sendo inaplicável a hipótese de despejo a exceção prevista no parágrafo 3º, in fine, do art. 49 da Lei 11.101/2005 (...), pois, no despejo, regido por lei especial, tem-se a retomada do imóvel locado e não se trata de venda ou mera retirada do estabelecimento do devedor de bem essencial à sua atividade empresarial”.
Extrai-se do julgado citado acima que o argumento primordial para manter a posição no sentido de prosseguimento da ação de despejo, foi o fato de o direito de propriedade, constitucionalmente assegurado, prevalecer sobre o princípio da preservação da empresa e de sua função social, pois, considera-se ter maior envergadura e estar em patamar mais elevado a tutela ao direito de propriedade.
Isto porque, com base nas previsões da Lei 8.245-91 (Lei do Inquilinato), mediante a propositura da ação de despejo, é possível a retomada de posse direta do bem pelo locador, não trazendo a Lei n. 11.101-2005 (Lei de Recuperação e Falências) qualquer exceção que ampare o locatário que tenha obtido o deferimento de recuperação judicial, mas, pelo contrário, declara que o credor proprietário de bem imóvel não se submete aos efeitos da recuperação, conforme se verifica no art. 49 §3º, da citada lei. Vejamos:
Art. 49 – Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
(...)
§3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujo respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de propriedade em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o §4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
Soma-se a essa posição, como argumento convencedor, a exceção prevista no parágrafo 1º, do artigo 6º, da Lei 11.101/2005, ao prever que deve-se manter o prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida.
Com tais esclarecimentos em mente, a única exigência que o texto normativo faz é no sentido de comunicação da interposição de demandas judicial ao juízo universal em que tramite a recuperação, na inteligência do inciso I, do parágrafo 6º, do artigo 6º, da Lei de Falência, tudo de conformidade com os precedentes elucidativos do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, vejamos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – Interposição contra decisão que deferiu pedido liminar para desocupação de imóvel, sob pena de despejo compulsório. Despejo por denúncia vazia. Ação que não demanda valores. Recuperação Judicial que não obsta o andamento do processo. Exegese do artigo 6º, §1ª, da Lei nº 11.101/2005. Decisão mantida. (TJSP – Agravo de Instrumento nº 2012783-39.8.26.0000 – Relator: Mario A. Silveira, DJ 14/10/2013).
Agravo de instrumento. Locação de Imóvel. Despejo por falta de pagamento. Determinação, pelo magistrado ‘a quo’ do pleito para prosseguimento do processo, com a ‘ressalva de que não será deferido o despejo coercitivo pelos débitos incluídos no plano da recuperação judicial, exceto em caso de não cumprimento deste, podendo sê-lo ainda por outros débitos não incluídos naquele plano’. Descabimento da ‘ressalva’ mencionada na r. decisão atacada. Recuperação judicial da locatária que não interfere na ordem de despejo. Possibilidade do prosseguimento do processo. Inteligência do artigo 6º, §1º da Lei 11.101/2005. Decisão reformada. Recurso Provido. (TJSP – Agravo de Instrumento nº 0028698-65.2013.8.26.0000 – Relator Francisco Occhiuto Júnir, FJ 29/08/2013).
Ressalta-se, por oportuno, que a matéria objeto desse artigo já foi enfrentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, que ratificou a inviabilidade da suspensão da ação de despejo por se tratar de natureza ilíquida, senão vejamos:
AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. O DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL NÃO OBSTA O PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO DE DESPEJO (DEMANDA ILÍQUIDA). DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIO FUNDAMENTOS. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (STJ – Agravo no Conflito de Competência nº 103.102/GO, Relator Ministro Luis Felipe Salomão – DJ 28/04/2010).
Diante disso, entendo que a ação de despejo por falta de pagamento, que não for cumulada com cobrança, deve ter prosseguimento pelos seguintes motivos, a uma, e a mais importante, pelo direito de propriedade dos locadores em reaver seus imóvel, a duas, pelo fato de as ações de despejo demandarem quantia ilíquida, estando, portanto, na exceção prevista do parágrafo 1º do artigo 6º da Lei nº 11.101/2005.