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Poder normativo da Justiça do Trabalho após a EC nº 45/2004

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Agenda 18/08/2005 às 00:00

6. Limites do poder normativo

            Na Constituição Atual – pós reforma do judiciário (EC 45/04) – assim preceitua o § 2º do artigo 114: "Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente." (grifos nossos)

            Consta, também, do artigo 766 da Consolidação das Leis do Trabalho que "nos dissídios sobre estipulação de salários, serão estabelecidas condições que, assegurando justos salários aos trabalhadores, permitam também justa retribuição às empresas interessadas".

            Em antiga decisão do Tribunal Superior do Trabalho, o então Ministro Coqueijo Costa procurou estabelecer os limites do poder normativo:

            EMENTA

            "Poder Normativo. 1. O poder normativo atribuído à Justiça do Trabalho, limita-se, ao norte, pela Constituição Federal; ao sul, pela lei, a qual não pode contrariar; a leste, pela eqüidade e bom senso; e a oeste, pela regra consolidada no artigo setecentos e sessenta e seis, conforme a qual nos dissídios coletivos serão estipuladas condições que assegurem justo salário aos trabalhadores, mas ‘permitam também justa retribuição às empresas interessadas’" [21]

            A análise dos limites do poder normativo deve levar em conta dois aspectos: o limite mínimo e o limite máximo.

            6.1. Limite máximo

            Como limite mínimo, pouco se discutia na doutrina, em razão da dicção constitucional clara que determinava a observância e manutenção das condições legais e convencionais mínimas de proteção ao trabalho.

            Com a atual redação do § 2º do artigo 114 da Constituição Federal, podemos dizer que os "limites mínimos foram acrescidos" para também proteger as disposições convencionadas anteriormente, isto é, as chamadas cláusulas preexistentes.

            Em decisão de 14 de abril de 2005, o Ministro Barros Levenhagen decidiu manter cláusula preexistente de dissídio. Segundo o Ministro, a participação nos lucros e resultados e o abono salarial eram cláusulas preexistentes, cuja manutenção atende ao comando do parágrafo 2º do art. 114 da Constituição. Ainda, segundo o excelso decisório, esse comando já estava inserido na redação anterior do § 2º do art. 114, quando atribuía à Justiça do Trabalho o poder de estabelecer normas e condições de trabalho, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho. [22]

            Para Marcos Neves Fava, as cláusulas preexistentes permitem à Justiça do Trabalho, em dissídio coletivo econômico, exempli gratia, tratar o tema "adicional de horas extras", desde que as partes em convenção ou acordo coletivo tivessem fixado anteriormente adicionais diferentes do mínimo constitucional. [23]

            A nosso ver, as cláusulas convencionadas anteriormente e as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho devem ser analisadas sob dos aspectos: o primeiro, pela vigência durante o vácuo normativo; e o segundo, quanto à limitação da Justiça do Trabalho em suas decisões.

            Torna-se evidente a compreensão do primeiro aspecto pelo próprio texto legal, que prioriza a proteção ao trabalho e as cláusulas preexistentes. As condições mínimas legais de proteção ao trabalho e as convencionadas anteriormente permanecerão vigentes, ainda que não mais vigorante a Norma Coletiva delas ensejadora, durante o vácuo normativo entre a norma anterior e a decisão da Justiça do Trabalho sobre o dissídio coletivo, nos termos do atual §2º, do art. 114, da CLT. Respeitados entendimentos ampliativos contrários, como a decisão do Ministro Barros Levenhagem.

            O outro aspecto é de suma importância, sobretudo sua análise diante da limitação jurisdicional. A Justiça do Trabalho não poderá decidir o conflito coletivo, ainda que de comum acordo das partes e como arbitragem judicial, em violação aos dispositivos mínimos legais ou quanto à existência de cláusulas convencionadas anteriormente que imponham condições não previstas em lei. A decisão do conflito fica, portanto, restrita aos mínimos preceitos legais e às cláusulas anteriormente negociadas, mas, ainda assim, desde que o conflito coletivo seja fundado no conteúdo e não na existência dessas cláusulas.

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            Com efeito, podemos exemplificar nosso entendimento em três situações concretas de conflitos coletivos submetidos à apreciação do Judiciário:

            1) Cesta Básica. Se o conflito fundar-se no conteúdo de cláusula anteriormente negociada, como, v.g., discussão sobre valores, poderá o Tribunal decidir o conflito, desde que previamente avençado pelas partes de comum acordo, em decisão como arbitragem judicial irrecorrível. Por outro lado, se o conflito versar sobre a extinção ou não da cesta-básica anteriormente negociada, o Tribunal não poderá decidir o conflito.

            2) Horas Extras. Se o conflito versar sobre o adicional de horas extras superior ao mínimo legal e este já houver sido negociado anteriormente, poderá o Tribunal decidir o conflito, desde que previamente avençado pelas partes de comum acordo, em decisão como arbitragem judicial irrecorrível. Em contrapartida, se as partes não tiverem negociado anteriormente o adicional de horas extras superior ao legal, o conflito não poderá ser submetido à Justiça do Trabalho.

            3) Reajuste Salarial. Como o reajuste salarial faz parte integral e genuinamente de todas as negociações coletivas privadas, poderá o Tribunal decidir sobre o reajuste salarial, desde que previamente avençado pelas partes de comum acordo, em decisão como arbitragem judicial irrecorrível.

            A medida valoriza a negociação coletiva privada das partes para reformulação de cláusulas e condições anteriormente negociadas.

            6.2. Limite mínimo

            O limite máximo do poder normativo da Justiça do Trabalho é bastante discutido em âmbito doutrinário e jurisprudencial, sobretudo diante da nova redação do § 2º do artigo 114 da Constituição Federal, que suprimiu a expressão estabelecer normas e condições por decidir o conflito.

            Para exprimir a posição do STF anterior à Emenda Constitucional n. 45 de 2004, importante relembrar a ontológica decisão do Ministro Octávio Gallotti (n. 197.911-9, DJU 7.11.1997), que conferiu limites ao poder normativo da Justiça do Trabalho. Nos termos do Pretório Excelso, a Justiça do Trabalho somente poderia exercer seu poder normativo no vazio da lei, quando não contrarie ou se sobreponha à lei vigente, desde que as condições não estejam vedadas pela Constituição e que a matéria tratada não esteja reservada à lei pela Constituição. Valendo-se dos exemplos, a Justiça do Trabalho estaria vedada em seu poder normativo no caso de adicional de horas extras acima de 50%, porque é matéria regulada pela Constituição, e qualquer acréscimo é reservado à lei formal ou à negociação coletiva. [24]

            A referida decisão decorreu da avaliação suprema, pela primeira vez, do poder normativo da Justiça do Trabalho, de modo que se levada a rigor pelos Tribunais do Trabalho, aliados à nova redação do art. 114 § 2º da Constituição, o poder normativo da Justiça do Trabalho estaria esvaziado e praticamente inexistente.

            A exclusão da expressão estabelecer normas e condições, ao nosso entender, exclui qualquer possibilidade de manutenção do poder normativo da Justiça do Trabalho e limita suas decisões aos mínimos preceitos legais e às cláusulas anteriormente negociadas, mas, ainda assim, desde que o conflito coletivo seja fundado no conteúdo e não na existência dessas cláusulas, bem como seja proposto de comum acordo das partes e na forma de arbitragem judicial irrecorrível, como anteriormente.

            O poder criativo da Justiça do Trabalho foi banido quando o legislador propositadamente substituiu a expressão estabelecer normas e condições por decidir o conflito.

            Em sentido contrário é a posição de André Luís Spies [25] que, com base nos anais do Congresso Nacional, sobretudo diante da interpretação feita através da análise dos discursos dos blocos de oposição de idéias (Mendes Ribeiro – PMDB/RS e Ricardo Berzoini – PT/SP) acerca da expressão de comum acordo, onde ambos (um a favor do poder normativo e outro contra) votaram pela manutenção do texto. Isto é, a expressão teria sido o termômetro para a aprovação do texto proposto, mas o poder criativo, ultrapassado esse obstáculo, estaria intacto após a EC n. 45/2004.

            Data vênia, ousamos discordar do ilustre membro do Ministério Público do Trabalho, por considerar que a interpretação da lei, com base em discursos de tribuna de parlamentares, não é suficiente para colocarmos uma pá de cal sobre a questão. A nosso ver, as interpretações literal, gramatical, teleológica e até mesmo histórica, juntas, refletem uma realidade muita mais satisfativa.

            Não podemos considerar que o poder normativo da Justiça do Trabalho permanece intacto, pois o texto constitucional atual excluiu literalmente os poderes de criação de normas e condições de trabalho antes atribuídos ao Judiciário.

            Numa continuidade de raciocínio, o legislador constituinte tinha conferido à Justiça do Trabalho a possibilidade de estabelecer normas e condições, enquanto o novo texto do § 2º do art. 114 confere poderes exclusivos para decidir o conflito. A expressão "estabelecer" deve ser entendida como sinônimo de "criar; instituir", entretanto, a expressão "decidir" está limitada à questão "propugnada pelas partes", às disposições mínimas legais e às cláusulas preexistentes.

            Como já discorrido acima, desde sua criação o poder normativo da Justiça do Trabalho é historicamente criticado e exaustivamente discutido, com defensores e muitos críticos que almejam sua extinção. Por certo, o legislador não excluiria a expressão estabelecer normas e condições se quisesse manter o poder criativo da Justiça do Trabalho, sobretudo diante da forte e larga discussão sobre o tema.

            Com efeito, entendemos que o poder criativo da Justiça do Trabalho está esvaziado e a Justiça do Trabalho não poderá criar normas ou condições de trabalho não existentes na legislação e nos acordos ou convenções coletivas, antes vigentes entre as mesmas partes.

            Para finalizar, na mesma esteira do declinado acima, entendemos pela inaplicabilidade do princípio da rebus sic stantibus à sentença normativa, preconizado no artigo 873 da CLT [26] – dispositivo tornou-se inconstitucional. Exceção se faz pela via negocial direta entre as partes. Isto porque, há evidente limitação de atuação da Justiça do Trabalho em revisar cláusulas preexistentes, sobretudo para criar novas normas e condições de trabalho.


7. Natureza jurídica das decisões coletivas

            Para a análise da natureza jurídica das decisões coletivas mister é o estudo do provimento jurisdicional que se almeja. Excluídas as sentenças cautelares, executórias e de caráter provisório ("que supõe mais um constrangimento judicial sobre o devedor do que uma sentença" [27]), podemos destacar, segundo a teoria clássica, três espécies de sentença:

            a) condenatórias – que conferem o poder de pedir execução judicial, mediante a condenação do réu à determinada prestação;

            b) constitutivas – que criam, modificam ou extinguem uma relação jurídica; e

            c) declaratórias – que afirmam ou negam a existência de uma relação jurídica.

            Em primeiro momento, poderíamos creditar às decisões coletivas a natureza constitutiva, no entanto, as decisões constitutivas pressupõem a criação, modificação ou extinção de relação jurídica, regendo-se pelo princípio da legalidade. Entretanto, considerando vigente o poder criativo/normativo da Justiça do Trabalho, tem-se que a sentença normativa inova a ordem jurídica, criando normas e condições não previstas em lei. Portanto, teria natureza diversa da constitutiva, seria dispositiva, porque dispõe sobre determinada relação jurídica, estabelecendo novas obrigações e direitos, como uma lei entre as partes. [28]

            Há ainda aqueles que conferem natureza dúplice – constitutiva e dispositiva – à sentença normativa. [29] Porque a sentença normativa é constitutiva e dispositiva ao mesmo tempo, uma vez que dispõe sobre normas e condições e constitui às partes à estas novas normas.

            Evidente que, segundo a redação atual do § 2º do art. 114 da Constituição Federal, que excluiu a expressão estabelecer normas e condições, como já exaustivamente tratado nos itens anteriores, também afastou a natureza dispositiva da decisão coletiva.

            Assim, é unicamente constitutiva a natureza jurídica das decisões coletivas em dissídios de natureza econômica e declaratória em dissídios coletivos de natureza jurídica.


8. Atuação do Ministério Público do Trabalho em Dissídio Coletivo

            O papel do Ministério Público do Trabalho nos dissídios coletivos é de grande relevância, substancialmente quando da suspensão dos trabalhos. Cabe-se, contudo, encontrar a limitação dessa intervenção na legislação vigente.

            A lei complementar n. 75/93, em seu artigo 83 e inciso IX, estabelece que, ao Ministério Público do Trabalho, compete promover ou participar da instrução e conciliação em dissídios decorrentes da paralisação de serviços de qualquer natureza. Além disso, os artigos 856 da CLT [30] e 8º da lei n. 7.783/89 [31] determinam que cabe ao Ministério Público do Trabalho instaurar dissídios coletivos de greve de qualquer natureza. O artigo 874 da CLT [32] confere a possibilidade do Ministério Público instaurar dissídios de revisão.

            A Emenda Constitucional n. 45 incluiu dispositivo constitucional antes não existente, através do 3º do art. 114 que dispõe, in verbis: "§ 3º. Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito".

            Discute-se se a nova redação do 3º do art. 114 da Constituição restringiu a atuação do Parquet, por não mais poder tomar partido nas greves estranhas às atividades essenciais. Bem se posiciona sobre a questão o Procurador do Trabalho André Luis Spies [33] dizendo que tais argumentos assumem contornos de somenos, na medida em que greves em setores não essenciais nunca foram prioridades do Ministério Público.

Sobre o autor
Walter Wiliam Ripper

advogado em São Paulo (SP), professor universitário das disciplinas de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho, pós-graduado em Direito Processual Civil, mestrando em Direito do Trabalho pela PUC/SP, membro da Associação Iberoamericana de Direito do Trabalho e da Seguridade Social

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIPPER, Walter Wiliam. Poder normativo da Justiça do Trabalho após a EC nº 45/2004. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 776, 18 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7176. Acesso em: 23 dez. 2024.

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