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A infiltração policial em organizações criminosas como meio de prova

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Agenda 08/02/2019 às 17:30

As organizações criminosas são um problema enfrentado pela coletividade desde os tempos remotos, sabendo-se que esta é tão antiga quanto o surgimento das nações. Porém, ainda que não seja um fato atual, continua sendo um grande desafio enfrentado na sociedade globalizada contemporânea.

RESUMO: As organizações criminosas, pelas peculiaridades inerentes em todas, constituem um verdadeiro problema para a sociedade globalizada contemporânea, a qual, não raro, é aterrorizada de forma constante por estes grupos criminosos organizados. Diante de tal situação o Governo, finalmente, edita a Lei nº 12.850 de 02 de agosto de 2013, que disciplina os meios operacionais para obtenção de provas em organizações criminosas, com a finalidade de conseguir, enfim, desmantelá-las. Dentre os meios especiais de prova, admitidos pela nova lei destaca-se a infiltração policial de agentes, que constitui o cerne do presente estudo. Muitos se perguntam se este meio probatório se justifica, ou se estaria ferindo o princípio do Estado democrático de direito, além de questionarem qual o valor probante desta técnica excepcional. Diante disto indaga-se: a infiltração policial de agentes em organizações criminosas pode servir como parâmetro para uma condenação penal? Este estudo foi concebido para proporcionar ao leitor um entendimento em relação à infiltração policial como meio de prova, mencionando para tanto, conceitos e teorias de vários juristas com a finalidade de demonstrar que este instituto poderá servir como fundamento para uma sentença criminal, desde que não seja utilizada de forma isolada.

Palavras chaves: Agente Infiltrado. Infiltração policial. Meio de prova. Organização Criminosa. Sentença criminal.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO1. ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E A LEI 12.850/13. 1.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA..1.2. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DE ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS.. 1.3. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA SOBRE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA.. 1.3.1. Lei nº 9.034 de 03 de maio de 1995. 1.3.2. Lei nº 12.694, de 24 de julho de 2012. 1.3.3. Lei nº 12.850 de 02 de agosto de 2013. 2. ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E OS MEIOS DE PROVA.. 2.1. CONCEITO E FINALIDADE DE PROVA PENAL.2.2. MEIOS ESPECIAIS DE OBTENÇÃO DE PROVA DA LEI 12.850/13. 2.2.1. Colaboração Premiada. 2.2.2. Captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos. 2.2.3. Ação controlada. 2.2.4. Acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais . 2.2.5. Interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas. 2.2.6. Afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal . 2.2.7. Cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais . 2.2.8. Infiltração policial. 3. O AGENTE INFILTRADO.. 3.1. CONCEITO DE AGENTE INFILTRADO.. 3.2. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA SOBRE INFILTRAÇÃO POLICIAL. 3.3. INFILTRAÇÃO POLICIAL NA LEI 12.850/13. 3.3.1. Requisitos Legais e Procedimentos. 3.3.2. Sigilo acerca das informações. 3.3.3. Direitos do Agente Infiltrado. 3.3.4. Responsabilidade penal do agente infiltrado. 3.3.5. Cessação da Infiltração Policial . 4. A INFILTRAÇÃO POLICIAL COMO BASE PARA UMA CONDENAÇÃO CRIMINAL   4.1. ASPECTO ÉTICO E CONSTITUCIONAL DA INFILTRAÇÃO POLICIAL.4.2. AGENTE INFILTRADO E AGENTE PROVOCADOR.. 4.3. RELATÓRIOS DO AGENTE INFILTRADO.. 4.4. O AGENTE INFILTRADO COMO TESTEMUNHA.. 4.4. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA PROVA OBTIDA POR MEIO DA INFILTRAÇÃO POLICIAL COMO BASE PARA UMA CONDENAÇÃO PENAL. CONSIDERAÇÕES FINAIS.. REFERÊNCIAS.. 


INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como foco a questão da infiltração policial em organizações criminosas como meio de prova, com enfoque principal na problemática jurídica de esta servir como parâmetro para uma condenação criminal, pelo fato de ainda haver na doutrina debates jurídicos sobre o instituto no ordenamento normativo brasileiro.

Este estudo não pretende trazer conceitos novos, e nem o poderia, pois este tema é recorrente, seja na imprensa, seja na doutrina, seja em trabalhos acadêmicos. Destarte a preocupação deste assunto se justifica como forma de contribuição ao estudo do Direito, e também para demonstrar que o instituto ora em comento é eficaz se utilizado de forma correta como meio de prova e, consequentemente, como fundamento para uma sentença penal, desde que acompanhada de outros elementos que a corroborem.

Antes de abordar efetivamente a infiltração policial como meio de prova, o trabalho tratou primeiramente de evidenciar o que é uma organização criminosa, traçando um breve histórico, conceitos e a evolução legislativa pátria sobre o assunto.

As organizações criminosas é um problema enfrentado pela coletividade desde os tempos remotos, sabendo-se que esta é tão antiga quanto o surgimento das Nações. Porém, ainda que não seja um fato atual, continua sendo um grande desafio enfrentado na sociedade globalizada contemporânea, seja pelo fato de influenciar o próprio Governo, seja pelo fato de exercerem suas atividades em diversos seguimentos, de forma ordenada e hierarquizada, dificultando o serviço da segurança pública e do judiciário, no sentido de desmantela-las e aplicar as sanções cabíveis.

Diante da crescente atividade destes grupos criminosos organizados, o Brasil editou a Lei nº 12.850 de 02 de agosto de 2013, conhecida como a Nova Lei de Combate as Organizações Criminosas, que regulamenta os meios extraordinários de obtenção de provas contra estas organizações.

Vencido esta parte inicial, onde o leitor terá uma noção maior do que é uma organização criminosa e dos perigos inerentes a elas, o estudo buscou mostrar quais eram os meios especiais de obtenção de provas para investigar estes grupos criminosos organizados. Para tanto, inicialmente aborda o conceito e finalidade de prova no direito processual penal brasileiro e posteriormente faz uma análise dos meios probatórios extraordinários, tratados na legislação especial.

Dentre os meios de obtenção de provas, encontra-se, no art. 3º, inciso VII, da Lei 12.850/13, a infiltração por agente de polícia em organizações criminosas. Esta norma especial tratou de positivar finalmente o procedimento do instituto do agente infiltrado (undercover agent), o qual estava com muitas lacunas legislativas até então. Diante disto o trabalho busca demostrar o instituto da infiltração policial no Brasil, fazendo uso de conceitos doutrinários e jurisprudenciais e, também, examinando os dispositivos da Lei especial que dispõe sobre o assunto.

O trabalho demonstra, por fim, a infiltração policial como meio de prova para fundamentar uma condenação criminal, tratando desta forma, de assuntos reiterados sobre a matéria pelos operadores do direito, tais como a constitucionalidade da medida e a diferença desta com a figura do agente provocador (L’agent provocateur). O estudo também elucida um tema recorrente na doutrina, qual seja, o agente infiltrado figurar como testemunha.

Para responder a questão central do estudo, o presente trabalho utilizou-se do método exploratório, onde se faz uso de pesquisas científicas sobre o assunto, tais como Legislações, Doutrinas, Jurisprudências, Artigos Jurídicos, Informativos Eletrônicos, dentre outros.


1. ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E A LEI 12.850/13

1.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

O crime organizado, espécie delitiva que vem tomando proporções transnacionais, surgiu há muito tempo, tendo-se notícia das primeiras organizações criminosas nos séculos XVI e XVII, onde as mais conhecidas são as Tríades, Máfias e Yakuza[1]. É importante mencionar que as organizações criminosas daquele período não nasceram com os requisitos de uma associação criminosa, ao revés, elas iniciaram com um ideal motivador e organizacional, no sentido de combater atos autoritários de Imperadores e governantes da época, entretanto esse sentimento acabava sendo corrompido e tornando-se verdadeiras organizações criminosas[2].

Na China, por volta de 1648 surge a Tríades, considerada por muitos autores, como Rafael Pacheco e Eduardo Araújo da Silva, como sendo uma das mais antigas organizações criminosas do mundo[3]. Ela, inicialmente, era uma associação com o fim de reestabelecer a dinastia Ming, porém logo se corrompeu se tornando uma organização que cobrava pela “proteção” dos cidadãos, sendo na realidade uma verdadeira coação e pura extorsão[4].

A Yakusa é outra associação criminosa asiática, que tem origem no Japão feudal. A chantagem corporativa é a atual atividade desta organização no sentido de adquirir ações de empresas e na sequência exigir lucros exagerados, sob pena de revelarem seus segredos aos concorrentes[5].

A Máfia italiana, que talvez seja a organização criminosa mais conhecida mundialmente, seja devido às produções cinematográficas, seja devido às práticas delituosas peculiares inerentes dela, teve início no movimento de resistência contra o rei de Nápoles[6], mas rapidamente se corrompeu tendo como foco a cobrança de segurança.

É importante também mencionar nesse estudo as principais organizações criminosas brasileiras do século passado, quais sejam, as chamadas, Comando Vermelho (CV), que surgiu nos anos 80, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), com surgimento nos anos 90. Essa tinha como foco principal as melhorias dos sistemas carcerários brasileiros fazendo para tanto, revoltas e alguns atos de terrorismo para chamar a atenção da mídia; e aquela tem como atividade basilar o tráfico ilícito de entorpecentes[7].

 Desta forma é possível verificar que as organizações criminosas são tão antigas quanto à própria historia das nações[8], entretanto ainda que não se trate de um fato atual, continua sendo um grande problema enfrentado na sociedade globalizada contemporânea seja pelo fato de influenciar a sociedade e o próprio Estado, seja pelo fato de atuarem em diversos seguimentos de forma ordenada e hierarquizada dificultando assim o serviço da segurança pública e do judiciário, no sentido de desmantela-las e aplicar as sanções cabíveis[9].

As organizações criminosas da atualidade tomaram proporções desastrosas, rompendo os limites dos Estados e tornando-se verdadeiras associações criminosas transnacionais, preocupando muito os chefes de Estados com a nova modalidade de crime organizado onde, não raro, encontra apoio no próprio governo[10].

Diante disto a Organização das Nações Unidas (ONU) afirmou, em declaração política realizada em Nápoles, um mês após a primeira conferência mundial sobre o tema contemporaneidade: a atualidade da manifestação do crime organizado, estar alarmada com o rápido crescimento e a extensão geográfica do crime organizado em suas variadas formas, nacional e internacionalmente, que debilitam o processo de desenvolvimento, diminuem a qualidade de vida, ameaçam os direitos humanos e as liberdade fundamentais[11].

Nesse sentido, é importante se ater ao novo entendimento sobre o aspecto histórico de organizações criminosas, abordado e consubstanciado pelo Ilustre Doutrinador Raúl Zaffaroni[12] que dita:

[...] o “organized crime” como tentativa de categorização é um fenômeno do nosso século e de pouco vale que os autores se percam em descobrir seus pretensos precedentes históricos, mesmo remotos, porque entram em contradição com as próprias premissas classificatórias. É absolutamente inútil buscar o crime organizado na Antiguidade, na Idade Média, na Ásia ou na China, na pirataria etc.

O Penalista de forma exemplar afirma que o crime organizado como é conhecido hoje é inconcebível em uma sociedade pré-capitalista[13], desta forma, apesar da importância dos registros históricos sobre o assunto, o autor faz menção a necessidade de abordar o tema em uma realidade mais atual, com limites históricos do século passado, pelo fato de a criminalidade organizada se adaptar de forma dinâmica as mudanças da sociedade, sempre inovando as formas de adquirir vantagem ilícita[14].

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Atualmente as principais organizações criminosas estão diretamente ligadas ao governo, onde, com ajuda de empresas e de forma totalmente ordenada e hierarquizada, têm como foco os desvios de verbas públicas, fraudes em licitações, tráfico ilícito de armas, lavagem de dinheiro, etc; constituindo-se verdadeiras empresas criminais a qual se tornam extremamente danosas ao Estado[15].

Diante disto fica claro que, as organizações criminosas de hoje em nada se parecem com as primeiras organizações criminosas que surgiram com um ideal motivador, onde se buscava lutar contra governos autoritários, e se corrompiam com o tempo. Atualmente, no mundo globalizado, as associações criminosas não mais agem contra o Estado, com o intuito de formar um Estado Independente, mas agem em conjunto com ele, visando uma vantagem ilícita.

1.2. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DE ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

Inicialmente é importante diferenciar os conceitos de “crime organizado” e de “organização criminosa”, utilizados usualmente como sinônimos.

Ao se conceituar “crime organizado” devem-se analisar inicialmente suas duas palavras que compõe a expressão[16]. A palavra “crime” pode ser entendida por muitos operadores do direito como um fato típico, antijurídico e culpável[17]; entretanto, segundo Pacheco[18], uma visão material de crime se faz mais útil no momento do que uma técnico-jurídica. Desta forma, crime pode ser conceituado materialmente como o reflexo do anseio popular, a concepção da sociedade sobre o que pode e deve ser proibido, mediante a aplicação de sanção penal[19].

Já a palavra “organização” tem sentido de arrumação, assim como associação ou instituição com objetivos definidos. Dentro desta associação existem ações humanas inseridas na atividade organizacional, tendentes a um objetivo comum e delineadas pela vontade e pela racionalidade, bem como dissociadas da vontade geral[20]. Portanto pode-se inferir, inicialmente, que “crime organizado” é um conjunto de pessoas com um mesmo objetivo para o cometimento de ilícitos penais de maneira ordenada e planejada.

Entretanto, Pacheco[21] leciona que o uso da expressão “crime organizado” não é adequado, pois não é o crime que se organiza, mas sim, os elementos humanos. Ou seja, o que quer que seja crime organizado, este é praticado por uma organização criminosa. Desta forma, a preocupação deve ser a definição conceitual de “organização criminosa”, pois aquele é apenas uma consequência das ações desta[22].

Apesar da importância conceitual do assunto, ainda é muito complicado achar uma definição que atenda todas as peculiaridades e formas deste tipo de organização, dada a matéria ser bastante controvertida. Vale ressaltar que, esse tipo de criminalidade, sempre está evoluindo e se transformando, buscando não somente formas mais lucrativa de atuação, mas também escapar da persecução penal[23].

Prado[24] conceitua as organizações criminosas como verdadeiras estruturas “empresariais”, hierarquicamente organizadas e com funções definidas, tendo como finalidade a prática delituosa reiterada.

Para Blat apud Pacheco[25], organização criminosa é:

Uma organização com duas ou mais pessoas que estão engajadas em uma estrutura hierárquico-piramidal, com divisão de tarefas, contando sempre com a participação de agentes públicos e tendo como objetivo principal a obtenção de poder e dinheiro, em uma base territorial.

O jurista em sua conceituação estipulou um quantum de duas pessoas, vale lembrar, que na época que doutrinador conceituou ainda não haviam sido editadas as Leis 12.694/12 e 12.850/13, as quais estipulam o quantum de três e quatro pessoas respectivamente para que se configure uma organização criminosa. Entretanto, este conceito abarcou a estrutura piramidal, inerente a este tipo de associação, além de fazer menção de que sempre haveria participação de agentes públicos, numa clara alusão que as organizações criminosas atualmente precisam do Estado para desempenharem suas atividades, sendo assim tendo de corrompê-lo[26].

Para Martins “ao se falar de organização criminosa, logo, se imagina um agrupamento de pessoas com um mesmo objetivo ilegal, ou seja, uma reunião de pessoas que se estruturam para colocar em prática um crime, um delito, algo reprovável pela legislação”.

Marcelo Mendroni[27] afirma que:

“são inúmeras as organizações criminosas que existem atualmente. Cada uma assume caraterísticas próprias e peculiares, amoldadas às próprias necessidades e facilidades que encontram no âmbito territorial em que atuam. Condições políticas, territoriais, econômicas, sociais, etc., influem decisivamente para o delineamento destas características, com saliência para umas ou outras, sempre na conformidade das atuações e com o objetivo de obter maiores fontes de renda.”.

O jurista lembra que é extremamente difícil conceituar de forma inequívoca organização criminosa, devido a sua expansão atual, onde suas atividades se inserem em diversos seguimentos. Revela também o doutrinador que as condições políticas e econômicas diferenciam uma organização de outra.

A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em Nova Iorque (Convenção de Palermo), entende por grupo criminoso organizado como:

[...] grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente um benefício econômico ou outro benefício material [...]

Destarte é possível verificar que existem várias definições sobre organizações criminosas, não sendo pacífico seu conceito. A doutrina brasileira atual baseia-se no conceito trazido pela Lei 12.850/13, tema que será abordado mais adiante. Entretanto, os juristas majoritariamente elencam uma série de características que dizem ser essencial a todas as organizações criminosas.

 Nesse sentido, Ana Flávia Messa[28] enumera como requisitos: a complexidade estrutural, divisão orgânica hierárquica, divisão funcional, divisão territorial, estreitas ligações com o Poder Estatal, atos de violência, vantagem ilícita, capacidade econômica elevada, capacitação funcional, poder de intimidação, clandestinidade, caráter transnacional, danosidade social de alto vulto, associação estável e permanente com planejamento e sofisticação de meios e impessoalidade da organização[29].

Fato é que, todas as organizações criminosas têm um sistema piramidal e estreito relacionamento com a comunidade[30], onde se faz uso da “lei do silêncio” com coação contra a população. Independentemente da definição empregada ou de que forma o crime organizado se apresente, é latente sua lesividade à sociedade e às instituições democráticas do Estado[31].

Desta forma os Estados tomam medidas legislativas especiais em face da nova espécie de criminalidade, especialmente o terrorismo, e os delitos contra a humanidade, constituindo, então, um chamado “Direito Penal de criminalidade diferenciada” que não se opõe ao Estado Democrático de Direito, porque se encontra dentro do sistema democrático e exatamente visa preservar os seus valores[32].

1.3. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA SOBRE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

1.3.1. Lei nº 9.034 de 03 de maio de 1995

Grandes organizações criminosas surgiram nos anos 80 e 90 no Brasil, onde, de longe, era possível verificar as atrocidades que tais organizações cometiam. Entre elas se destacavam o Primeiro Comando da Capital, com atividades de tráfico ilícito de entorpecentes, e o Comando Vermelho, com diversas rebeliões em presídios brasileiros. Além disso, várias associações criminosas com atividades ilícitas, tais como tráfico de órgãos, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, terrorismo, contrabando e descaminho, e os chamados “crimes do colarinho branco” estavam em uma onda crescente nessas décadas[33], exigindo do Estado uma legislação especial para tratar sobre o assunto.

Destarte, o Estado de forma a coibir as atitudes destas organizações criminosas, que se adequam e se modificam as tendências do mundo moderno, utilizou-se do conceito do “direito penal de criminalidade diferenciada”, no sentido de tratar sobre o assunto de forma específica[34]. Nesse sentido, o então Deputado Federal Michel Temer propôs o Projeto de Lei nº 3.550 de 1989, que tinha a finalidade de tratar dos meios operacionais para se prevenir e reprimir os crimes cometidos pelas organizações criminosas.

O projeto de lei que seria posteriormente convertido na Lei nº 9.034/95 tem como justificativa uma maior proteção à sociedade proporcionando meios eficazes às instituições que atuam no combate ao crime organizado. Vejamos:

[...] Pelas projeções assumidas e os imensuráveis danos causados à sociedade internacional, à ordem econômico-financeira e instituições públicas e privadas, necessária se faz a utilização diferenciada dos meios de prevenção e repressão das atividades desses grupos que se assemelham, sem exageros, a "empresas multimilionárias" a serviço do crime e da corrupção generalizada. É óbvio que o remédio combativo há que ser diverso daquele empregado na prevenção e repressão às ações individuais, isoladas, tal qual se verifica quando de um atropelamento ou o furto de um botijão de gás, ainda que doloso.

O projeto de lei que ora se defende, e que tem por objeto jurídico a proteção da sociedade, visa a proporcionar meios operacionais mais eficientes às instituições envolvidas no combate ao crime organizado - (polícia, Ministério Público e Justiça) dotando-as de permissivos legais controlados, como ocorre nos mais civilizados e democráticos países do mundo, onde os resultados obtidos no combate à ação delituosa são bem melhores que no Brasil.[...][35].

Dessarte, o Estado com a finalidade de disciplinar formas mais eficazes de cautela e de coerção às organizações criminosas, converteu o Projeto de Lei nº 3.550/89 na Lei nº 9.034/95 que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas.

O referido diploma legal positivava em seu art. 1º que “Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versarem sobre crime resultante de ações de quadrilha ou bando”. Diante disto firmou-se um enorme debate doutrinário sobre o objeto da lei, ou seja, se para efeitos legais “Quadrilha ou bando” era sinônimo de “Organização criminosa”, uma vez que a supracitada lei não conceituou o que viria a ser Organização Criminosa.

Vale ressaltar que, a Lei 9.034/95 não deixou apenas esta lacuna, tendo sido esta muito criticada por diversos doutrinadores, como Pacheco e Greco, pelas suas obscuridades em diversos artigos, o que se verá mais adiante.

Em 2001 com o advento da Lei nº 10.217 foi alterado os artigos 1º e 2º da Lei 9.034/95 que passou a vigorar da seguinte maneira:

Art. 1º.Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo.(Redação dada pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001)

Art. 2o Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:(Redação dada pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001)

IV – a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial;(Inciso incluído pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001)

V – infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial.(Inciso incluído pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001)

Parágrafo único. A autorização judicial será estritamente sigilosa e permanecerá nesta condição enquanto perdurar a infiltração.(Parágrafo incluído pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001)

Com este novo texto legal criou-se mais obscuridades sobre a norma em comento uma vez que o legislador demonstrou que quadrilha ou bando não se confunde com organização criminosa, e pelo fato de a Lei não conceituar o que seria “organizações criminosas” a norma se tornou extremamente vaga.

Gomes defende que “Organização criminosa, [...] no ordenamento jurídico brasileiro, é uma alma, uma enunciação abstrata em busca de um corpo, de um conteúdo normativo que atenda ao princípio da legalidade.”. O autor defende que a lacuna deixada pelo legislador da Lei 9.034/95 fazia com que a norma se tornasse inaplicável, até que o advento de uma Lei em sentido material e formal tratasse sobre o assunto.

Dada a clara omissão legislativa sobre o tema, os operadores do direito (Delegados, Ministério Público e Juízes), com vistas a poder aplicar a norma que se fazia de suma importância para o ordenamento pátrio, uma vez que era necessário que o Estado coibisse atitudes ilícitas praticadas pelas Organizações criminosas, utilizaram-se do conceito trazido pela Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), aprovado pelo Decreto Legislativo nº 231/03 e promulgado pelo Decreto nº 5.015/04 o qual define “grupo criminoso organizado” como sendo:

[...] grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;

Entretanto, apesar de os operadores do direito estarem se valendo do conceito trazido pela Convenção de Palermo, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 231, de forma a exercer tão logo a Lei nº 9.034/95, o Supremo Tribunal Federal (STF) em HC 96.007/SP, tendo como Relator o Ministro Marco Aurélio, julgou em sentido contrário ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tratando a conduta “Organização criminosa”, prevista no artigo 1º, inciso VII, da Lei 9.613/98 (Lavagem de Dinheiro), como atípica por ferir o princípio da Reserva Legal e da Anterioridade, prevista ambas no artigo 5º, inciso XXXIX, da Magna Carta da República.

O Habeas Corpus que trancou a Ação Penal que corria contra os membros da Igreja do Renascer, acusados de “lavagem de dinheiro” de fies, teve como argumento, do então Relator, que:

[...] a concepção de crime, segundo o ordenamento jurídico constitucional brasileiro, pressupõe não só encontrar-se a tipologia prevista em norma legal, como também ter-se, em relação a ela, pena a alcançar aquele que o cometa. Conjugam-se os dois períodos do inciso XXXIX em comento para dizer-se que, sem a definição da conduta e a apenação, não há prática criminosa glosada penalmente.

Por isso, a melhor doutrina sustenta que, no Brasil, ainda não compõe a ordem jurídica previsão normativa suficiente a concluir-se pela existência do crime de organização criminosa [...][36].

A Ministra Cármen Lúcia[37], em 2012, julgou procedente o Habeas Corpus, seguindo desta forma o Relator e sendo unânime a Decisão da Turma, tendo como fundamento o seguinte:

[...] a doutrina majoritária, inspirada por alguns dos mais importantes princípios orientadores do Direito Penal (notadamente pelos princípios da reserva legal, da anterioridade e da proibição do excesso) defende ser atípica a organização criminosa. [...]

Após esse entendimento, a Lei 9.034/95 e o disposto no artigo 1º, inciso VII, da Lei nº 9.613/98 (Lavagem de Dinheiro) tornaram-se inaplicáveis, visto não haver uma norma jurídica penal brasileira que definia o que era Organização Criminosa. Nesse momento uma enorme insegurança jurídica tomou conta, a qual somente foi sanada com o advento da Lei nº 12.694 de 2012.

1.3.2.  Lei nº 12.694, de 24 de julho de 2012

A Lei nº 12.694/12, que dispõe sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas, acabou com o grande debate jurídico que rodava em torno da aplicabilidade da Lei nº 9034/95, visto que em seu artigo 2º a norma deu finalmente o conceito de organização criminosa, in verbis:

Art. 2o Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional[38]. 

É possível verificar que o conceito dado pela Lei é um pouco similar ao dado pela Convenção de Palermo, tanto no quantum qual seja três ou mais pessoas, quanto na estrutura piramidal inerente a uma organização criminosa. O conceito dado a Lei 12.694/12 também faz menção a prática de “crimes”, restando desta forma que à época não existia organizações criminosas que cometesse contravenções, além de ter estipulado uma pena mínima para que se fosse considerada organização criminosa, qual seja quatro anos, ou qualquer que fosse a pena em caso de crime transnacional.

Para Rogerio Sanches cinco são os requisitos para que se caracterize uma organização criminosa, segundo a Lei 12.694/12 que são:

1. É imprescindível a reunião sólida (quanto a estrutura) de um número plural de pessoas

2. A caracterização da organização criminosa depende da existência de hierarquia e divisão de funções.

3. A finalidade da organização deve ser a obtenção de vantagem (não necessariamente econômica)

4. Percebe-se que, no Brasil, a organização criminosa não precisa ter, obrigatoriamente, caráter transnacional. Se nacional, depende da prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 anos; se transnacional, essa restrição objetiva desaparece.

5. Não se confunde com quadrilha ou bando:[39]

Com o advento da Lei 12.694/12 foi possível aplicar muitos dispositivos dos meios operacionais para se prevenir e reprimir os crimes cometidos pelas organizações criminosas tratados na Lei 9.034/95, quando não estruturados por quadrilha ou bando, uma vez que se tinha o conceito do objeto da legislação, apesar de a Lei 9.034/95 ter bastantes lacunas tornando inviável a aplicação de alguns dispositivos mesmo com o conceito de organização criminosa.

 Entretanto a Lei 12.694/12 não tratou organização criminosa como um ilícito penal, desta forma, ainda que o conceito legal conseguisse que fosse reaplicada a Antiga Lei de Organizações Criminosas, este não podia ser utilizada como parâmetro de crime para, por exemplo, se configurar o delito de Lavagem de Dinheiro (o qual já havia tido o rol taxativo de crimes antecedentes revogados pela Lei nº 12.683/12), onde ainda é necessário uma infração penal preexistente para sua configuração[40].

A novidade trazida pela Lei não se exauriu com o conceito de organização criminosa, sendo uma das principais inovações o fato de o juízo de primeiro grau poder se colegiar para julgar crimes relativos às organizações criminosas, como dita o artigo 1º da lei em destaque:

Art. 1o - Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente:

I - decretação de prisão ou de medidas assecuratórias; 

II - concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão;

III - sentença;

IV - progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena;

V - concessão de liberdade condicional;

VI - transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima; e

VII - inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado.

A temática do colegiado em juízo de primeiro grau para crimes praticados por Organizações Criminosas já foi bastante debatido na Doutrina e Jurisprudência, no sentido de que se realmente era viável este colégio no juízo a quo ou se estaria adentrando no conceito do Juiz sem rosto, o qual é proibido no Brasil pelo fato de ferir o principio do juiz natural. O assunto restou vencido após STF deliberar na ADI 4.414/AL pela constitucionalidade da Lei Estadual nº 6.806/07 de Alagoas na parte onde se fazia menção ao colegiado, como se pode verificar em:

[...]a composição colegiada do órgão jurisdicional é fator que desestimula e dificulta a ação de meliantes, dando conforto e segurança aos componentes do juízo para decidir de acordo com o direito. Corroborando essa conclusão, o II Pacto Republicano de Estado, assinado em 2009 pelos Presidentes da República, Senado Federal, Câmara dos Deputados e Supremo Tribunal Federal, estabelece como diretriz, para garantir maior celeridade e efetividade à prestação jurisdicional, a criação de colegiado para julgamento em primeiro grau de crimes praticados por organizações criminosas, visando trazer garantias adicionais aos magistrados, em razão da periculosidade das organizações e de seus membros.

[...]

Colocados esses argumentos, imperioso concluir pela constitucionalidade de todos os trechos da Lei impugnada que fazem referência à 17ª Vara Criminal de Alagoas como um colegiado[41].

Desta forma a Lei 12.694/12 inovou a ordem jurídica trazendo o conceito de organização criminosa, em sentido parecido com o que o Brasil já vinha adotando, qual seja, o conceito da Convenção de Palermo, e introduziu a possibilidade de magistrados de primeiro grau julgarem de forma colegiada crimes cometidos por  organizações criminosas, dando mais segurança jurídica.

1.3.3.  Lei nº 12.850 de 02 de agosto de 2013

Após 17 anos sem um conceito legislativo de organização criminosa e um ano somente após a Lei 12.694/12 dar este conceito a Lei 12.850/13, que trata sobre organização criminosa e dispõe sobre a investigação e o procedimento criminal das infrações penais correlatas, concebeu um novo conceito de organização criminosa, que dita em seu paragrafo 1º do artigo 1º in verbis:

§ 1o - Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Verifica-se desta forma que houve duas modificações importantes, a primeira é relativo ao quantum, que antes era de três e agora passa a ser de quatro pessoas para que se configure uma organização criminosa, e o segundo é o termo infração penal mostrando claramente que é possível uma organização criminosa que pratique contravenção e/ou crimes. Vale ressaltar que o Projeto de lei que viria a ser convertido na lei em comento, em seu texto original não fazia essas modificações.

Pereira e Silva apud Jonh[42], aponta quatro diferenças dos conceitos, quais sejam:

1)O número mínimo de integrantes exigidos na nova compreensão legal passa a ser de 4 (quatro) pessoas, e não apenas 3 (três) como previa a lei anterior.

2) A nova definição deixa de abranger apenas crimes, passando a tratar sobre infrações penais, que incluem crimes e contravenções (art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal). Além disso, abarca infrações punidas com pena máxima superior a 4 (quatro) anos, e não mais as com pena máxima igual ou superior a este patamar.

3) A prática de crimes com pena máxima igual a 4 (quatro) anos, que incluem o furto simples (art. 155, CP), a receptação (art. 180, CP), a fraude à licitação (art. 90, Lei 8.666/90), restaram afastados da possibilidade de incidirem como crime organizado pelo novo conceito legal. Embora o contrabando e o descaminho (art. 318, CP) tenham pena máxima igual a 4 anos, estes são essencialmente transnacionais, razão pelo qual não estão excluídos na nova conceituação legal.

4) A nova compreensão legal inovou também ao estender o conceito às infrações penais previstas em Tratados Internacionais quando caracterizadas pela internacionalidade; e ainda aos grupos terroristas internacionais.

Vale ressaltar que, a Nova Lei de Combate ao Crime Organizado não revogou expressamente o conceito de organização criminosa dada pela Lei 12.694/12. Diante disso a doutrina se dividiu no sentido de, a Lei 12.850/13 (Nova Lei de Organização Criminosa) ter revogado tacitamente ou não o antigo conceito em comento, isto porque a Lei que autoriza a criação de Colegiado de Juízes em primeiro grau (Lei 12.694/12), para julgar crimes cometidos por organizações criminosas, dispõe em seu art. 2º que: “Para efeitos desta lei, considera-se...”. Destarte, alguns autores[43] se posicionam no sentido de os dois conceitos coexistirem, sendo um para a criação de colegiados em primeiro grau, ou seja, tratando-se de mateira processual penal; enquanto que o novo conceito seria para a investigação e tipificação do delito de integrar em organização criminosa, ou seja, tratando-se de matéria penal.

Pensando desta forma, o conceito trazido pela Lei 12.694/12 seria meramente processual enquanto que o da Lei 12.850/13 seria material. Entretanto a insegurança jurídica que a coexistência de dois conceitos distintos cria é tamanha que não justifica optar por ela. É só imaginar a seguinte situação hipotética: em um determinado fato trazido a juízo para apreciação, não está configurada a existência de organização criminosa nos exatos moldes do artigo 2º da Lei nº 12.694/12. Isto porque, embora haja três pessoas, não foram praticados crimes, mas contravenções penais. Assim, não é possível instaurar o colegiado de juízes na primeira instância[44].

No mesmo sentido Bitencout[45] dita que:

Seria um verdadeiro paradoxo, gerando, inclusive, contradição hermeneuticamente insustentável, utilizar um conceito de organização criminosa para tipificação e caracterização do referido tipo penal e suas formas equiparadas, e adotar outro conceito ou definição para que o seu processo e julgamento fossem submetidos à órgão colegiado no primeiro grau de jurisdição, nos termos da Lei 12.694/2012.

Vale ressaltar que o §1º do artigo 2º do Decreto-Lei nº 4.657/42 (Lei de Introdução das Normas Brasileiras) disciplina que:

§ 1o - A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

Destarte, é possível afirmar que a Lei 12.850/13 revogou tacitamente o artigo 2º da Lei 12.694/12, pelo fato daquela tratar inteiramente da matéria, ou seja, do conceito de organização criminosa, onde esta a conceituava apenas para “os efeitos desta Lei”. Apesar de haver posicionamentos contrários[46], a doutrina majoritária vem consolidando o entendimento de que o conceito dado pela Lei 12.850/13 é o único vigente atualmente no ordenamento jurídico.

Desta forma, para se constituir um juízo colegiado em primeiro grau para o julgamento de Organizações Criminosas, pelo fato de iminente risco ao magistrado, será utilizado como parâmetro o novo conceito dado pela Lei 12.850/13. Esse também é o entendimento do Ilustre Doutrinador Luis Flávio Gomes que explicita:

[...] Se o conceito de crime organizado está dado pela nova lei, aos juízes competem seguir a nova lei, respeitando o seu conceito de crime organizado, que nada mais é que a soma dos requisitos típicos do art. 2º com a descrição de organização criminosa do art. 1º [47].

A Nova Lei de Organizações Criminosas também inovou a ordem jurídica no sentido de finalmente tratar organização criminosa como crime, restando claro em seu artigo 2º, in verbis:

Art. 2o - Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

Desta forma é possível concluir que o crime de lavagem de dinheiro tratado na Lei nº 9.613/98, o qual para se configurar deve-se ter uma infração penal antecedente, poderá utilizar da tipificação de organização criminosa dado pela Lei nº 12.850/13 como delito penal preexistente, algo que já causou muitos debates jurídicos já mencionados neste trabalho.

Segundo Greco Filho[48] a definição das condutas como crime é nova, sendo assim se aplicando a partir da validade da lei, mas trata-se de crime permanente de modo que, ainda que constituída antes, se mantida a organização após a vigência incide a nova lei penal. Cunha e Pinto[49], também fazem menção a esta regra quando dizem que “Novatio legis incriminadora, o tipo, obviamente, não retroage para alcançar os fatos esgotados antes da vigência da nova ordem legal.”.

O crime tratado na lei em comento absorve o previsto no artigo 288 do Código Penal, alterado pela Lei 12.850/13 para Associação Criminosa. Entretanto, quando se trata do crime de Associação para o tráfico de drogas o tema fica um pouco mais capcioso pelo fato de o tipo penal tratado na Lei nº 11.343/06 (Tráfico de Drogas) ter menos elementos do que o crime de Organização Criminosa, como se pode verificar em:

Art. 35.Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.

Verifica-se que no crime de associação para o tráfico há a necessidade de se associarem apenas duas pessoas ao passo que o delito de organização criminosa faz obrigatório se ter no mínimo quatro, além disto, é importante observar que o artigo 35 da Lei 11.343/06 faz menção a pratica dos crimes previsto nos artigos 33, caput e § 1º e 34 do mencionado diploma normativo, enquanto que na Lei 12.850/13 faz uso da expressão “infrações penais”, além de que a pena de Associação para o tráfico é mais gravosa do que a do delito de organização criminosa.

Com o fim de solucionar o tema ora abordado Greco Filho explicita que:

Mais complexa é a relação com o crime de associação para o tráfico de drogas (art. 35 da Lei n. 11.343/2006). O crime de associação para o tráfico tem menos elementos do que o crime de organização criminosa. Basta a união de duas pessoas com ânimo associativo com o fim de praticar crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 da Lei de Drogas, desnecessários os demais requisitos do artigo comentado. Acontece que pode, e isso comumente acontece, formar-se organização criminosa, como todos os elementos desta lei para a prática do tráfico de drogas. Uma análise superficial poderia levar à conclusão de que a associação para o tráfico, como o art. 288 seria subsidiário no art. 2º desta lei. Acontece que a associação para o tráfico tem pena maior, de reclusão, de 3 a 10 anos. Crime com pena maior não pode ser subsidiário de outro com pena menor, ainda que seus elementos estejam totalmente naquele contidos. Deve aplicar-se, então, outro princípio, o da especialidade, de modo que, ainda que estejam presentes todos os elementos do crime de organização criminosa, se o crime visado é o tráfico de drogas, o crime é o do art. 35 da Lei n. 11.343/2006. Ambos cumulativamente jamais, porque haveria bis in idem inadmissível[50].

Como se pode verifica a Lei nº 12.850/13 trouxe muitos novos conceitos fazendo com que diversos debates jurídicos travados antes do advento dela fossem pacificados na Doutrina, porém a norma jurídica em comento não tratou apenas de conceituar e tipificar organização criminosa, trouxe também em seu corpo importantes institutos acerca dos meios de prova especiais que se poderão valer os operadores de direito para a persecução penal e para o procedimento judicial, e é este tema que será tratado agora.

Sobre o autor
Luciano Garcia Santos

Pós graduado em Direito Público pela Faculdade UnYLeYa

Informações sobre o texto

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