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Animais: maus-tratos e sua repercussão penal

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Agenda 06/06/2019 às 15:05

Atualmente, a Lei dos Crimes Ambientais tem sido insuficiente, com penas irrisórias para casos de maus-tratos a animais, deixando a sensação de impunidade e gerando maior criminalidade.

RESUMO: Este artigo tem como objetivo a discussão acerca do crime de maus-tratos envolvendo os animais à luz da legislação protetiva e do viés do Direito Penal e Direito Animal, sendo feitas considerações sobre as leis existentes e inovações por vir. Assim, através do método dedutivo e da pesquisa, vem traçado um panorama a respeito do tema, com vistas ao respeito e à dignidade dos animais e consequente punibilidade para os agressores.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Animal. Crime. Maus-tratos. Senciência. Proteção legal.


1 INTRODUÇÃO

"Você conhece o coração de um homem já na forma como ele trata os animais." 

Immanuel Kant

Propõe-se uma reflexão sobre o crime de maus-tratos contra animais, consistente em agressões gratuitas e atos de violência desnecessários, que logrem machucar, mutilar, matar, torturar e impor sofrimentos aos animais (BECHARA, 2003, apud GOMINHO e BARBOSA). Esse tema é de suma importância, visto o aumento de delitos aviltantes, crueldades e desrespeito contra os seres não humanos, mas dotados de vida e senciência, isto é, capacidade de sofrer, sentir prazer ou felicidade; competência de receber e reagir a um estímulo de forma consciente; reconhecimento que um ser é capaz de vivenciar sentimentos como dor, angústia, solidão, amor, alegria e raiva; percepção da capacidade que todos seres animais possuem de forma consciente (SINGER, 2002).

Este artigo deve contribuir para a conscientização da sociedade, dado que tal delito não pode mais ser tolerado nos tempos atuais, vez que os animais não possuem meios de se defender e de procurar os seus direitos. O escopo do trabalho é o estudo sobre o crime de maus-tratos contra animais. É feito um retrospecto histórico, até à atualidade sobre os Direitos dos Animais, com análise da legislação que confere proteção aos seres não humanos e sua relação com o Direito Penal brasileiro. São enumerados conceitos, jurisprudências e projetos do Congresso acerca do tema.


2 MATERIAL E MÉTODOS

Foi utilizada linha de pesquisas exploratória e bibliográfica, com procedimentos técnicos, artigos, “sites”, estudos de casos, decisões, jurisprudências, comparação de dados e análises de todos os materiais. O método de procedimento se efetivou pelo estudo e investigação de doutrina e obras científicas, que estejam relacionadas com o tema do presente trabalho.

O ensaio adotará como metodologia uma revisão bibliográfica do tema abordado, com base na pesquisa exploratória, explicativa e no estudo de casos. O método de abordagem é o dedutivo, buscando-se elementos, através da análise do texto legal, de obras doutrinárias, de artigos de revistas jurídicas, de publicações nos meios eletrônicos, de casos concretos e de jurisprudências, a fim de se aprofundar sobre a matéria.


3 PANORAMA HISTÓRICO

No século VI A.C., Pitágoras já falava sobre o respeito aos animais. Em 1750, Jean Jacques Rousseau, na obra “Discursos sobre a Desigualdade”, defendeu os animais. Proclamou que eles, também, tinham direitos naturais, sustentando que um teria o direito de não ser desnecessariamente maltratado pelo outro (CAIXETA, 2018).

Em 1776, Humphry Primatt e, em 1789, Jeremy Bentham foram os precursores da proteção aos animais. Bentham argumentou que a dor animal é tão real e moralmente relevante como a dor humana e que, talvez, chegue o dia em que o restante da criação animal adquira os direitos, dos quais jamais poderia ter sido privada, a não ser pela mão da tirania. Ainda, declarou que a capacidade de sofrer deve ser a medida para tratarmos os outros seres e não a capacidade de raciocínio. Se a habilidade da razão fosse critério, muitos humanos, incluindo bebês e pessoas especiais, também deveriam ser tratados como coisas, consoante seu célebre ditado: “A questão não é: eles pensam? Ou: eles falam? A questão é: eles sofrem”(BENTHAM, 1984),

Em 1975 Peter Singer lançou a obra “Libertação Animal”, considerada a bíblia do movimento de Direitos Animais. Contudo, ela não contempla direitos morais, nem legais aos animais não humanos, pois se baseia no utilitarismo[1].

Na década de 80, Tom Regan lançou importantes obras – “The Case for Animal Rights” e “Jaulas Vazias” –, defendendo a inclusão de animais não humanos na comunidade moral, tendo como base a noção de animais como "sujeitos-de-uma-vida".         

Na década de 90, destaca-se Gary Francione, defendendo a inclusão de todos os animais sencientes na comunidade moral. Afirma ele que a senciência é o único determinante válido para o “status” moral. Sua visão é abolicionista:todos animais não humanos deveriam ter o direito básico de não serem tratados como propriedade.


4 CONCEITOS

4.1 Direito Animal

O animal ainda não é considerado por sua individualidade ou sofrimento, mas sim, por aquilo que venha a render para quem o explora. Inclusive recebe um novo Código Linguístico, que omite sua condição de ser senciente. No Direito Civil é tratado de “coisa” ou “semovente”; no Direito Penal, “objeto material”; no Direito Ambiental, “bem” ou “recurso natural” e no Agronegócio, “rebanho”,“plantel”, “cabeças”, “peças” ou “matrizes” (LEVAI, 2006).Neste cenário surge o Direito Animal, que versa sobre um novo e essencial ramo do Direito, visando à proteção, à tutela, à dignidade dos animais, especialmente à defesa de direitos fundamentais, como vida, respeito e integridade física, com escopo de reprimir atos de violência, maus-tratos e atrocidades.

4.2 Maus-tratos e crueldade

Pratica um ato antissocial, covarde, vil e passível de punição quem comete maus-tratos e crueldade contra animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. Tais agressões praticadas pelo homem contra os animais podem ocorrer de diversas formas. Custódio preleciona (1997, p. 61):

A crueldade contra animais é toda ação ou omissão, dolosa ou culposa (ato ilícito), em locais públicos ou privados, mediante matança cruel pela caça abusiva, por desmatamentos ou incêndios criminosos, por poluição ambiental, mediante dolorosas experiências diversas (didáticas, científicas, laboratoriais, genéticas, mecânicas, tecnológicas, dentre outras), amargurantes práticas diversas (econômicas, sociais, populares, esportivas como tiro ao voo, tiro ao alvo, de trabalhos excessivos ou forçados além dos limites normais, de prisões, cativeiros ou transportes em condições desumanas, de abandono em condições enfermas, mutiladas, sedentas, famintas, cegas ou extenuantes, de espetáculos violentos como lutas entre animais até a exaustão ou morte, touradas, farra de boi, ou similares), abates atrozes, castigos violentos e tiranos, adestramentos por meios e instrumentos torturantes para fins domésticos, agrícolas ou para exposições, ou quaisquer outras condutas impiedosas resultantes em maus tratos contra animais vivos, submetidos a injustificáveis e inadmissíveis angústias, dores, torturas, dentre outros atrozes sofrimentos causadores de danosas lesões corporais, de invalidez, de excessiva fadiga ou de exaustão até a morte desumana da indefesa vítima animal.

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De assinalar-se, também, que as indústrias alimentícias e farmacêuticas são instrumentos torturadores de animais. No Brasil, 1,3 milhão de animais são usados por ano para testes científicos. A jaula da porca reprodutora, que pesa cerca de 140 kg, é do tamanho de uma geladeira; ela sai da jaula apenas para parir, seus filhotes são desmamados à força e a porca é inseminada novamente. Quando ela não pode mais engravidar é descartada como uma máquina velha. Em laboratórios, coelhos são totalmente imobilizados, sem poder piscar, enquanto cientistas pingam substâncias em seus olhos. A tortura pode durar dias, até que o animal venha a ser sacrificado. Na produção de leite, as vacas ficam confinadas em cubículos, junto com suas próprias fezes, forçadas a produzir leite a mais. Vivem cerca de 6 anos, quando o normal seria 20 anos, visto que produzem cerca de 50 litros por dia, o triplo do que seria o normal. Os bezerros machos, considerados inúteis, são mortos ao nascer. Há ainda diversas outras práticas utilizadas (GARATTONI & SZKLARZ, 2018).


5 PRINCIPAIS LEGISLAÇÕES E DECISÕES

Importa, contudo, reconhecer que vem sendo superado o entendimento de que os animais são apenas coisas, sem nenhuma proteção jurídica. Assim, vale destacar as seguintes legislações protetivas:

5.1 Nível internacional

Em Bruxelas, na Bélgica, em 1978, foi proclamada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura),  a “Declaração Universal dos Direitos dos Animais”, que possui preâmbulo e extenso rol de direitos,visando ao bem-estar animal. É uma das principais legislações mundiais quanto à proteção à fauna:

ARTIGO 1: Todos os animais nascem iguais diante da vida,e têm o mesmo direito à existência.

ARTIGO 2: a) Cada animal tem direito ao respeito. b) O homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais, ou explorá-los, violando esse direito. Ele tem o dever de colocar a sua consciência a serviço dos outros animais. c) Cada animal tem direito à consideração, à cura e à proteção do homem.

ARTIGO 3: a) Nenhum animal será submetido a maustratos e a atos cruéis. b) Se a morte de um animal é necessária, deve ser instantânea, sem dor ou angústia.

ARTIGO 4: a) Cada animal que pertence a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu ambiente natural terrestre, aéreo e aquático, e tem o direito de reproduzir-se. b) A privação da liberdade, ainda que para fins educativos, é contrária a este direito.

ARTIGO 5: a) Cada animal pertencente a uma espécie, que vive habitualmente no ambiente do homem, tem o direito de viver e crescer segundo o ritmo e as condições de vida e de liberdade que são próprias de sua espécie. b) Toda a modificação imposta pelo homem para fins mercantis é contrária a esse direito.

ARTIGO 6: a) Cada animal que o homem escolher para companheiro tem o direito a uma duração de vida conforme sua longevidade natural b) O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.

ARTIGO 7: Cada animal que trabalha tem o direito a uma razoável limitação do tempo e intensidade do trabalho, e a uma alimentação adequada e ao repouso.

ARTIGO 8: a) A experimentação animal, que implica em sofrimento físico, é incompatível com os direitos do animal, quer seja uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra. b) As técnicas substutivas devem ser utilizadas e desenvolvidas

ARTIGO 9: Nenhum animal deve ser criado para servir de alimentação, deve ser nutrido, alojado,transportado e abatido,sem que para ele tenha ansiedade ou dor.

ARTIGO 10: Nenhum animal deve ser usado para divertimento do homem. A exibição dos animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal.

ARTIGO 11: O ato que leva à morte de um animal sem necessidade é um biocídio, ou seja, um crime contra a vida.

ARTIGO 12: a) Cada ato que leve à morte um grande número de animais selvagens é um genocídeo, ou seja, um delito contra a espécie. b) O aniquilamento e a destruição do meio ambiente natural levam ao genocídeo.

ARTIGO 13: a) O animal morto deve ser tratado com respeito. b) As cenas de violência de que os animais são vítimas, devem ser proibidas no cinema e na televisão, a menos que tenham como fim mostrar um atentado aos direitos dos animais.

ARTIGO 14: a) As associações de proteção e de salvaguarda dos animais devem ser representadas a nível de governo. b) Os direitos dos animais devem ser defendidos por leis, como os direitos dos homens.

Por sua vez, a União Europeia,em 1997, introduziu um protocolo de proteção e bem-estar animal –“Treaty of Amsterdam” –, reconhecendo que os animais são seres sensíveis, capazes de sofrimento, corroborando a doutrina ética de Bentham. Ampliou o foco deste estudo para a importância de cada animal nos ecossistemas.

Recentemente, Portugal, Nova Zelândia e França reconheceram a senciência animal, considerando os animais como “seres vivos dotados de sensibilidade”, eis que sentem prazer, angústia, pena, dor, sofrimento, etc. Ainda, Alemanha, Suíça e Áustria referem-se aos animais como “não sendo uma coisa”.

5.2 Nível nacional

O marco da proteção legalista no Brasil, em favor dos animais, ocorreu em 1924, com o Decreto nº 16.590, que introduziu as “Casas de Diversões Públicas” e impediu, dentre outras ações, as de crueldade, brigas de galos e de pássaros silvestres.

Após, vieram novas legislações, como o Código Florestal (Decreto nº 23.792/1934); a Lei de Proteção aos Animais (Decreto nº 24.645/1934), que conferia medidas protetivas aos animais. Em seguida adveio a Lei de Contravenções Penais, (Decreto-Lei nº 3.688/1941), proibindo a crueldade contra os animais e a classificando como contravenção penal – delito considerado de menor potencial ofensivo. Também foram promulgados: o Decreto 50.620/1961, que vetou a prática de rinhas de “brigas de galo”; o Código de Pesca(Decreto-Lei nº221/1967); Lei de Proteção à Fauna(Lei Federal nº 5.197/1967); Lei da Vivissecção (Lei Federal nº Lei nº 6.638/1979); Lei Federal nº 7.173/1983, que regula o estabelecimento e funcionamento de jardins zoológicos; Lei dos Cetáceos (Lei Federal nº 7.643/1987); Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1991), dentre outras legislações.

Saliente-se que a Constituição Federal de 1988 trouxe a maior inovação, estatuindo a proteção do meio ambiente, fauna e flora, proibindo práticas cruéis contra os animais. Assim, a tutela jurídica dos animais passou a ter status constitucional:

Art. 225, caput, C.F.: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:[...]

VII -  proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.[...]

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos [...]

Em 1998 foi promulgada a Lei nº 9.605, de suma importância, relativa aos Crimes Ambientais. Elevou à categoria de crime o atentado contra os animais. Até então era considerado contravenção penal. Em seu artigo 32, previu ser crime o ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. Quem realizasse experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, mesmo que para fins didáticos ou científicos, quando existissem recursos alternativos, seria apenado com detenção, de três meses a um ano, e multa. Ainda, a pena seria exasperada de um sexto a um terço, em caso de morte do animal.

Trata-sede um tipo penal aberto, direcionando o intérprete ao encargo de completá-lo, adequando-o ao caso concreto. Em verdade, enquanto não houver um conceito típico sobre “maus-tratos”, esse delito deve ser interpretado em conjunto com o Decreto Federal n.º 24.645/34, art. 3º, visto ser o único dispositivo legal que o define, com extenso rol, contendo trinta e um incisos. Embora sua revogação formal pelo Decreto nº 11/1991, há os que entendem de interpretar esse decreto, em suas lacunas, aplicando-se, em parte, o Decreto 24.645/34, tendo em vista o art. 32, da Lei 9.605/98 (GOMINHO & BARBOSA, 2017). 

Há, também, outros instrumentos jurídicos de proteção aos animais. Ademais, em nível municipal e estadual, foram criadas leis protetivas em seu âmbito de atuação, tais como a promulgação de Códigos Estaduais de Proteção aos Animais. Assim, as Leis Estaduais do Rio de Janeiro, nº 3.900/2002; do Rio Grande do Sul, nº 11.915/2003; do Paraná, nº 14.037/2003; de Santa Catarina, nº 12.854/2003; de São Paulo, nº 11.977/2005; do Sergipe, nº 8.366/2017.

Já há Delegacias de Polícia em alguns Estados, especializadas sobre o tema. Em São Paulo, inclusive, há a Delegacia Eletrônica de Proteção dos Animais (DEPA), bem como também existe a Divisão de Investigação sobre Infrações e Maus-Tratos a animais e demais crimes contra o Meio Ambiente.

5.2.1 Projetos de Lei no Congresso

Neste contexto, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 3670/2015 (PLS nº 351/21015), que prevê alteração do Código Civil, prescrevendo que os animais não mais sejam considerados coisas, mas sim, bens móveis, para os efeitos legais.

Em âmbito penal, tramita no Senado Federal, o Projeto de Lei nº 2833/2011 (PLC 39/2015), que prevê aumento das penalidades para quem comete maus-tratos contra animais, em especial, cães e gatos, entre outras providências. Na justificação do PL, o autor, Deputado Ricardo Tripolli (2011), refere que os cachorros e gatos são dotados de senciência; que houve aumento de crimes bárbaros contra os animais e que não pode haver penas brandas contra os infratores. Rememora que os crimes de ação penal pública, cuja pena máxima seja igual ou inferior a dois anos, são considerados como de menor potencial ofensivo. Logo, quando preenchidos os requisitos legais, têm seus autores as benesses da Lei n. 9.099/95. Assim, a pena privativa de liberdade pode ser convertida em restritiva de direitos, quando preenchidos requisitos, conforme a legislação penal. Logo, sustenta que para não incidir a aplicação desses institutos, que são demasiadamente benéficos. As penas cominadas aos maus-tratos deveriam ser majoradas. Isso seria um precursor de novos ditames legais, a fim de que a lei cumpra com sua função e o Estado se faça presente (TRIPOLI, 2011).

Este Projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), tendo o relator, Senador Álvaro Dias, apresentado parecer com emendas. O Senador declarou que o PLC 39/2015 enquadra criminalmente as condutas de matar, omitir socorro, abandonar, promover lutas e expor a perigo a vida, a saúde ou a integridade física de cães e gatos, prevendo aumento de pena quando o crime for praticado com uso de veneno, fogo, asfixia, mediante reunião de mais de duas pessoas ou quando acarretar a debilidade permanente no animal. Sustentou que a Lei de Crimes Ambientais já tipifica como crime a prática de maus-tratos contra animais domésticos. Declarou ser necessário mudar a lei penal para desestimular atos de violência. Contudo, avaliou que as penas propostas pelo Deputado Tripoli, seriam “excessivas e desproporcionais”, quando comparadas às penas por atos de violência contra seres humanos (AGÊNCIA SENADO, 2016).

5.2.2 Decisões jurisprudenciais

O Supremo Tribunal Federal manifestou-se em decisões emblemáticas, quando do julgamento da ADI 1856/RJ, vedando a rinha de galos. Decidiu ser inaceitável tal prática no Brasil. Outros julgados importantes foram quanto à proibição da prática da farra do boi (RE 153.531-8-SC) e da vaquejada (ADI 4.983/CE), verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - BRIGA DE GALOS (LEI FLUMINENSE Nº 2.895/98) - LEGISLAÇÃO ESTADUAL QUE, PERTINENTE A EXPOSIÇÕES E A COMPETIÇÕES ENTRE AVES DAS RAÇAS COMBATENTES, FAVORECE ESSA PRÁTICA CRIMINOSA - DIPLOMA LEGISLATIVO QUE ESTIMULA O COMETIMENTO DE ATOS DECRUELDADE CONTRA GALOS DE BRIGA - CRIME AMBIENTAL (LEI Nº 9.605/98, ART. 32) - MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA FAUNA (CF, ART. 225, § 1º, VII) - DESCARACTERIZAÇÃO DA BRIGA DE GALO COMO MANIFESTAÇÃO CULTURAL - RECONHECIMENTO DA INCONSTITUIONALIDADE DA LEI ESTADUAL IMPUGNADA - AÇÃO DIRETA PROCEDENTE. LEGISLAÇÃO ESTADUAL QUE AUTORIZA A REALIZAÇÃO DEEXPOSIÇÕES E COMPETIÇÕES ENTRE AVES DAS RAÇAS COMBATENTES - NORMA QUE INSTITUCIONALIZA A PRÁTICA DE CRUELDADE CONTRA A FAUNA - INCONSTITUCIONALIDADE. - A promoção de briga de galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada na legislação ambiental, configura conduta atentatória à Constituição da República, que veda a submissão de animais a atos de crueldade, cuja natureza perversa, à semelhança da “farra do boi” (RE 153.531/SC), não permite sejam eles qualificados como inocente manifestação cultural, de caráter meramente folclórico. Precedentes. - A proteção jurídico-constitucional dispensada à fauna abrange tanto os animais silvestres quanto os domésticos ou domesticados, nesta classe incluídos os galos utilizados em rinhas, pois o texto da Lei Fundamental vedou, em cláusula genérica, qualquer forma de submissão de animais a atos de crueldade. - Essa especial tutela, que tem por fundamento legitimador a autoridade da Constituição da República, é motivada pela necessidade de impedir a ocorrência de situações de risco que ameacem ou que façam periclitar todas as formas de vida, não só a do gênero humano, mas, também, a própria vida animal, cuja integridade restaria comprometida, não fora a vedação constitucional, por práticas aviltantes, perversas e violentas contra os seres irracionais, como os galos de briga (“gallus-gallus”). Magistério da doutrina. [...].[2] (grifo nosso)

COSTUME - MANIFESTAÇÃO CULTURAL - ESTÍMULO - RAZOABILIDADE - PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA - ANIMAIS - CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado "farra do boi".[3] (grifo nosso)

PROCESSO OBJETIVO – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – [...] VAQUEJADA – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ANIMAIS – CRUELDADE MANIFESTA – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – INCONSTITUCIONALIDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII do artigo 225 da Carta Federal, o qual veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Discrepa da norma constitucional a denominada vaquejada.[4] (grifo nosso)

Saliente-se que, embora a decisão de inconstitucionalidade referente à prática da vaquejada, posteriormente foi aprovada a EC nº 96/2017, que acrescentou o § 7º ao artigo 225, da Lei Maior[5], tentando contornar o julgamento proferido pelo STF. Diante desse retrocesso, foi ajuizada a ADI 5728, que busca invalidar a Emenda.

Arrolam-se outros julgados acerca do tema:

HABEAS CORPI. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. FURTO QUALIFICADO. MAUS-TRATOS DE ANIMAIS.[...] Outrossim, consta ainda que teria praticado maus-tratos e ferido animal doméstico, causando sua morte, notadamente porque ateou-lhe fogo. Real propensão à reiteração delitiva que se evidencia, na medida em que o paciente responde a outros dois processos, sendo um por homicídio, já com sentença de pronúncia, e outro por roubo majorado, com denúncia recebida. Mantida a segregação. [...] Substituição da prisão por medidas cautelares do artigo 319 , incisos I e IV, do Código de Processo Penal. [...][6]

APELAÇÃO CRIME. MAUS TRATOS A ANIMAL. ART. 32 DA LEI 9605/98. CRIME CONTRA A FAUNA. DELITO AMBIENTAL. ENVENENAMENTO. ANIMAL DOMÉSTICO. CONDENAÇÃO. Restou comprovado que o R. praticou maus-tratos em animal doméstico, quando jogou pedras e depois ministrou veneno a um cachorro encontrado em via pública. NEGADO PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME.[7]

APELAÇÃO-CRIME. ABUSO DE AUTORIDADE. ART. 3º, ALÍNEA I, DA LEI Nº 4.898 /65. MAUS-TRATOS A ANIMAIS, MAJORADO PELO RESULTADO MORTE. [...] II O desferimento de disparos contra animal domesticado, o qual não oferecia perigo ao agente público, caracteriza o delito de maus-tratos e mutilação ao animal. [...] O resultado orte do cachorro conduz à incidência da majorante do § 2º do art. 32. [...] APELAÇÃO DA DEFESA DESPROVIDA[8]

APELAÇÃO CRIMINAL. MAUS-TRATOS DE ANIMAIS. ARTIGO 32 DA LEI Nº 9.605/98. PROVA CONCLUSIVA DA AUTORIA E MATERIALIDADE DO CRIME. ELEMENTOS OBJETIVO E SUBJETIVO DO DELITO PREENCHIDOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.[9]

Sobre a autora
Lica Sant’Anna Della Giustina

Advogada, graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), especialista em Direito Público e em Direito Penal e Processual Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GIUSTINA, Lica Sant’Anna Della. Animais: maus-tratos e sua repercussão penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5818, 6 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73190. Acesso em: 22 dez. 2024.

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