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Unidades de conservação e outras questões ambientais

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Agenda 09/07/2019 às 22:10

3. A CADUCIDADE DA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO

A declaração de utilidade pública gera um estado de insegurança jurídica, por tornar iminente a transferência da propriedade para o Estado. Esse período compreendido entre a declaração de utilidade e a efetiva transmissão do bem ao expropriante é denominado de “período suspeito”. Citando-se Seabra Fagundes, José Carlos de Moraes Salles afirma-se que, nesse período,

“surge uma fase intermediária entre a livre propriedade anterior do indivíduo e a propriedade ulterior da Fazenda Pública, na qual o indivíduo ainda é dono, mas não dispõe integralmente da coisa e o Patrimônio Público, sem ser ainda titular do direito de propriedade, está na certeza de incorporá-lo no seu ativo, dentro de certo lapso de tempo e atendidas certas formalidades. Nem o dono detém o direito de propriedade em toda a sua plenitude (uso, gozo e disposição, segundo o art. 524. do CC), nem a Administração pode utilizá-lo e dele dispor. O indivíduo sofre restrição na livre disposição do bem em virtude da declaração de utilidade e a Fazenda Pública não pode usá-lo na dependência da fixação e pagamento do preço” (A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 2ª ed., RT, p. 63-64).

Mais adiante ainda ressalta:

“Compreende-se, pois, facilmente, a situação em que fica o expropriado, pendente sobre sua propriedade uma desapropriação latente, mas que não é promovida, durante o longo prazo de cinco anos. Se bem que não esteja impedido de construir sobre o imóvel declarado de utilidade pública, podendo, por outro lado, aliená-lo, são claras as limitações que o chamado ‘período suspeito’ (…) impõe à propriedade do expropriando. De fato, se vier a construir, não será indenizado pelas edificações, se a desapropriação for, posteriormente, levada a efeito (Súmula 23 da jurisprudência dominante no STF). Ademais, ainda que lhe seja possível alienar o imóvel expropriando, quantos se abalançarão a adquiri-lo, sabendo, por antecipação, que o mesmo poderá vir a ser expropriado futuramente? Parece-nos, pois, que o lapso de cinco anos, fixado pelo art. 10. da Lei de Desapropriações, é extremamente longo, não se justificando que, durante tanto tempo, fique o bem declarado de utilidade pública sujeito às limitações decorrentes do chamado ‘período suspeito’” (ob. cit., p. 191).

Portanto, deve ser recebido com reservas o argumento de que o proprietário continua livre para explorar o imóvel, mesmo após a declaração de utilidade pública, especialmente quando se está a tratar de criação de unidade de conservação, a qual impõe ao proprietário algumas limitações típicas de preservação ambiental, cuja atividade é incompatível com a futura destinação daquele espaço.

Aliás, a Lei nº 9.985/00 prevê a possibilidade de se impor restrições à exploração das áreas destinadas:

Art. 22-A. O Poder Público poderá, ressalvadas as atividades agropecuárias e outras atividades econômicas em andamento e obras públicas licenciadas, na forma da lei, decretar limitações administrativas provisórias ao exercício de atividades e empreendimentos efetiva ou potencialmente causadores de degradação ambiental, para a realização de estudos com vistas na criação de Unidade de Conservação, quando, a critério do órgão ambiental competente, houver risco de dano grave aos recursos naturais ali existentes.

§ 1º Sem prejuízo da restrição e observada a ressalva constante do caput, na área submetida a limitações administrativas, não serão permitidas atividades que importem em exploração a corte raso da floresta e demais formas de vegetação nativa.

§ 2º A destinação final da área submetida ao disposto neste artigo será definida no prazo de 7 (sete) meses, improrrogáveis, findo o qual fica extinta a limitação administrativa.

Ora, é um fato que inúmeras unidades de conservação, no Brasil, são apenas “de papel”, pois, a despeito do ato jurídico de criação, permanecem na espera, por longa data, por alguma ação do Poder Público para sua efetiva implantação.

A criação de um espaço ecologicamente protegido com seu sucessivo abandono caracteriza uma irresponsabilidade do Poder Público, cuja situação insustentável reclama um fim.

O Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática do Ministro Sepúlveda Pertence, apreciando medida cautelar no MS nº 24.394/DF, afirmou que a implantação de parque nacional “como ‘unidade de proteção integral’ – não se consuma com o simples decreto de criação, pois assegurados, pela L. 9985/00, a desapropriação das áreas particulares nele compreendidas (art. 11, § 1º), assim como, às suas populações tradicionais a indenização ou compensação pelas benfeitorias existentes e a realocação pelo Poder Público, ‘em local e condições acordadas entre as partes’ (art. 42. e D. 4340/02, arts. 35ss)” (DJ de 06/09/04, p. 47).A desafetação de uma unidade de conservação também depende de lei, mesmo que ela tenha sido instituída por decreto, consistindo no ato da Administração Pública que altera o regime jurídico de um bem público, que passará a integrar a classe dominial. A lógica constitucional foi dificultar ao máximo a redução dos limites de um espaço ambiental especialmente protegido, a redução da sua proteção ou a sua extinção, que somente poderá se operar por lei da respectiva entidade política, mesmo que a unidade de conservação tenha sido instituída por decreto.

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Não obstante, o Decreto 3365/41 criado sob a égide da Constituição de 1937, dita que se no prazo de 5 anos, não houver sido regularizada a questão fundiária, o decreto da desapropriação caducará, tornando-a sem efeito.

O art.10 do Decreto 3.365/41 deve ser interpretado conforme a constituição vigente, de forma que não concretizada a regularização fundiária no prazo de 5 anos, o decreto caducará, contudo, não terá o efeito de extinguir as unidades de conservação (federal, estadual ou municipal) fundadas em lei ou decreto, podendo o proprietário ajuizar ação de responsabilidade civil contra o ente criador da respectiva área protegida, face à necessidade de manutenção do meio ambiente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida destas e das futuras gerações.

A matéria é polêmica consoante se divulga no site do Ministério Público Federal:

"O Ministério Público Federal (MPF) divulgou nota técnica pedindo a rejeição integral do Projeto de Lei (PL) 3.751/2015 – que estabelece a caducidade dos decretos de criação das Unidades de Conservação (UCs) caso não tenham sido concluídos, no prazo de cinco anos, processos de indenização dos proprietários ali situados. De acordo com o MPF, a proposta legislativa viola vários pontos da Constituição Federal, além de representar um grave risco à preservação ambiental. O PL tramita na Câmara dos Deputados, na Comissão de Finanças e Tributação.

Segundo o MPF, o ponto considerado crítico no PL é a previsão de extinção da UC quando não houver indenização prévia aos proprietários e a consequente desapropriação da área. Este trecho, esclarece a nota técnica, viola expressamente o artigo 225, parágrafo 1º, inciso III da Constituição, segundo o qual a supressão de unidades protegidas são “permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”.

De acordo com a nota técnica, o PL 3.751/2015 também afronta outros dispositivos constitucionais, “pois subordina a efetividade do direito de toda a coletividade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ao direito individual e disponível de proprietários de receber indenização; impõe ponderação de direitos aparentemente colidentes em clara violação ao postulado constitucional da proporcionalidade; e atenta contra o art. 170, incisos III e IV, ao afastar os princípios da função social da propriedade e da defesa do meio ambiente”,


4. FLORESTAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E INDENIZAÇÃO

A limitação administrativa é toda toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública condicionadora do exercício dos direitos ou de atividades particulares às exigências do bem-estar social.

As florestas de preservação permanente do artigo 2º do Código Florestal, instutuidas pelo próprio Código, com suas caracteristicas de generalidade, atingindo propriedades indeterminadas, devem ser incluídas como limitações administrativas.

Entende-se que as limitações administrativas contidas nas florestas de preservações permanente não são indenizáveis.

Diferentemente, as florestas de preservação permanente criadas pelo Poder Público, na maioria dos casos previstos no Código Florestal, acarretam um impedimento de utilização normal da propriedade. "Nestes casos, em que a limitação ao livre gozo da propriedade não for medida de caráter geral por circunstâncias da natureza ou, melhor, em que haja apenas o sacrifício de um ou de alguma privados da melhor posse que constituía o direito persistente e suprimido apenas pelo ato do Poder Público, este deve desapropriar ou indenizar os direitos sacrificados."

Consoante o ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello (Apontamentos sobre o poder de polícia, RDP 9/65. 1969), "na declaração de que certa área passa a ser reserva florestal e em consequência as árvores não podem ser cortadas ha uma individualização do bem objeto de ato imperativo da Administração e consequentemente um prejuizo manifesto para o proprietário dela na maior parte dos casos."

A indenização observará o verdadeiro e atual uso efetivo da terra, para que não se supervalorize a propriedade, impossibilitando a adequada proteção dos recursos naturais.

Fala-se em áreas de preservação permanente.

Há dois tipos de vegetação de preservação permanente: a intituída pela lei florestal e a instituida por Ato da Admistração Pública. O primeiro tipo era previsto no art. 2º e o segundo tipo no artigo 3º, ambos da Lei 4.771/65.

O Código Florestal, desde 1965, ressalva em seu Artigo 2o. o seguinte: "Consideram-se de Preservação Permanente, pelo só efeito desta lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:..."

Assim, esta Lei relaciona a vegetação de preservação permanente à determinadas áreas, obviamente por ser, a vegetação, inexoravelmente, atributo dessas áreas, o que não poderia ser diferente.

Ainda nessa Lei, no seu Artigo 3o., da mesma forma reafirma o sentido de vegetação de preservação permanente e não de área, que surge esta última, como fator secundário, conseqüência da identificação da vegetação e suas funções ambientais. Diz o Artigo 3o. : "Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:a) a atenuar a erosão das terras; b) a fixar as dunas; c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias; d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares; e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico; f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção; g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas; h) a assegurar condições de bem-estar público."

A vegetação de preservação permanente criada "pelo só efeito desta lei" (artigo 2º) era chamada de floresta de proteção no Còdigo Florestal de 1934.

O Novo Código Florestal, alterado pela MP 2.166/01, mesmo dentro de muitas críticas, avança, mesmo que timidamente, no sentido de fazer prevalecer a função da vegetação sobre a simples delimitação espacial. E nesse sentido ela define mais claramente os conceitos do que "tenta ser" vegetação de preservação permanente. Porém devido ao fato desta lei ter citado o termo "área de preservação permanente", certamente por já ter identificado essa problemática no âmbito da comunidade ambiental, acaba contribuindo ainda mais para confundir os militantes da área. Veja o texto da citada MP 2.166/01:

"II - Área de preservação permanente: área protegida nos termos dos artigos 2o. e 3o. desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas."

Por sua vez, a reserva legal florestal deverá ser averbada à margem da inscrição da matrícula do imóvel no Registro de Imóveis. Tal averbação poderá ser promovida por qualquer pessoa, pois é um bem de interesse geral, a teor do artigo 225 da Constituição.

A reserva legal florestal é a expressão utilizada pela legislação para caracterizar o regime jurídico florestal. Assim reserva legal é a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente necessário ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção da fauna e flora nativas (MP 2.166 - 67/2001, artigo 1º, § 2º, III).

A reserva legal florestal tem sua razão de ser na virtude da prodência que deve conduzir o Brasil a ter um estoque vegetal para conservar a biodiversidade.

A localização da reserva legal deve ser aprovada por órgão estadual ambiental competente.

Para a efetividade da averbação é oportuno criar de forma expressa o dever do proprietário de informar ao órgão ambiental competente, enviando-lhe cópia do ato do Cartório de Registro de Imóveis.


5. AS COTAS DE RESERVA AMBIENTAL

As Cotas de Reserva Ambiental (CRAs) são títulos que representam uma área de cobertura vegetação natural em uma propriedade e que podem ser usados para compensar a falta de Reserva Legal em uma outra. Cada cota corresponde a 1 hectare (ha) e elas podem ser criadas por proprietários rurais que tenham excesso de reserva legal para que negociem com produtores com menos área de reserva que o mínimo exigido.

O Código Florestal Brasileiro exige que todas as propriedades rurais, em território nacional, mantenham uma porcentagem da área com cobertura de vegetação nativa. Esta Reserva Legal pode variar entre 20% a 80% da propriedade, conforme o bioma e a região em que se localize o imóvel.

As propriedades rurais que não atendem aos percentuais acima estão em déficit de reserva legal e precisam ser regularizadas.

Elas foram introduzidas na legislação brasileira pelo Código Florestal de 1965 e mantidas no de 2012.

Importante ressaltar que as CRAs dão direito apenas à regularização do passivo ambiental de quem compra. A responsabilidade pela manutenção da vegetação nativa, assim como a propriedade da terra, continua a ser do vendedor.

A matéria é objeto e julgamento pelo Supremo Tribunal Federal. Estão sendo julgadas em conjunto a Ação Declaratória Constitucionalidade (ADC) 42 e as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4901, 4902, 4903 e 4937.

O ministro Luiz Fux considerou constitucional o mecanismo da Cota de Reserva Ambiental (CRA). O CRA é um título representativo de áreas com vegetação nativa, que pode ser utilizado para fins de compensação ambiental. No entendimento do relator, trata-se de mecanismo de incentivo à proteção ambiental, que não se limita a normas impositivas e proibitivas típicas da legislação ambiental, promovendo com sucesso medidas de reparação ambiental. “Não possui base empírica a afirmação de que a sistemática em vigor inviabiliza a proteção conjunta dos diferentes ecossistemas”, afirmou. Segundo o ministro Fux, o resultado observado é exatamente o inverso, com incremento na recuperação ambiental em todos os nichos ecológicos.

Outro dispositivo considerado constitucional foi o artigo 15, no qual se admite o cômputo das APPs no cálculo da Reserva Legal do imóvel. “Não é difícil imaginar que a incidência cumulativa de ambos os institutos em uma mesma propriedade pode aniquilar substancialmente sua utilização produtiva”, afirma. O cômputo das APPs no percentual da Reserva Legal, diz o ministro, está na área do legítimo exercício do legislador.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Unidades de conservação e outras questões ambientais . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5851, 9 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73251. Acesso em: 22 dez. 2024.

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