EFEITOS JURIDICOS DA MULTIPARENTALIDADE
Após a análise dos julgados anteriormente citados acerca do reconhecimento da Multiparentalidade, serão analisados os pontos cruciais em relação aos efeitos produzidos posteriormente e eventuais problemas jurídicos que podem surgir em caso de conflitos familiares em relação principalmente a o exercício do poder familiar, da guarda e visitas, obrigação alimentar e os direitos sucessórios e previdenciários, bem com a extensão do parentesco a outros parentes, os efeitos registrais e em relação ao nome.
1 Extensão do parentesco a outros parentes
Uma vez reconhecida a multiparentalidade, admitindo a existência conjunta da de mais de duas paternidades socioafetiva e biológica, surge, sem via das dúvidas, a extensão do parentesco aos parentes de ambos os pais, bem como aos filhos desses, da qual resulta na irmandade socioafetiva.
Nessa lógica, incidem as mesmas regras de impedimento previstas pelo Código Civil, não podendo haver casamento entre filhos e pais socioafetivos, assim como aos parentes por afinidade até 3º grau. Desse modo, aplicam-se as mesmas regras do parentesco natural, pois se depreende da interpretação do art.1593 do Código Civil que o termo “outra origem” refere-se ao parentesco socioafetivo, comum nas entidades familiares biparentais, sendo extendido os mesmos efeitos aos vínculos multiparentais, a fim de que exista discriminação e desigualdade (OLIVEIRA, 2017, s.p).
2 Efeitos registrais
O registro de nascimento é o documento mais importante para prova de filiação de uma pessoa e, por meio dele, advêm todos os direitos oriundos do estado de filiação. Nesse sentido, vale destacar que uma vez reconhecida a multiparentalidade, o nome dos pais socioafetivos e biológicos devem constar no registro civil, a fim de garantir ao filho todos os direitos decorrentes. Assim, com base no princípio da dignidade da pessoa humana é necessário dar publicidade através da modificação do registro de nascimento (OLIVEIRA, 2017, s.p).
Vale destacar que o Conselho Nacional de Justiça efetuou a padronização de todos os documentos de registro civil, como certidões de casamento, nascimento e óbito, substituindo os campos pai e mãe por filiação e os campos avós maternos e paternos por apenas avós, o trouxe maior segurança e inexistência de impedimento registral da paternidade socioafetiva em conjunto da biológica e evitando qualquer forma que viesse a opor diferenciação à filiação por vínculo multiparental (OLIVEIRA, 2017, s.p).
3 Efeitos em relação ao nome
Em relação ao nome é essencial que a pessoa possa incluir o nome de seus pais no registro de nascimento, não podendo ser negada tal opção. Nesse sentido a Lei nº 11.924/0 trouxe a possibilidade do registro da dupla maternidade/paternidade, retirando todo e qualquer óbice que pudesse impedir o registo. Ademais, a função desse instituto é de registrar a verdade real e fazer com que se produzam efeitos erga omnes em relação aos direitos do registrado (OLIVEIRA, 2017, s.p).
No que tange às crianças e adolescentes, vale ressaltar que o direito do assento dos nomes dos pais no registro de nascimento é direito fundamental e no caso do reconhecimento da multiparentalidade não é diferente, sendo assegurado ao genitor (a) a inclusão de seu nome no registro do filho, caso esse direito lhe seja violado. Ademais, o art.54 nos itens 7º e 8º da lei de Registros Público determina que no registro de nascimento deve constar os nomes e prenomes dos pais e dos avós maternos e paternos. Destarte, se estende ao vínculo multiparental o mesmo direito, a fim de incluir o nome dos pais socioafetivos, em conjunto dos pais biológicos, bem como os avós e ascendentes, podendo o filho optar pelo uso do nome de qualquer um dos pais (OLIVEIRA, 2017, s.p).
4 Efeitos em relação à obrigação alimentar
A obrigação de prestar alimentos advém da Constituição Federal de 1988, previsto inicialmente no art.229, o qual prediz que cabe aos pais o dever de criar e educar os filhos enquanto menores e, por outro lado, os filhos maiores tem o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Além disso, o Código Civil também prevê no art.1696 que a obrigação de prestar alimentos é recíproca entre pais filhos. Destarte, com o reconhecimento do vínculo Multiparental isso não é diferente, o que obriga a todos os pais ao dever de criar os filhos e de lhes prestar os alimentos. Do contrário, também é gerada a obrigação dos filhos em relação aos pais, caso em que estes necessitem de amparo (OLIVEIRA, 2017, s.p).
Em relação à fixação dos alimentos, é necessário levar em consideração o binômio necessidade/possibilidade, conforme preceitua o art.1694, §1º, do Código Civil, bem como a multiparenalidade é bem mais vantajosa para atender todas as necessidades materiais da criança/adolescente, tendo em vista que o quantum a ser fixado no caso de cada um dos pais poderia ser menor que 1/3 sobre a renda do alimentante, conforme a lei de alimentos prevê e a doutrina e jurisprudência predominamente defendem. Dessa forma, é evidente que a filiação por meio do vínculo multiparental possui maior adequação ao desenvolvimento do menor (OLIVEIRA, 2017, s.p).
Outra indagação importante é com relação a quando esses filhos prestarem alimentos aos pais. Podem eles escolher a qual pai ou mãe devem prestar os alimentos? Ou devem prestar a todos, caso necessitem?
Tal resposta ainda deve ser refletida e construída, tendo em vista que o instituto da multiparentalidade ainda é recente e, por conseguinte, depende do resultado da convivência no dia a dia das novas relações familiares, que ficará a cargo da jurisprudência.
5 Dos efeitos em relação à guarda e direito de visitas
A guarda dos filhos menores é um dever decorrente do poder familiar, conforme previsão do art.1634, II, do Código Civil, podendo ser exercida de forma unilateral ou compartilhada (art.1583, CC).
Vale mencionar que a guarda deve ser definida com base no princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, cabendo ao juiz valer-se do estudo social da equipe multidisciplinar para tomar a decisão mais coerente. Não cabe dizer que o mesmo esteja vinculado ao parecer da equipe, mas deve tomar sua decisão levando em consideração a avaliação. No caso da Multiparentalidade se torna muito mais complexa a análise do caso concreto, o que leva a crer que a guarda unilateral não será o melhor interesse da criança ou adolescente. Contudo, uma vez m concedida à guarda unilateral, cabe aos demais pais exercer livremente o direito de visitas, da mesma forma da família tradicional, que deve ser estipulada de forma que não haja conflito entre os genitores (OLIVEIRA, 2017, s.p).
Contudo, pelo regramento atual do Código Civil, caso não exista consenso entre os pais acerca do exercício da guarda, esta será compartilhada, de forma que as responsabilidades sobre o menor sejam exercidas de forma conjunta e equilibrada, salvo se um deles não desejar exercer a guarda, nos termos do art. 1584, §5º, do Código Civil (OLIVEIRA, 2017,s.p).
Portanto, os efeitos do exercício de guarda e direito de visitas pode ser aplicado em relação a multiparentalidade de forma igualitária, com a ressalta apenas de uma maior análise e estudo, a fim de que não venha a prejudicar os interesses da criança e do adolescente (OLIVEIRA, 2017,s.p).
6 Dos efeitos sucessórios
Como efeito da multiparentalidade, a aplicação dos direitos sucessórios, por sua vez, decorre de forma igualitária em relação ao do parentesco natural, em virtude do princípio da igualdade de filiação prevista pela magna carta de 1988 (art. 227, VII, §6º).
Assim, o filho do vinculo multiparental é herdeiro necessário de todos os pais e estes, são herdeiros do filho, conforme se estabelece entre os ascendentes e descendentes e colaterais até quarto grau. Contudo, as sucessões dos pais não se comunicam entre si, salvo as do cônjuge e companheiro(a). Vale dizer que os direitos sucessórios se dão na mesma forma da obrigação alimentar já citada anteriormente, de forma que os filhos biológicos e afetivos terão direitos iguais na herança desses dois pais, bem como aos pais a herança desses filhos (OLIVEIRA, 2017, s.p).
Nesse sentido, vale ressaltar que a terceira turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu no REsp 1.618.230 que um homem idoso de 70 anos tivesse o direito de receber a herança do pai biológico, mesmo já tendo recebido a herança do pai afetivo. Para o relator ministro Cueva, a decisão do colegiado confirmou o que já havia sido decidido pelo Supremo Tribunal Federal em Repercussão Geral no RE 898060, no qual se fixou o entendimento de que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não no registro público, não impede o reconhecimento de filiação concomitante baseada na paternidade biológica, com efeitos jurídicos próprios”.
Não obstante essa decisão do STF, o juiz no caso concreto deve ter bastante cautela, principalmente em relação à convivência dos indivíduos, a fim de evitar o reconhecimento da multiparentalidade à luz apenas dos efeitos patrimoniais.
REFERENCIAS
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