DA PROVA PERICIAL E DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA
Já estabelecido, portanto, que, dentre outros tipos, a hipossuficiência pode ser de natureza financeira, o que acaba por repercutir na viabilidade de produção, por uma das partes, de determinados tipos de prova, a exemplo do que ocorre com a perícia técnica, que geralmente é feita por profissional privado que, assim, deve ser remunerado pelo trabalho que desempenha.
Araken de Assis nos ensina que “a perícia é a atividade processual desenvolvida por terceiro dotado de peculiar conhecimento técnico, artístico, científico ou prático que traz ao juiz subsídios para apurar a veracidade das alegações de fato controvertidas no processo”[6].
Perícia é, portanto, um meio legal de prova do qual os sujeitos processuais se valem do conhecimento de um expert para aclarar as questões de natureza técnica ou científica, de modo a influenciar no convencimento do juiz.
Art. 156, CPC. O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico.
A prova pericial, na maior parte das vezes, depende da designação, pelo juízo, de um profissional privado para que realize o exame pericial, o que gera para este expert o direito de perceber os honorários pelo trabalho que desempenhou, trazendo para o processo o questionamento acerca de qual das partes deverá arcar com os custos da produção desta prova.
O Código de Processo Civil estabelece que, em regra, os custos da perícia técnica deverão ser adiantados pela parte que a solicitar, e rateada, nos casos em que prova testemunhal é determinada de ofício pelo juízo ou solicitada por ambas as partes.
Art. 95. Cada parte adiantará a remuneração do assistente técnico que houver indicado, sendo a do perito adiantada pela parte que houver requerido a perícia ou rateada quando a perícia for determinada de ofício ou requerida por ambas as partes.
Contudo, por vezes, aqueles que batem às portas do Poder Judiciário carecem de recursos hábeis a suportar os custos resultantes do processo, motivo pelo qual a legislação vigente estabelece que, para aqueles com insuficiência financeira, será concedido o benefício da justiça gratuita, garantindo-se, assim, o direito constitucional do acesso à justiça.
Art. 98, CPC. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
Tem-se que a gratuidade da justiça compreende “os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira”[7], ou seja, àquele que não dispuser de recursos financeiros para suportar os custos do processo ou a perícia técnica, terá o benefício de que tais valores sejam suportados pelo Estado.
Nessa seara, o próprio Adjeto Processual Civil já prevê de onde poderão sair os recursos para custeio da perícia, deixando nítido que, em sendo o requerente da prova beneficiário da justiça gratuita, os custos serão suportados pelo Estado[8].
CONCLUSÃO
É patente que, no ordenamento pátrio, o consumidor é considerado a parte vulnerável da relação de consumo, por isso há, na Lei 8.078/90, dispositivos que têm por escopo trazer equilíbrio, seja na esfera material, seja processual. Um desses mecanismos é a inversão do ônus da prova, que decorre da hipossuficiência técnica ou econômica do consumidor, constatada caso a caso.
A inversão do ônus da prova se justifica em face da teoria da carga dinâmica do ônus da prova, segundo a qual o ônus probatório recai sobre a parte com maior capacidade de produzi-la e, nas relações de consumo, o fornecedor de serviços possui maiores possibilidades de trazer aos autos os elementos de prova, por ser ele a parte com domínio do processo produtivo, além do seu presumível poderio econômico.
A inversão do ônus probatório tem por escopo, portanto, facilitar a defesa dos direitos do consumidor quando este não dispuser de recursos próprios (técnicos ou financeiros) para fazê-lo e, nesse ponto, é preciso dizer que seria razoável inferir que a prova pericial não deve ser objeto da referida inversão.
Tal inferência se extrai do fato de que o Código de Processo Civil concede àqueles carentes de recursos financeiros os benefícios da justiça gratuita que, dentre outras benesses, compreende os honorários periciais, portanto, se a própria legislação processual já estabelece um meio de propiciar ao hipossuficiente dispositivos que o desoneram dos custos pertinentes aos honorários do expert, tem-se que há, desta forma, o restabelecimento do equilíbrio processual que, no que diz respeito a esse tipo de prova, torna desarrazoada a inversão do ônus.
Assim, parece correto presumir que a inversão do ônus da prova prevista pelo Código de Defesa do Consumidor não tem o condão de impor ao prestador de serviços o adiantamento dos honorários periciais nas situações em que o consumidor solicitante da prova é beneficiário da justiça gratuita, eis que nessas situações, cabe ao Estado arcar com os custos da prova, face à expressa previsão legal nesse sentido.
Notas
[1] Os destinatários da prova são aqueles que dela poderão fazer uso, sejam juízes, partes ou demais interessados, não sendo a única função influir eficazmente na convicção do juiz.
[2] Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento.
[3] Curso de Direito Processual Civil, Volume I, 59ª edição
[4] Art. 373, § 2° A decisão prevista no § 1° deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
[5] Direito do Consumidor Esquematizado. 2ª edição
[6] Processo Civil Brasileiro. Volume III. 1ª edição
[7] Art. 98, §1°, VI
[8] Art. 95 [...] § 3º Quando o pagamento da perícia for de responsabilidade de beneficiário de gratuidade da justiça, ela poderá ser: I - custeada com recursos alocados no orçamento do ente público e realizada por servidor do Poder Judiciário ou por órgão público conveniado; II - paga com recursos alocados no orçamento da União, do Estado ou do Distrito Federal, no caso de ser realizada por particular, hipótese em que o valor será fixado conforme tabela do tribunal respectivo ou, em caso de sua omissão, do Conselho Nacional de Justiça. § 4º Na hipótese do § 3º, o juiz, após o trânsito em julgado da decisão final, oficiará a Fazenda Pública para que promova, contra quem tiver sido condenado ao pagamento das despesas processuais, a execução dos valores gastos com a perícia particular ou com a utilização de servidor público ou da estrutura de órgão público, observando-se, caso o responsável pelo pagamento das despesas seja beneficiário de gratuidade da justiça, o disposto no art. 98, § 2º . § 5º Para fins de aplicação do § 3º, é vedada a utilização de recursos do fundo de custeio da Defensoria Pública.