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A ilegalidade da jornada reduzida trabalho prevista no art. 3º do Decreto nº 1.590/95

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Agenda 27/06/2019 às 09:00

Discute-se a manutenção da chamada jornada flexível por meio do Decreto 1.590/95, que nada mais é do que a redução da carga horária diária sem diminuição da remuneração.

I - JORNADA DE TRABALHO DOS SERVIDORES CIVIS DA UNIÃO – EVOLUÇÃO HISTÓRICA A PARTIR DA LEI Nº 8.112/90

Os servidores públicos da União são regidos, no que tange à política de recursos humanos, pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 - RJU[1]. Concernente à jornada de trabalho, o artigo 19, em sua redação originária, assim dispunha:

Art. 19. O ocupante de cargo de provimento efetivo fica sujeito a 40 (quarenta) horas semanais de trabalho, salvo quando a lei estabelecer duração diversa.

Parágrafo único. Além do cumprimento do estabelecido neste artigo, o exercício de cargo em comissão exigirá de seu ocupante integral dedicação ao serviço, podendo o servidor ser convocado sempre que houver interesse da administração.

As Leis nºs 8.270, de 17 de dezembro de 1991[1] e 9.527, de 10 de dezembro de 1997[1], modificaram a redação originária, influenciando no dispositivo sob comento:

Art. 19. Os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente. (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)

§ 1o O ocupante de cargo em comissão ou função de confiança submete-se a regime de integral dedicação ao serviço, observado o disposto no art. 120, podendo ser convocado sempre que houver interesse da Administração. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 2o O disposto neste artigo não se aplica a duração de trabalho estabelecida em leis especiais. (Incluído pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)

As mudanças, em suma, foram as seguintes:

a) extensão do regime de integral dedicação exclusiva aos ocupantes de função de confiança;

b) o reconhecimento de cargos cujos ocupantes exercem jornada inferior a 40 horas semanais, estatuídos por leis específicas e anteriores ao RJU, substituindo “(...) sujeito a 40 (quarenta) horas semanais de trabalho (...)” por “(...) respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas (...)”;

c) a possibilidade de cumprimento de jornada de 6 horas semanais, contudo mantida a carga horária semanal estabelecida para o respectivo cargo; e

d) é inaplicável o RJU nos casos de duração de trabalho estabelecida em leis especiais.


II - ADVENTO DO DECRETO Nº 1.590/1995 – JORNADA “FLEXÍVEL” (ART. 3º)

O Chefe do Executivo federal, visando disciplinar o art. 19 do RJU, publicou o Decreto nº 1.590, de 10 de agosto de 1995[1], trazendo um conjunto de regras específicas para controle da assiduidade e da pontualidade de servidores civis da Administração Pública Federal direta, das autarquias e das fundações públicas federais, dentre as quais a inovação contida no art. 3º, a saber:

Redação originária:

Art. 3º Quando os serviços exigirem atividades contínuas de regime de turnos ou escalas em período igual ou superior a quatorze horas ininterruptas, é facultado ao dirigente máximo do órgão ou da entidade autorizar os servidores que trabalham no período noturno a cumprir jornada de trabalho de seis horas diárias e carga horária de trinta horas semanais, devendo‑se, neste caso, dispensar o intervalo para refeições.

§ 1º Entende‑se por período noturno aquele que ultrapassar às 21 horas.

§ 2º Os dirigentes máximos dos órgãos ou entendidas farão publicar no Diário Oficial da União, a cada seis meses, a relação e a jornada de trabalho dos servidores aos quais se aplique o disposto neste artigo.

Redação vigente (alterado pelo Decreto nº 4.836, de 9 de março de 2003[1])

Art. 3º Quando os serviços exigirem atividades contínuas de regime de turnos ou escalas, em período igual ou superior a doze horas ininterruptas, em função de atendimento ao público ou trabalho no período noturno, é facultado ao dirigente máximo do órgão ou da entidade autorizar os servidores a cumprir jornada de trabalho de seis horas diárias e carga horária de trinta horas semanais, devendo-se, neste caso, dispensar o intervalo para refeições.

§ 1º Entende-se por período noturno aquele que ultrapassar às vinte e uma horas.

§ 2º Os dirigentes máximos dos órgãos ou entidades que autorizarem a flexibilização da jornada de trabalho a que se refere o caput deste artigo deverão determinar a afixação, nas suas dependências, em local visível e de grande circulação de usuários dos serviços, de quadro, permanentemente atualizado, com a escala nominal dos servidores que trabalharem neste regime, constando dias e horários dos seus expedientes.

O art. 3º, § 2º autoriza a FLEXIBILIZAÇÃO da jornada de trabalho, que difere de REDUÇÃO da jornada de trabalho: dá-se ao ocupante de cargo exercido sob jornada legal e obrigatória de trabalho de 40 horas semanais, na condição de atendimento aos requisitos previstos no mencionado Decreto, o cumprimento diário de, no mínimo, 6 horas, desde que nos sete dias da semana (na hipótese de órgãos/entidades com atendimento ao público também em dias não úteis – sábados, domingos e feriados/pontos facultativos) seja observada a carga horária inerente ao cargo ocupado.

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III - APLICAÇÃO DO DECRETO EM INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO – APONTAMENTOS DA CGU

Efetuou-se pesquisa em relatórios de auditoria anual de contas, exercício de 2017, de Universidades e Institutos vinculados ao MEC, sediados na Região Nordeste, e publicados no Portal eletrônico da Controladoria-Geral da União - CGU entre 1º de agosto de 2018 e 15 de abril de 2019, cuja busca resultou em ações de controle em 11 entidades[2]:

Instituição

Relatório

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão -IFMA

201800580

Fundação Universidade Federal do Maranhão - UFMA

201800614

Universidade Federal do Ceará -UFC

201800629

Universidade Federal de Pernambuco – UFPE

201800631

Universidade Federal de Alagoas – UFAL

201800635

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Alagoas – IFAL

201800573

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - IFCE

201800578

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

201800625

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco – IFPE

201800575

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Rio Grande do Norte – IFRN

201800583

Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF

201800612

À exceção da UFMA, cujos servidores, nesta condição diferenciada de jornada de trabalho, estão cedidos à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH, atuando restritamente no Hospital Universitário, e da UFC, cuja flexibilização da jornada de trabalho para 6 horas diárias e 30 horas semanais ainda está em fase de implementação, nas nove outras entidades de ensino público federal há falhas que impossibilitam a manutenção dos atos concessivos de jornada “flexível”. Abaixo, relato sintético:

Relatório

IFE

Constatações relevantes

201800580

IFMA

3.1.1.1: Impropriedades nos processos de concessão de flexibilização de jornada de trabalho

201800635

UFAL

1.1.2.1: Concessão indevida de jornada reduzida a servidores técnico-administrativos em educação.

(foram identificados 296 servidores com autorização para prestação de serviço com fulcro no art. 3º do Decreto nº 1.590/95)

201800573

IFAL

1.1.3.2: Ausência de transparência e publicidade da relação nominal dos servidores beneficiados pelo regime de flexibilização de carga horária.

1.1.3.3: Setores que estão cumprindo carga horária flexibilizada de 30 horas semanais de forma irregular.

(foram identificados 144 servidores com autorização para prestação de serviço com fulcro no art. 3º do Decreto nº 1.590/95)

201800578

IFCE

1.1.1.1: Ausência de estudos específicos que estabeleçam quais setores se enquadram nos critérios de horário de trabalho flexibilizado.

1.1.1.2: Autorização para flexibilização de horário de servidores, na qual não foram obedecidos todos os requisitos estabelecidos no Decreto nº 1.590/1995.

201800625

UFRN

1.1.3.1: Concessão de trinta horas semanais de jornada de trabalho a servidores técnico-administrativos no âmbito da Diretoria de Administração de Pessoal, a partir de um estudo de viabilidade da jornada flexibilizada que está em desconformidade com o Decreto nº 1.590/1995.

1.1.3.2: Manutenção de jornada de trabalho de trinta horas para servidores técnico-administrativos na Diretoria de Administração de Pessoal da UFRN por prazo superior ao experimental de doze meses previstos na Portaria de concessão, gerando uma concessão irregular de flexibilização da jornada.

201800575

IFPE

1.1.2.1: Ausência de estudos de demanda sobre os setores do IFPE suficientemente capazes de demonstrar a necessidade de regime de turnos ou escalas de no mínimo doze horas ininterruptas, em função de atendimento ao público ou trabalho em período noturno, nos termos do art. 3º do Decreto nº 1.590/1995.

1.1.2.2: Impropriedades na Portaria nº 0225/2016-GR que estabeleceu requisitos e procedimentos para implementação de flexibilização na jornada de trabalho de servidores do IFPE.

1.1.2.3: Necessidade de adequação de portarias da Reitoria que autorizaram a flexibilização da jornada de servidores do IFPE, para atendimento dos preceitos contidos no Decreto nº 1.590/1995.

1.1.2.4: Interrupção no regime de turnos ou escalas, quanto ao período mínimo de 12 horas de funcionamento, em setores do IFPE a cujos servidores foi autorizada a flexibilização da jornada, em desconformidade com o art. 3º do Decreto nº 1.590/1995.

1.1.2.5: Servidores em jornada flexibilizada não vêm cumprindo de forma regular a jornada de seis horas diárias.

1.1.2.8: Ausência de controle das chefias quanto ao cumprimento de jornada de trabalho diária e carga horária semanal de servidores com jornada flexibilizada.

201800583

IFRN

2.1.1.1: Concessão indevida de jornada de trabalho flexibilizada de trinta horas semanais a 451 servidores sem a realização prévia de estudo demonstrando se as atividades se enquadram nos pressupostos estabelecidos pelo artigo 3º do Decreto nº 1.590/1995, sob o argumento de atendimento aos itens 1.8 do Acordão n° 718/2012-1ª Câmara/TCU e 9.8 do Acórdão n° 5.847/2013 - TCU-1ª Câmara.

2.1.1.2: Inconsistências na jornada flexibilizada: portarias de autorização inválidas; horários constantes em quadros afixados divergentes dos horários constantes em portaria de autorização; ausência de quadro afixado com o horário dos servidores.

2.1.1.3: Execução irregular de atividades na jornada flexibilizada com apenas seis horas de serviço por dia, e não doze horas ininterruptas, por não haver outros servidores para revezamento da escala e/ou revezamento irregular com o chefe do setor.

201800612

UNIVASF

2.1.3.1: Concessão de jornada flexibilizada sem estudos que demonstrem que os serviços exigem atividades contínuas de regime de turnos ou escalas, em período igual ou superior a doze horas ininterruptas, em função de atendimento ao público ou trabalho no período noturno.

2.1.3.2: A Univasf não está utilizando as formas de controle de frequência previstas no art. 6º, do Decreto nº 1.590/1995, quais sejam: controle manual; controle mecânico ou controle eletrônico.

2.1.3.3: Deficiência na concessão e acompanhamento de jornada flexibilizada de servidores da SEaD.

201800631

UFPE

2.1.3.1: Os estudos sobre a concessão de carga horária reduzida para 30 horas sem redução de salário, no âmbito da UFPE, não evidenciam a exigência de turnos ou escalas ininterruptas de ao menos 12 horas, tampouco contemplam critérios objetivos para avaliar se as atividades desenvolvidas e o público a ser atendido por cada setor enquadram-se nos pressupostos estabelecidos pelo decreto nº 1.590/1995.

2.1.3.2: Os atos normativos que amparam a concessão de jornada flexibilizada para os servidores da UFPE não possuem a identificação dos servidores beneficiados, nem as atividades desempenhadas e as informações sobre o horário de trabalho de cada servidor.

2.1.3.3: As condições de elegibilidade do servidor para gozo da flexibilização de jornada não estão sendo observadas. Além de considerar o atendimento a servidores e professores de diferentes setores internos da própria UFPE enquanto atendimento ao público, a UFPE concede jornada de trabalho de seis horas diárias a ocupantes de funções gratificadas - que se submetem ao regime integral de dedicação ao serviço, segundo a Lei 8.112/90.

2.1.3.4: No exercício 2017 não havia controle apropriado do ponto dos servidores autorizados a cumprir jornada de trabalho reduzida para 30 horas semanais. Apenas a partir de abril de 2018 foi implantado o ponto eletrônico. Nem sempre a relação nominal de servidores e respectivos horários estava afixada no local de atendimento dos setores beneficiados com a jornada flexibilizada.

Considerando, na hipótese, a ocorrência de relativa uniformidade no quantitativo de instituições federais de ensino com apontamento restritivo quanto à aplicação da jornada “flexível”, é crível inferir que 80% das entidades educacionais federais têm pendências que obstaculizam o cumprimento das disposições regulamentadoras do art. 19 do RJU.

Sobre o autor
Lúcio Oliveira da Conceição

Sou Advogado desde 2008, servidor da Controladoria-Geral da União; exerceu a função de Chefe da Assessoria Especial de Controle Interno no Ministério do Turismo (mar/2017 a jan/2019)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONCEIÇÃO, Lúcio Oliveira. A ilegalidade da jornada reduzida trabalho prevista no art. 3º do Decreto nº 1.590/95. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5839, 27 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74290. Acesso em: 21 nov. 2024.

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