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A ilegalidade da jornada reduzida trabalho prevista no art. 3º do Decreto nº 1.590/95

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Agenda 27/06/2019 às 09:00

VI - JORNADA DE TRABALHO – ESTIPULAÇÃO MEDIANTE LEI (OU EQUIVALENTE NORMATIVO, COMO MEDIDA PROVISÓRIA, DECRETO-LEI)

Não há margem de dúvida de que o RJU disciplina casos gerais na seara da jornada de trabalho dos servidores estatutários.

A transformação normativa operada no art. 19 da Lei nº 8.112/90, contudo, afasta sua incidência na duração de trabalho estabelecida em leis especiais.

Neste sentido, é coerente a defesa da tese de que somente lei – e, por conseguinte, seus equivalentes normativos, como são a Medida Provisória e o Decreto-Lei -, pode dispor sobre a matéria “jornada de trabalho”.

Assim o é em diversos cargos públicos elencados na Portaria nº 97, de 17 de fevereiro de 2012, da Secretaria de Gestão Pública do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – SEGES/MPOG[11], publicado para atendimento ao art. 10, parte final, do Decreto nº 1.590/95:

Cargo

Jornada

Legislação

Médico, Médico de Saúde Pública e Médico Veterinário

20 horas

Lei nº 9.436/97

Fisioterapeuta e Terapeuta ocupacional

Máxima de 30 horas

Lei nº 8.856/94

Odontólogo

30 horas

Decreto-Lei nº 1.445/76

Técnico em Assuntos Culturais

30 horas

Lei nº 3.857/60

Músicos profissionais

5 horas diárias

Lei nº 3.857/60

Técnico em Radiologia

24 horas

Lei nº 7.394/85

Técnico de Laboratório, Laboratorista e Auxiliar de Laboratório

30 horas

Decreto-Lei nº 1.445/76 e Lei nº 7.995/90

Fonoaudiólogo

30 horas

Lei nº 7.626/87

Radialista (autoria e locução)

5 horas diárias

Leis nºs 6.615/78 e 9.637/98

Radialista (produção e técnica)

6 horas diárias

Leis nºs 6.615/78 e 9.637/98

Radialista (cenografia e caracterização)

7 horas diárias

Leis nºs 6.615/78 e 9.637/98

Magistério

20 ou 40 horas

Lei nº 12.772/2012

Técnico em Comunicação Social e Jornalista

25 horas

Decreto-Lei nº 972/69


VII - ALTERAÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO DE SERVIDOR ESTATUTÁRIO – POR LEI E COM REDUÇÃO PROPORCIONAL DA REMUNERAÇÃO

Já ficou sobejamente demonstrado que a jornada de trabalho tem seu disciplinamento por lei ou seu equivalente normativo, e como corolário, inviável juridicamente por intermédio de ato infralegal, como é o Decreto.

Outro tema pacificado é a adoção, por ato legal, de redução de jornada, atendidas determinadas condições, sempre com redução proporcional do salário.

Podem ser citados casos recentes de variabilidade de carga horária de determinados grupos funcionais, regidos por leis específicas e com variação remuneratória em simetria com a jornada de trabalho:

a) servidores integrantes da Carreira de Perito Médico Previdenciário: cumprem jornada de 40 horas semanais (art. 35, caput, da Lei nº 11.907/2009[1]), com direito de opção para 30 horas semanais, realizada em 6 horas diárias de forma ininterrupta (art. 35, §§ 5º, 6º e 7º da Lei nº 11.907/2009), com remuneração PROPORCIONAL (há, ainda, a hipótese de redução para 20 horas semanais).

Anexo XV da Lei nº 11.907/2009, com redação dada pela Lei nº 13.464/2017[16]

Vencimento básico dos cargos de Perito-Médico Previdenciário e de Supervisor Médico-Pericial

Classe/Padrão S III

Jornada

Valor (a partir de 1º de janeiro de 2019)

20h semanais

R$ 6.458,78

30h semanais

R$ 9.688,17

40h semanais

R$ 12.917,56

b) servidores ocupantes dos cargos de Médico, Médico de Saúde Pública, Médico do Trabalho, Médico Veterinário, Médico-Profissional Técnico Superior, Médico-Área, Médico Marítimo e Médico Cirurgião, regidos pela Lei nº 8.112/90, beneficiados pela Lei nº 8.878, de 11 de maio de 1994[1], assim como das Leis nºs 11.090 e 11.091, de 7 e 12 de janeiro de 2005, respectivamente[1]: possuem jornada de 20 horas semanais (art. 41 a 44, caput, da Lei nº 12.702/2012[1]), podendo, mediante opção funcional, exercerem suas atividades funcionais em jornada de 40 horas semanais (§§ 2º dos art. 41 a 44 da Lei nº 12.702/2012), com vencimentos básicos proporcionais à jornada cumprida por cada servidor, conforme evidenciado na Tabela de Remuneração dos Servidores Públicos Federais Civis e dos Ex-Territórios, edição 78, jan/2019[12].

c) servidores integrantes da Carreira do Seguro Social: a jornada de trabalho é de 40 horas semanais (art. 4º-A, caput, da Lei nº 10.855/2004[1]), sendo que, “a partir de 1o de junho de 2009, é facultada a mudança de jornada de trabalho para 30 (trinta) horas semanais para os servidores ativos, em efetivo exercício no INSS, com redução proporcional da remuneração (...)”, conforme art. 4º-A, § 1º, da Lei nº 10.855/2004).

Em suma: somente por lei podem ser criadas mais de uma espécie de jornada de trabalho, e em qualquer situação, igualmente por lei, a redução de tempo de labor vem acompanhada da diminuição proporcional da remuneração.

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VIII - APLICAÇÃO DO ART. 3º DO DECRETO Nº 1.590/95 PELAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO – ILEGALIDADE

Na auditoria realizada pela CGU nas contas anuais, exercício de 2017, da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, evidencia-se que a aprovação da jornada “flexível” resulta na EFETIVA DIMINUIÇÃO DA JORNADA SEM REDUÇÃO DA REMUNERAÇÃO – “2.1.3.1: Os estudos sobre a concessão de carga horária reduzida para 30 horas sem redução de salário, no âmbito da UFPE (...)”

O Decreto nº 1.590/95, sob o pretexto de regulamentar matéria alusiva à jornada de trabalho dos servidores da União, como ato infralegal, nitidamente extrapolou as balizas normativas do RJU, ao conceder vantagem financeira, com a manutenção dos estipêndios dos beneficiários, em que pese a diminuição da cargo horária laboral.

Com a concessão do que se denomina “jornada flexível”, nos moldes usualmente praticados pelas IFE, o servidor contemplado terá aumento salarial mascarado da ordem de 33%.

Exemplificando:

1. Salário de R$ 2.400,00/mês

2. Jornada de 6 horas diárias, com 20 dias por semana = 120 horas mensais

3. Jornada de 8 horas diárias, com 20 dias por semana = 160 horas mensais

4. Valor da hora diária recebida para quem trabalha 6 horas diárias: 2.400,00 ÷ 120 = R$ 20,00

5. Valor da hora diária recebida para quem trabalha 8 horas diárias: 2.400,00 ÷ 160 = R$ 15,00

6. Diferença: R$ 5,00, ou aumento de 33% (5/15*100)

Há, de modo reflexo, aumento salarial face a redução do esforço laboral com manutenção da remuneração, estando circunscrito em favor de servidores elegíveis na forma do Decreto, concentrado nas instituições federais de ensino, uma vez que estas funcionam, de modo continuado, em período igual ou superior a doze horas ininterruptas, e com a finalidade de prestação de atendimento ao público (comunidade educacional), inclusive em período noturno, após as 21 horas (art. 3º, caput).

Em matéria de política remuneratória, convoco o art. 37, inciso X, da Constituição de 1988[1], fundamentado em precedentes do STF, para afirmar a necessidade de lei específica na concessão de vantagem pecuniária:

Art. 37. (...):

(...)

X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica (...);

A concessão de qualquer benefício remuneratório a servidores públicos exige lei específica, nos termos do art. 37, X, da CF. Precedentes.

[ADI 1.352, rel. min. Edson Fachin, j. 3-3-2016, P, DJE de 12-5-2016[13].]

Em tema de remuneração dos servidores públicos, estabelece a Constituição o princípio da reserva de lei. É dizer, em tema de remuneração dos servidores públicos, nada será feito senão mediante lei, lei específica. CF, art. 37, X; art. 51, IV; art. 52, XIII.

[ADI 3.369 MC, rel. min. Carlos Velloso, j. 16-12-2004, P, DJ de 1º-2-2005[14].]

= AO 1.420, rel. min. Cármen Lúcia, j. 2-8-2011, 1ª T, DJE de 22-8-2011[15]

Foi, portanto, decisão governamental casuística, irrazoável e antieconômica, porquanto os pressupostos para deferimento da jornada “flexível” convergem para os servidores do Plano de Carreira dos Cargos Técnico-Administrativos em Educação - PCCTAE, enquanto que o corpo funcional da União, à exceção de frações corporativistas, dispunha, com a Medida Provisória nº 2.174-28, de 24 de agosto de 2001[1], revogada pela Medida Provisória nº 792, de 26 de julho de 2017[1], esta com vigência encerrada pelo Ato Declaratório do Congresso Nacional nº 65, de 6 de dezembro de 2017[1], da faculdade de pleitear jornada reduzida COM REMUNERAÇÃO PROPORCIONAL, calculada sobre a totalidade da remuneração.

Outro aspecto relevante é o universo de potenciais beneficiários: considerando os cargos e carreiras já mencionados, demonstra-se a clara amplificação de servidores elegíveis pelo Decreto nº 1.590/95, representando 74,65% dentre aqueles com previsão normativa atualmente vigente.

Cargos

Quantidade de servidores ativos

Fundamento Legal

Técnico-Administrativos das IFE

116.203 (74,65%)

Decreto nº 1.590/95

Carreira do Seguro Social

25.334 (16,27%)

Lei nº 10.855/2004

Ocupantes de cargos de Médico e correlatos

10.455 (6,71%)

Lei nº 12.702/2012

Carreiras de Perito Médico Federal e de Supervisor Médico-Pericial

3.666 (2,37%)

Lei nº 11.907/2009

O Decreto, como ato infralegal, de estabilidade jurídica inferior a lei, limitado por esta, é exemplo de manifestação do poder regulamentar, conferindo ao Chefe do Executivo a prerrogativa de sua expedição no exercício da atividade legislativa secundária. O RJU, no caso concreto, não permitiu a redução de jornada, mas sua flexibilização; e mesmo que os termos “redução” e “flexibilização”, por interpretação heterodoxa, tenham significados equivalentes, ainda assim à Administração Pública é admitido fazer o que a lei autoriza, e a Lei nº 8.112/90 não dispôs, em seu texto, a manutenção do salário com redução da jornada de trabalho, e tão pouco delegou competência ao Executivo Federal que assim o fizesse em regulamento próprio.

Sobre o autor
Lúcio Oliveira da Conceição

Sou Advogado desde 2008, servidor da Controladoria-Geral da União; exerceu a função de Chefe da Assessoria Especial de Controle Interno no Ministério do Turismo (mar/2017 a jan/2019)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONCEIÇÃO, Lúcio Oliveira. A ilegalidade da jornada reduzida trabalho prevista no art. 3º do Decreto nº 1.590/95. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5839, 27 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74290. Acesso em: 23 dez. 2024.

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