7. A cassação dos proventos do servidor público civil em razão da prática de fato cuja ocorrência se deu quando já aposentado.
Não há previsão de cassação de aposentadoria como penalidade disciplinar em relação ao aposentado que tenha praticada fato contrário aos superiores interesses da administração pública quando já se encontrava na inatividade. Como visto acima, até mesmo em relação àqueles que admitem a cassação de aposentadoria, seja em sede doutrinária ou jurisprudencial, a condição para tanto é que o fato tenha sido praticado quando o servidor ainda estava na atividade. Por consequência lógica, fora dessa hipótese não cabe falar em tal penalidade.
8. A cassação da aposentadoria em decorrência de efeito secundário (extrapenal específico) da condenação penal
Embora o presente trabalho não tenha o propósito de discutir a questão da perda dos proventos de aposentadoria em virtude de provimento jurisdicional, entendemos por merecida, uma rápida pincelada.
Na doutrina colhemos, entendendo no sentido da impossibilidade da sanção cassação de aposentadoria como efeito específico da condenação penal, temos o magistério da lavra de Nucci [7]:
“A aposentadoria, que é o direito à inatividade remunerada, não é abrangida pelo disposto no art. 92. A condenação criminal, portanto, somente afeta o servidor ativo ocupante efetivo de cargo, emprego, função ou mandato eletivo. Caso já tenha passado à inatividade, não mais estando em exercício, não pode ser afetado por condenação criminal, ainda que esta advenha de fato cometido quando ainda estava ativo. Se for cabível, a medida de cassação da aposentadoria deve dar-se na órbita administrativa, não sendo atribuição do juiz criminal”.
O artigo 92 do CP, I prevê como consequência extrapenal específica e não automática da condenação à perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, e, nos demais casos quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos.
Apesar da clareza da redação, o TJSP entendeu por aplicar ao arrepio da lei, a perda da aposentadoria como efeito extrapenal específico da condenação. Tal demanda chegou ao STJ, por meio do REsp 1416477/SP, que reformou a decisão, com fundamento em dois pontos: a falta de previsão legal, e, a impossibilidade de se ampliar as hipóteses legais em prejuízo do condenado. Eis a ementa:
RECURSO ESPECIAL E AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. 1. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL QUANTO AO AGRAVO. SÚMULAS N.S 292 E 528 DO STF. 2. INOBSERVÂNCIA DO ART. 514 DO CPP. DENÚNCIA INSTRUÍDA COM INQUÉRITO POLICIAL. NULIDADE RELATIVA QUE NÃO SE RECONHECE. SÚMULA N. 330 DO STJ. 3. CRIME COMETIDO NA ATIVIDADE. POSTERIOR APOSENTADORIA. PERDA DO CARGO PÚBLICO. ART. 92, I, ALÍNEA "A", DO CP. ROL TAXATIVO. CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA. ILEGITIMIDADE. PRECEDENTES. 4. AGRAVO NÃO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.1. (...). 2. (...). 3. Condenado por crime funcional praticado em atividade, anteriormente à aposentaria, que se deu no curso da ação penal, não é possível declarar a perda do cargo e da função pública de servidor inativo, como efeito específico da condenação. A cassação da aposentadoria, com lastro no art. 92, I, alínea "a", do Código Penal, é ilegítima, tendo em vista a falta de previsão legal e a impossibilidade de ampliar essas hipóteses em prejuízo do condenado. 3. Agravo não conhecido e recurso especial parcialmente procedente.
(REsp 1416477/SP, Rel. Ministro WALTER DE ALMEIDA GUILHERME (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), QUINTA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 26/11/2014). (g.n)
Ora, considerando que o cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor, e que, a aposentadoria implica na vacância do cargo público (Art. 3º e art. 33, VII, da Lei nº 8.112/1990), a conclusão não poderia ser outra: o aposentado não ocupa cargo público, portanto, não há como perder o que não têm.
9. A cassação da aposentadoria em decorrência de decisão condenatória de perda da função pública em Ação de Improbidade Administrativa
Tal questão já foi tratada no âmbito do STJ, nos dois sentidos, ou seja, tanto pela sua possibilidade como pela sua impossibilidade da cassação da aposentadoria em razão de condenação em ação de improbidade administrativa.
Em 02/10/2010, no REsp nº 1.186.123/SP, da relatoria do Ministro Herman Benjamin, a Segunda Turma decidiu no sentido da impossibilidade da cassação da aposentadoria em razão de condenação em ação de improbidade administrativa.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.186.123 - SP (2010/0052911-8) RELATOR: MINISTRO HERMAN BENJAMIN RECORRENTE: JOSÉ MEZA ADVOGADO: JOÃO CARLOS RIZOLLI E OUTRO(S) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO RECORRIDO: MUNICÍPIO DE RUBIÁCEA ADVOGADO: SÉRGIO ANTÔNIO BERNARDI EMENTA PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. EXECUÇÃO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA. MEDIDA QUE EXTRAPOLA O TÍTULO EXECUTIVO. DESCABIDO EFEITO RETROATIVO DA SANÇÃO DE PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA. 1. Cuidam os autos de execução de sentença que condenou o ora recorrente pela prática de improbidade administrativa, especificamente por ter participado, na qualidade de servidor público municipal, de licitações irregulares realizadas em 1994. Foram-lhe cominadas as seguintes sanções: perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, proibição temporária de contratar com o Poder Público e multa. 2. O Juízo da execução determinou a cassação da aposentadoria, ao fundamento de que se trata de conseqüência da perda da função pública municipal. O Tribunal de Justiça, por maioria, manteve a decisão. 3. O direito à aposentadoria submete-se aos requisitos próprios do regime jurídico contributivo, e sua extinção não é decorrência lógica da perda da função pública posteriormente decretada. 4. A cassação do referido benefício previdenciário não consta no título executivo nem constitui sanção prevista na Lei 8.429/1992. Ademais, é incontroverso nos autos o fato de que a aposentadoria ocorreu após a conduta ímproba, porém antes do ajuizamento da Ação Civil Pública. 5. A sentença que determina a perda da função pública é condenatória e com efeitos ex nunc, não podendo produzir efeitos retroativos ao decisum, tampouco ao ajuizamento da ação que acarretou a sanção. A propósito, nos termos do art. 20 da Lei 8.429/1992, "a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória". 6. Forçosa é a conclusão de que, in casu, a cassação da aposentadoria ultrapassa os limites do título executivo, sem prejuízo de seu eventual cabimento como penalidade administrativa disciplinar, com base no estatuto funcional ao qual estiver submetido o recorrente. 7. Recurso Especial provido. (REsp 1.186.123/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/10/2010, DJe 04/02/2011) (g.n)
Como se verifica no julgado, apesar de não admitir a possibilidade da conversão da penalidade de perda da função pública em cassação de aposentadoria, , apresenta a ressalva da possibilidade da cassação da aposentadoria, desde que em sede de penalidade administrativa disciplinar e que a falta praticada tenha ocorrido quando o servidor se encontrava na atividade
Posteriormente, a Segunda Turma, em julgados da mesma relatoria do Ministro Herman Benjamin, passou a admitir a possibilidade da conversão da penalidade de perda da função pública em cassação de aposentadoria, desde que a falta praticada tenha ocorrida quando o servidor se encontrava na atividade, conforme se verifica adiante:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por Eraldo de Araújo Sobral contra ato do Ministro de Estado da Previdência Social, consubstanciado na Portaria 330/2013, que cassou sua aposentadoria em virtude de sentença condenatória transitada em julgado, nos autos de Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa. 2. A Lei 8.429/92 não comina, expressamente, a pena de cassação de aposentadoria a agente público condenado pela prática de atos de improbidade em sentença transitada em julgado. Todavia, é consequência lógica da condenação à pena de demissão pela conduta ímproba infligir a cassação de aposentadoria a servidor aposentado no curso de Ação de Improbidade. 3. O art. 134 da Lei 8.112/90 determina a cassação da aposentadoria do inativo que houver praticado, na atividade, falta punível com a demissão. 4. Segurança denegada. (MS 20.444/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/11/2013, DJe 11/3/2014). (g.n)
PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA. ANÁLISE DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INCABÍVEL AO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. 1. (...) 2. (...) 3. (...) 4. A ausência de previsão expressa da pena de cassação de aposentadoria na Lei de Improbidade Administrativa não constitui óbice à sua aplicação na hipótese de servidor aposentado, condenado judicialmente pela prática de atos de improbidade administrativa. 5. Trata-se de consequência lógica da condenação à perda da função pública, pela conduta ímproba, infligir a cassação da aposentadoria ao servidor aposentado no curso da Ação de Improbidade. 6. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AREsp 826.114/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/4/2016, DJe 25/5/2016). (g.n)
Como se percebe no destaque, a condição para que a cassação da aposentadoria por ato improbo, em decorrência de condenação em ação de improbidade administrativa, é que o fato tenha sido praticado pelo servidor quando em atividade.
No âmbito do TJSC, conforme esposado por ocasião do julgamento da Ação Ordinária 0069763-59.2012.8.24.0023, o entendimento é no sentido da impossibilidade da conversão da penalidade de perda da função pública em cassação de aposentadoria.
“ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR QUE TEVE A SUA APOSENTADORIA CASSADA EM DECORRÊNCIA DO CUMPRIMENTO DA APLICAÇÃO DA PENA DE PERDA DO CARGO DETERMINADA EM AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ILEGALIDADE. PENALIDADES DE NATUREZAS DISTINTAS. IMPOSSIBILIDADE DE CONFERIR INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA, QUE CAUSE PREJUÍZO À PARTE, ÀS PENALIDADES DA LEI N. 8.429/1992. SERVIDOR QUE, AO PASSAR PARA A INATIVIDADE, TEM O SEU VÍNCULO FUNCIONAL ROMPIDO. Condenação da autarquia previdenciária ao pagamento das prestações vencidas e não adimplidas. incidência, na hipótese, do art. 1º-f da lei n. 9.494/1997, com a redação dada pela lei n. 11.960/2009, a partir da citação (art. 219 do CPC). ônus da sucumbência. inversão. antecipação dos efeitos da tutela. possibilidade. requisitos do art. 273 do CPC preenchidos. sentença reformada. recurso provido.