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Teoria do safety flare ou da sinalização direcionada

Agenda 28/06/2019 às 13:00

A teoria do safety flare ou da sinalização direcionada se contrapõe a posição jurídica que enfraqueceu o Código de Defesa do Consumidor, através de teorias do tipo mero aborrecimento e indústria do dano moral.

Hoje em dia a perda de tempo com problemas criados pelas empresas é o que vem esmagando a vida dos consumidores, como muito bem foi fundamentado na "teoria aprofundada do desvio produtivo do consumidor", obra do ilustre advogado Marcos Dessaune. Após aproximadamente 6 anos do lançamento da primeira edição do livro de Dessaune, e inúmeras decisões a favor dos Tribunais Superiores, a primeira decisão do Superior Tribunal de Justiça que reconheceu efetividade a esta teoria data de 3.10.2017, relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, AREsp n°. 1.132.385. Obviamente que oriundo do notável Tribunal de Justiça de São Paulo, o que mais aplicou esta teoria nos últimos tempos. Servindo de amparo e homenagem para todos os julgados pátrios que já discorreram a respeito, recorto trecho do mencionado acórdão como exemplo. Disse o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: "(...) Reparação por desvio produtivo, caracterizado pela falta de pronta solução ao vício do serviço noticiado, também devida, como forma de recompor os danos causados pelo afastamento da consumidora da sua seara de competência para tratar do assunto que deveria ter sido solucionado de pronto pela fornecedora".

A última decisão desta Corte reconhecendo essa teoria foi de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, que afirmou categoricamente que em pleno 2018 o "Estado falha em cumprir seu dever de proteger o consumidor" {AREsp 1.260.458/SP}. Muito embora a legislação infraconstitucional seja muito clara tocante os deveres das empresas, aí o Código de Defesa do Consumidor que vige há 30 anos, mesmo assim em pleno 2.020 ainda é um martírio para o consumidor cancelar um serviço de telefonia. O que era para ser feito com apenas um clique, segundo a ANATEL, leva horas para não ser concretizado, sem mencionar as inúmeras irregularidades cometidas que os consumidores não registram ocorrência, para não ter que passar horas ao telefone ou para presenciar a ANATEL manter-se inerte. Desafio qualquer leitor a dizer que cancelou um serviço, qualquer empresa hoje no Brasil, com um simples apertar de botões e de forma ágil, sem passar por atendentes! Ninguém até hoje conseguiu este feito e falo sem pestanejar. Ao mesmo tempo me sinto triste ao perceber que essas leis não são respeitadas neste país, pelo menos pelos empresários, tanto é assim que mesmo depois de 30 anos de Pergaminho Consumerista, com normas claras e de fácil compreensão, o Poder Judiciário possui milhões de ações de consumidores que não conseguiram cancelar um serviço.

Esse é só um exemplo, mas não é de hoje que no Brasil o sujeito contrata um seguro de vida e após a morte o espólio é obrigado a mover a máquina do Judiciário para que o Estado/Juiz diga o óbvio; não é de hoje que o sujeito paga o seguro do veículo e após uma colisão, é obrigado a ajuizar uma demanda para que a indenização seja paga; não é de hoje que o consumidor contrata um seguro para pagar as parcelas do financiamento do veículo, e na hora que mais precisa a seguradora nega cobertura; não é de hoje que o cliente é obrigado a passar por inúmeros atendentes até chegar no setor que resolveria seu problema, e ao final não resolve. Ninguém que é obrigado a ligar 19 vezes para uma operadora de telefonia para cancelar um serviço, se trata de mero dissabor; ninguém que fica 4 horas no telefone para fazer valer um direito, se enquadra no mero dissabor; ninguém que fica 3 horas na fila de um banco ou uma tarde inteira no consultório médico quando tinha hora marcada, se enquadra no mero dissabor; ninguém que aciona o sinistro porque o veículo foi abalroado e o banco coloca a culpa no próprio segurado, sem nenhuma prova, se enquadra na indústria do dano moral; ninguém que passa 30 anos pagando o seguro de vida e após uma morte natural tem o benefício negado por uma desculpa qualquer, se enquadra na indústria do dano moral; ninguém que paga o seguro desemprego e depois tem o pleito negado pela seguradora porque incluiu o segurado em outra categoria, se trata de mera angústia.

Aqui apenas alguns exemplos das barbáries cometidas por banqueiros e empresas brasileiras, e fomentados por estes gananciadores, inúmeras teorias são disseminadas no ramo jurídico com o único intuito de livrar a responsabilidade deles enquanto a lei não é cumprida. Do outro lado o cidadão, já aterrorizado pela herança que a atual crise econômica vem assombrando o país, é obrigado a raspar o fundo das suas reservas para provocar o Judiciário e fazer valer as leis de regência. E o pior, ao final inverte-se valores para incutir na mente do consumidor que ele é o culpado pelos transtornos, que ele assim como muitos surfam na onda da indústria do dano moral para se enriquecer às custas das sociedades empresárias. Está na hora de dar um basta neste fundamento, chega de culpar o jurisdicionado ou o advogado que supostamente provocariam o Estado com danos que não ultrapassam o mero dissabor, que é normal a espécie, é o movimento da indústria do dano moral.

Inúmeras condenações hoje no Brasil são frutos desse desrespeito das empresas as leis ou ao contrato, ao que está posto há muito tempo no ordenamento. Todavia, a gama de decisões com base no mero aborrecimento ou na indústria do dano moral vem na contramão das decisões a favor. Nestes casos, a esmagadora maioria das ações era para ser julgada procedente, mas a generosidade do Estado avoluma os cofres dos empresários. Como é muito mais lucrativo para essas empresas desrespeitar as leis ou o pacto entabulado - quem se arrisca ligar para uma operadora de telefonia numa sexta-feira para reclamar de R$0,10 a mais na conta telefônica? -, elas se favorecem de teorias do tipo mero aborrecimento ou indústria do dano moral para se esquivar da responsabilidade de cumprir as leis, com a conivência do Estado. Faça uma pequena conta com o exemplo apresentado: pegue a maior operadora de telefonia hoje com mais assinantes no Brasil, possui 73.777.893 de clientes, e multiplique os R$ 0,10 pela quantidade de pessoas que não irão ligar para reclamar, e imagine o lucro que isso causa nos cofres da empresa. Não precisa ser um expert em matemática para chegar a esse número.

Esse é só um exemplo, não quero culpar só a telefonia, o seguro é outro campeão de lucratividade no setor. Poucas vezes sou procurado por cidadãos me perguntando se a negativa da seguradora está correta. Imagine a quantidade de seguros de vida firmados a cada minuto no Brasil, que são pagos mensalmente por anos, e ao final da vida é negada a cobertura mesmo se tratando de morte asilada pelo seguro. Quantas pessoas já idosas e cansadas nesta fase da vida, irão reclamar da decisão do banco ou procurar um advogado para analisar a legalidade do veredicto proferido pelo agente financeiro? E o pior, aqueles que se aventurarem pelos caminhos do Judiciário serão obrigados a pagar os honorários advocatícios, as custas processuais, movimentar a máquina, se deslocar até ela, produzir provas, para ao final, no mínimo 3 anos depois – sendo bem generoso, o Juiz declarar o axiomático, o que já se sabia desde o aviso do sinistro, que a seguradora deve cumprir o contrato/lei. E se o jurisdicionado pleitear danos morais pelo contrato não cumprido, o juiz, com urgência, vai destacar do bolso o mero aborrecimento ou a indústria do dano moral. Au revoir Monsieur!

Esses 3 anos de disputa judicial serão para a seguradora o paraíso prodigioso, presente do Judiciário, pois capitalizando o que foi pago por anos pelo de cujus no nosso exemplo, será suficiente para pagar as perdas do processo - custas, honorários sucumbenciais, condenação, e a viagem de final do ano da família do empresário. Banqueiro nunca perde meus amigos! Quem perde aqui é apenas a sociedade e o Estado/Juiz que crê estar usando a razoabilidade e a proporcionalidade com sabedoria. Isso levando em consideração o fato de que o Poder Judiciário não está abarrotado de processos e nem que a virtualização facilitou esse crescimento. Pelo contrário, os exemplos aqui retratados são apenas contos ilustrativos, acontecem esporadicamente. Pesquisa do CNJ de 27.8.18 aponta que o Judiciário tem apenas 80 milhões de processos em tramitação. Nesta mesma data o referido órgão declarou que o acervo de processos eletrônicos no país refere-se a 94% de todo o estoque. Nesse momento ao ler essa tese provavelmente esse número já restará superado. Enquanto essa cultura estiver enraizada no Judiciário e para algumas doutrinas direcionadas, as empresas não irão mudar.

Por que isso não é um problema nos EUA? As multas milionárias aplicadas às empresas nesse país coíbem esse tipo de prática, o que não ocorre no Brasil com condenações de R$ 10.000,00, ou fundamentos do tipo mero dissabor, indústria do dano moral ou algo do gênero. Ninguém ainda parou para pensar quem realmente está se enriquecendo indevidamente neste país! O povo não é, e não precisa ser muito inteligente para constatar esse fato. O resultado coletado dessas decisões no ordenamento pátrio, demonstram que as empresas não se sentem afetadas por este tipo de sentença, tanto que a reincidência é diária. Se o binômio caráter sancionatório x lenitivo para a dor - criados para educar as empresas desse certo, hoje em dia não teríamos o número tão elevado de ações ajuizadas todos os dias. Ponderemos ainda que em todos estes casos o consumidor com base no princípio da confiança, depositou suas economias e sua lealdade em um contrato que deveria ser entregue da forma como entabulado, ou uma lei que deveria ser cumprida, pelo menos no ideário de Justiça.

É importante lembrar as palavras do Em. Arnaldo Rizzardo ao declarar que “A todos incumbe a obrigação de não iludir os outros, de sorte que, se por sua atividade ou inatividade violarem esta obrigação, deverão suportar as consequências de sua atitude. A presença da boa-fé é requisito indispensável nas relações estabelecidas pelas pessoas para revestir de segurança os compromissos assumidos”. {Revista da associação dos juízes do Rio Grande do Sul, n. 24, março/84, p. 222}. Isso não deveria soar utópico meus amigos, era para ser uma realidade. Ocorre que na grande maioria das vezes ao suscitar a execução de um contrato ou da lei, o consumidor é surpreendido por uma negativa esfarrapada. Se houver qualquer divergência neste ponto, deveria ser resolvido o contrato o mais rápido possível ou devolvido o dinheiro, tal qual dispõe o duty to mitigate the loss. Nos casos dos seguros, as leis são claras e as negativas de cobertura deveriam se resumir as hipóteses legais. E o que acontece hoje, com essas milhões de negativas no que toca a responsabilidade das empresas? Mero dissabor, indústria do dano moral, resumindo, é a fábrica das facilitações Estatal.

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Todas as condutas narradas aqui como exemplos, além de outras incontáveis facetas que encontramos no meio, eu trato como um problema de macrocriminalidade, porque desrespeitar as leis no meu pensar ainda é crime neste país, e nos casos aqui retratados com uma agravante, pois lidamos com empresas com alto poder aquisitivo, assessoradas por grandes corporações de escritórios de advocacia. A macrocriminalidade se caracteriza por crimes praticados que atingem toda uma coletividade, suas características se concentram no elevado status social dos seus infratores, e a impunidade fomentada por inúmeros setores faz com que essas empresas invertam valores, a regra passa a ser não obedecer as leis ou o contrato. O fato de não executar um contrato ou a lei; de não atender o cliente com fito em resolver o problema criado pela própria empresa; o seguro que não é pago por um fundamento esdrúxulo; o cancelamento do serviço que encontra inúmeras barreiras; o cliente que fica horas esperando para ser atendido; são condutas criminosas dessas empresas, que se utilizam dessas manobras para dificultar a concretização do pleito do consumidor ou o acesso, vencendo pelo cansaço ou criando entraves à concretização.

Essas empresas que desrespeitam as leis, e sabemos que os contratos não seguem a risca o Código de Defesa de Consumidor, não merecem o perdão do Judiciário, o prejudicado é sempre o cidadão, e ultimamente o Judiciário é o que mais estimula essa atividade, com práticas que simulam o senso de justiça, subestimando a inteligência do cidadão à luz de uma tese de que este Poder deve temperar esses pedidos e só concede-los em determinados casos, porque há por trás de tudo isso uma indústria do dano moral, uma conspiração de um determinado grupo da sociedade contra os empresários. Isso não existe, como disse anteriormente as regras de lealdade não podem soar utópicas. A questão é simples: ou cumpre ou não cumpre a lei, não há espaço para delírios normativos. Os poderes institucionalizados atualmente estão enfraquecidos é justamente por força desse tipo de decisão, que inverte a culpa para impunha-la no jurisdicionado. A reação backlash que vivenciamos no país tem fundamento na insatisfação dos cidadãos com esse tipo de decisum, e eu provoco qualquer um dos leitores a perguntar ao povo brasileiro o que eles pensam das decisões atuais do Judiciário.

Nunca se escreveu tanto sobre essa crise institucionalizada no que toca a credibilidade do Judiciário como nos últimos tempos. Isso gera insegurança jurídica, tema inclusive que nas últimas semanas foi pauta de discurso do presidente do Supremo Dias Toffoli, dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça e alguns Tribunais Superiores. Todos sabem que essa colcha de retalhos não está dando certo e se não mudar, o terreno da segurança jurídica será cada vez mais movediço, fato que vivenciamos nos últimos anos na Justiça brasileira, infelizmente. Chegamos a um ponto que alguns advogados, como estratégia, protocolam a inicial duplicada e aguardam o sorteio. Dependendo do juiz que for distribuída a demanda, a outra peça é solicitada a desistência, tudo para se livrar do “Juiz X” que julga de determinada forma, na grande maioria um herdeiro do ativismo judicial. É óbvio que o magistrado não deve atender o clamor midiático, mas nenhum dos casos aqui retratados e os demais forjados pelas regras Consumeristas, se enquadram nesse midiatismo. Neste olhar, a Teoria do Safety Flare ou da sinalização direcionada serve de mais um instrumento de proteção para evitar a perpetuação do que o Min. Marco Aurélio Bellizze vem afirmando, que "O Estado falha em cumprir seu dever de proteger o consumidor". Infelizmente essa proteção citada pelo eminente Ministro deve vir do bolso, porque doutrinariamente percebemos que em 30 anos, discursando sobre hipóteses do Código de Defesa do Consumidor, esses agentes transgressores nada aprenderam, seja do lado do legislador, seja da doutrina ou da jurisprudência. E nem haverá promoção de aprendizado enquanto esse desrespeito gerar lucro para os infratores.

Vamos encarar o problema sob a mesma órbita, porque o mero dissabor ou a indústria do dano moral partem do princípio de que há um enriquecimento do consumidor às custas de fatos geradores comezinhos. Mas se o sujeito infrator é quem lucra com sua transgressão supostamente insignificante, que mal é esse que o consumidor não pode ser indenizado por essa infração propositada criada pelas empresas? Se o desrespeito as regras do cancelamento do serviço gera lucro para a sociedade empresária, porque ela deixa de perder um cliente que não retornaria nunca mais, porque esse mesmo cliente não pode ser indenizado pelo desrespeito a lei ou ao que foi contratado? Na minha visão a empresa não perde, porque de um lado há o lucro que não foi despossado pelo cancelamento do serviço, e do outro há a compensação pelo dano causado, que certamente será muito bem remunerado por mais alguns anos de serviços mal prestados a esse cliente insatisfeito. Portanto, a via é muito estreita e erram doutrinadores e Judiciário que nutrem esse fundamento do mero dissabor ou da indústria do dano moral. Perde a sociedade!

A Teoria do Safety Flare ou da sinalização direcionada afirma que, toda vez que a lei ou um contrato declarar que uma conduta deve ser praticada, o desrespeito a esse mandamento caracteriza dano moral in re ipsa, bastando provar o ato ilícito - que neste caso seria o desrespeito a lei ou ao contrato, e o nexo causal. O prejudicado seria compensado tão só pelo desrespeito a legislação ou ao disposto na avença. Vale lembrar que a responsabilidade civil divide-se em responsabilidade civil objetiva e subjetiva. Na primeira hipótese a responsabilidade tem como requisitos o ato ilícito + nexo causal, e na segunda ato ilícito + dano + prejuízo + nexo causal. O dano moral in re ipsa enquadra-se na primeira hipótese. E o que seria o dano moral? Cada doutrinador tem um conceito particular, pois a conceituação do tema é muito subjetivo, mas aqui vou usar a posição conceitual do Superior Tribunal de Justiça: "O STJ define danos morais como lesões a atributos da pessoa, enquanto ente ético e social que participa da vida em sociedade, estabelecendo relações intersubjetivas em uma ou mais comunidades, ou, em outras palavras, são atentados à parte afetiva e à parte social da personalidade" {EREsp 1.318.051}.

E porque dano moral in re ipsa? In re ipsa porque é presumido, o dano extrapatrimonial em certos casos se destaca do plano gravitacional, pois a ofensa por si só já gera o dever de indenizar pelo dano. Ex., é o caso da inscrição nos órgãos restritivos de crédito por dívida inexistente. A doutrina e a jurisprudência nestes casos entendem que só a inscrição ilegal já é suficiente para presumir o abalo e caracterizar o dever de indenizar. Isso é o dano moral in re ipsa. Os atos de desrespeitar as leis ou o contrato abalam psicologicamente o contratante, porque ele espera, de boa-fé, que a lei ou o contrato sejam respeitados e cumpridos no momento da sua execução. A frustração dessa confiança, dessa expectativa, não pode ser tratada como um mero dissabor, porque todos sabem o que é ser enganado. E não trai-se apenas o cidadão, mas o legislador também, porque ao considerar mero dissabor ou indústria do dano moral o mesmo efeito dar-se-á a lei. Se a Lei diz: faça algo, não pode o Judiciário dizer mais tarde que essa Lei é mero dissabor ou indústria do dano moral. É o efeito que estas teorias causam na lei ou no contrato, desvirtuamento, uma modulação maquiavélica. Para que serve a Lei ou o contrato então? Nada é mais cretino do que você conhecer a lei, saber que ela existe, e ao pleitear por tal direito presenciar seu pedido ser negado por um fundamento industrial.

A minha teoria por si só já desperta um efeito cliquet nessas empresas, porque a partir do momento que é posta em prática, com fidelidade, os empresários passarão a cumprir as leis ou os contratos, porque estão cientes de que motivações cretinas serão objeto de condenações por danos morais de pronto. Não haverá mais como retroagir para buscar fundamentos do tipo mero dissabor, indústria do dano moral e etc., desde que a tese central se enquadre na teoria obviamente. E esse efeito presuntivo da condenação é tão persuasivo que lá trás eles criaram a teoria do mero dissabor e da indústria do dano moral justamente para frear essas sentenças, diante de tantos descumprimentos da lei e da ordem. Tanto é assim que inscrições por dívidas pagas raramente aparecem hoje em dia. Percebam que eles pararam suas atividades para criar esse breque, porque eles sabiam que as condenações seriam em massa, é uma consequência lógica diante de tanta imoralidade. E deu certo! Por isso a teoria por mim defendida se chama exatamente de Safety Flare ou da sinalização direcionada, porque é a lei ou o contrato que irão sinalizar para o Juiz se foram ou não cumpridas as regras entabuladas, e assim direcionar qual a decisão o juiz deve tomar tocante o dano moral: in re ipsa ou não.

Se a lei ou o contrato for desrespeitado por um motivo banal, que facilmente se percebe que o objetivo da empresa era apenas procrastinar a sua execução, condena-se pelo dano moral in re ipsa, com o fundamento - descumprimento da lei ou do contrato, e só. Logo, a partir do momento que o juiz se debruça diante de um caso como esse, a teoria sinaliza para o magistrado que a direção legal a ser tomada  é considerar o dano moral presumido: basta mostrar o ato ilícito, que neste caso seria o desrespeito a lei ou ao contrato, e o nexo causal. Mas o leitor poderia indagar que isso causaria uma enxurrada de ações, ocorre que esse é o fundamento necessário para ressuscitar a indústria do dano moral ou o mero dissabor. Pergunto: o problema está em quem ajuíza a ação ou em quem desrespeita as leis ou o contrato? A indústria do dano moral é pulverizada por culpa do jurisdicionado - aquele que quer ver a lei cumprida, ou por quem insiste em infringir o contrato? Ou será que ao desrespeitar a lei o Estado espera que o consumidor fique inerte? Não sei então para que serve o direito de ação ou a lei vigente há 30 anos.

Não basta criar leis, elas precisam ser cumpridas, ter efetividade, ser respeitada, causar segurança, mas se o Judiciário faz o seu papel informando ao fornecedor que ela deve ser executada, não é o seu descumprimento em massa que vai criar a indústria do dano moral, e sim a resistência dessas empresas em não efetiva-la. Se existem inúmeras desobediências consequência lógica é o ajuizamento das ações, e a culpa não está em quem as promove, porque antes, muito antes, o legislador já definiu as regras ou tentou-se resolver o problema administrativamente. Se chegou ao Judiciário, é justamente porque todas as esferas administrativas foram esgotadas e as empresas insistem no descumprimento, mesmo cientes da lei vigente há 30 anos, e no caso da CLT, a 77 anos. Basta consultar as informações dos sites "consumidor.gov.br" e do "reclame aqui", para constatar o ranking das reclamações, quais são, quais os motivos e quais empresas lideram essas estatísticas. Há que parar de colocar a culpa nos advogados e no jurisdicionado, e dirigi-la a quem realmente é delinquente - aqueles que não cumprem as leis ou as regras dos contratos.

Hoje o consumidor percorre uma verdadeira via crucis para tentar solucionar problemas causados pelas próprias empresas, com sucessivas ligações, corte da ligação intencional, cobranças abusivas, contratos não solicitados, serviços que não funcionam, fraude de documentos, contratos não respeitados, sempre com a contrapartida financeira do consumidor em dia. O problema são as "práticas rotineiras de empresas que tratam as pessoas como cidadãos de segunda classe, economizando em capacitação de atendentes e em tecnologia, que juntos poderiam ser tão eficientes para resolver problemas como são para oferecer e vender produtos e serviços". Óbvio que fatos isolados, erros destacados não merecem aplicação da teoria Safety Flare, por isso o magistrado possui livre convencimento motivado. A minha teoria já recebe este nome exatamente por isso, porque é a lei ou o contrato que irá sinalizar para o juiz a direção a ser tomada, i.e, se o legislador ou o contrato declaram que a atividade regulada oferece um resultado determinado, se a empresa contratada descumprir as regras pré-estabelecidas por um motivo ignóbil, obrigando o cidadão a provocar o Judiciário, a empresa incidirá no ato ilícito e será causa para caracterizar que o dano moral será in re ipsa.

E essa percepção é muito fácil, dou um exemplo: a lei é expressa ao dizer que o cancelamento do serviço deve se dar com o simples apertar de uma tecla. A empresa resolveu por mera liberalidade passar o cliente, que deseja apenas apertar um botão, para um atendente, logo, caracteriza dano moral in re ipsa e nasce o dever de indenizar. Registro que essa regra citada no exemplo até hoje não é cumprida pelas empresas, 11 anos após normatividade promulgada pela ANATEL! Mas qual seria esse valor? Falaremos mais adiante sobre isso. Poder-se-ia alegar ainda que seria muito radical? Pergunto novamente: seria o nascer de mais uma tese para o desrespeito da Lei? Indague qualquer pessoa que está passando por isso e pergunte a ela o que acha? Será que 30 anos de Código de Defesa do Consumidor ou 77 de CLT, por exemplo, ainda haveria espaço para tal tese de radicalidade? Não existem fundamentos para exigir da população que sigam os ditames legais, que emoldurem a Constituição para garantir democracia com o respeito as normas, se do outro lado banqueiros e empresários não cumprem seu papel na sociedade e lucram as custas do proletariado, aqui sim a expressão enriquecimento sem causa cai bem.

Essa balança da justiça continua desequilibrada, muito embora o Pergaminho Consumerista e instituições paralelas venham tentando colocar mais força a este Código que insiste em fazer valer sua voz nesse mercado voraz que é o mercado financeiro. Aqui vige o lucro a todo custo meu caro leitor não tenha piedade de banqueiros ou empresários - novamente, eles nunca perdem. Mesmo perdendo é o cliente quem paga essa conta, que cai novamente no bolso deles. Ledo engano aqueles que pensam que ao impor uma decisão declaratória ou uma obrigação de fazer, que o empresário ao respeita-la está assimilando que as leis devem ser obedecidas. Aqui é o lobo que dita as regras e não a caça. É o que vivenciamos hoje em dia e o aparato para desrespeitar a lei não é pequeno nem barato. Essas empresas investem alto em sistemas que a cada ligação feita para o consumidor, altera-se o número do telefone para que o cliente não perceba que está recebendo uma nova ligação da empresa, seja para oferecer um serviço, seja para fazer cobranças. Contratam fornecedores ou cedem seus créditos para terceiros para que eles aprovisionem serviços através de metas intermináveis. Instalam programas para monitorar os gastos com internet, para quando acabar o número de acesso contratado o serviço seja automaticamente interrompido, obrigando o cliente a comprar mais créditos ou permanecer off-line. Fazem parcerias com outras instituições para forçar a venda dos seus produtos, como venda casada, mas não investem no que é necessário para executar as leis ou cumprir o contrato.

Novamente, inverte-se o sentido do princípio da lealdade, da boa-fé, da confiança, etc. Destaco: a) primeiro, inverte-se ao colocar a culpa no consumidor com teorias do tipo mero dissabor ou indústria do dano moral; b) segundo, inverte-se novamente para que ao invés de investir em tecnologia e pessoal para cumprir a lei, dedica-se em descumpri-la, pois é muito mais lucrativo. Geralmente usam estagiários que pegam o telefone no dia seguinte a assinatura do contrato de trabalho, não conhecem o serviço, não sabem falar, são instruídos a desligar o telefone propositadamente, não recebem um curso de capacitação, nada. Que me perdoem os estagiários, muitos de alta envergadura, mas são eles os primeiros a receberem as flechas da discórdia. Todo clicar na tecla do cancelamento cai em uma atendente, que em um primeiro momento lhe oferecerá mil e uma alternativas para manter o serviço, e horas mais tarde esse mesmo serviço continua sem funcionar. O préstimo nunca é cancelado ou consertado, até que o consumidor se aborrece e permanece na empresa só para não ter que ligar para o 0800 novamente. É vencido pelo cansaço! Eu me cito como exemplo, há 10 anos em uma companhia telefônica com um serviço de péssima qualidade.

Não é a toa que o consumidor é sempre chacoteado pela censura livre. Não faz muito tempo o grupo "Porta dos Fundos", nacionalmente conhecido como uma classe de comediantes brasileiros, viralizou uma sátira em que um cidadão tentava cancelar uma linha telefônica e fica enlouquecido porque não consegue lograr êxito horas mais tarde, e essa é realmente a realidade do povo brasileiro {disponível em https://youtu.be/vEaNCoCXcdk}. Tal fato não ocorre apenas na telefonia é claro, como já citamos aqui em inúmeros outros exemplos. Faça uma pesquisa rápida no stories do seu instagram e pergunte aos seus amigos: "você se considera respeitado pelas empresas brasileiras?" Tenho certeza que você vai se surpreender com o resultado. A culpa é nossa, o brasileiro é o responsável pelo sistema privilegiar teses como indústria do dano moral, mero aborrecimento, somos muito acomodados. Se o povo fosse mais enérgico no que se refere a fazer valer seus direitos, não estaríamos diante desta algazarra que as empresas cometem no nosso Brasil varonil.

Já no que respeita ao valor desse dano moral não é preciso dizer que basta seguir as orientações do Superior Tribunal de Justiça. Se cada juiz utilizar dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, da experiência e do bom senso, terá condições de avaliar o tamanho desse dano, nem que ele represente uma indenização de R$ 500,00 se for o caso, mas mesmo assim o fim justificará os meios. No ano de 2016 já afirmava o Des. Domingos Paludo, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: "A prática reiterada de condutas flagrantemente abusivas no mercado de consumo, perpetradas por empresas prestadoras de serviços que persistem em agredir frontalmente os direitos do consumidor, desperta, por razões óbvias, maior intensidade no caráter sancionatório da quantificação do dano moral". Mas alguns ainda podem arguir que isso será muito custoso para o Judiciário, pois cada processo custa em média R$ 3.000,00. Contudo, recorde-se que a condenação será imposta contra o empresário, que será obrigado a pagar além dos R$ 500,00, as despesas processuais e honorários sucumbenciais, salvo juizado especial é claro.

Se for preciso criem uma multa, legislem para que nestes casos a sociedade empresária seja obrigada a pagar uma multa em prol de um fundo de manutenção do Judiciário, porque no fim das contas são os empresários que mais lesam o Estado com suas ações imotivadas. Enquanto o cidadão for considerado o culpado por essa judicialização em massa de processos, fundamentados pelo desrespeito as leis ou ao contrato, teremos uma clara subversão da ordem natural das coisas, onde o descumprir da lei passa a ser a regra quando na verdade deveria ser o contrário. Hoje, toda sentença publicada que usa o mero aborrecimento ou a indústria do dano moral para dar credibilidade a uma conduta que desrespeita a lei ou um contrato, sepulta o CDC que em outros casos não menos estranhos seria utilizado como motivação para uma condenação. Assim como a democracia é suscitada por muitos por estar ameaçada a sua credibilidade no cenário nacional, nossas leis que tratam das relações de consumo há muito seguem o mesmo rumo, sem que haja um olhar mais sinalizado e direcionado para essas situações.

Volto a repetir, o problema não é de quem quer o respeito das leis ou do contrato, e sim de quem as transgride com o fim de lucrar às custas daquela grande minoria. Por isso proponho a disciplina desta teoria para que seja posta em prática e assim possamos reduzir com certa importância o número de processos judicializados, ou mudar esse cenário nacional da consolidação das teorias do mero aborrecimento e da indústria do dano moral, já que certamente as condenações em massa com base na teoria do safety flare farão com que as empresas passem a obedecer a lei, o que não fazem há muito tempo. Há poucos dias o atual Presidente do Brasil publicou no seu instagram uma carta recebida de um cidadão, e essa carta cuspida e escarrada é a realidade desse país. Infelizmente ainda vivemos as amarras da escravidão!

A teoria do Safety Flare ou da sinalização direcionada visa contribuir e criticar com todo o respeito, essa posição que enfraqueceu a legislação consumerista. A ordem atual requer isso, o cidadão requer isso, o cumprimento irrestrito das leis e dos contratos à luz do ordenamento. Assim, toda vez que a lei ou um contrato declarar que uma atividade deve ser praticada, o desrespeito a esse mandamento caracteriza dano moral in re ipsa, bastando ao lesado demonstrar o ato ilícito - que neste caso seria o desrespeito a lei ou ao contrato, e o nexo causal. Vence a sociedade, ganha o Jurisdicionado, pois o poder que concede o direito ao prejudicado de ajuizar sua lide em busca da tutela jurisdicional, não pode culpa-lo pelo expressivo número de processos protocolados. Ganha o Judiciário, pois esse número expressivo reduzirá em grande proporção não tenho dúvidas.

Forte abraço

 

Notas

[1] Agência Nacional de Telecomunicações.

[2] Adeus Senhor.

[3] "O STJ tem orientado que o valor de reparação do dano moral deve ser arbitrado em montante que desestimule o ofensor a repetir a falta, sem constituir, de outro lado, enriquecimento indevido para a vítima" (STJ, AgInt no AREsp n. 809.771/RS, rela. Mina. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. em 1º-3-2018, DJe 9-3-2018).

[4] Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça é clara: "O conhecimento geral da lei é presunção jure et de jure”. {Agravo Interno no Recurso Especial 1.695.519-MG, da relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti}.

[5] TJSC, Apelação Cível n. 0005751-27.2011.8.24.0005, de Balneário Camboriú. Rel. Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva. J. em 21/03/2017; AC 0012322-88.2011.8.24.0045.

[6] TJSC, Apelação Cível n. 0005756-33.2008.8.24.0012, de Caçador, rel. Des. Domingos Paludo, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 17-11-2016.

Sobre o autor
Juliano Lavina

Autor da Teoria do Safety Flare ou da Sinalização Direcionada. Assessor Jurídico no TJSC, 1 GRAU e STJ por 12 anos. Especialista em Direito Empresarial, Civil, Consumidor e Constitucional. Realizo pareceres para escritórios de advocacia que pretendem recorrer para o STJ e STF. Atuo no Brasil todo. E-mail: jl.advocaciacv@gmail.com Telefone: 48 99646 7803

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAVINA, Juliano. Teoria do safety flare ou da sinalização direcionada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5840, 28 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74676. Acesso em: 24 nov. 2024.

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