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O direito ao anonimato dos doadores de material genético na reprodução assistida na contramão ao direito à identidade genética

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Agenda 24/06/2019 às 16:39

3. DA IDENTIDADE GENÉTICA

Na contramão de todo o alegado por ora nesta pesquisa, encontra-se o já citado instituto do direito ao reconhecimento à ascendência genética. Em outras palavras, pretende-se neste capítulo averiguar um possível direito do indivíduo gerado artificialmente, em valer-se da quebra do sigilo de identidade do doador para que possa ter acesso à informações referentes à sua cadeia gênica.

Equivocadamente, existe a ideia de que o conhecimento da origem genética do indivíduo seria uma espécie de direito supérfluo, já que, em sendo o reproduzido criado e assistido por seus pais, não existiria qualquer necessidade de o mesmo possuir acesso ao conhecimento de sua filiação, sob a alegação de que afetaria sentimentalmente os pais de fato do indivíduo, podendo tal busca vir a causar danos na estrutura familiar. Além da não constatação de danos na estrutura familiar, pode-se dizer que o indivíduo não só é uma cadeia de DNA, mas que há vários outros fatores que são relevantes para a constituição do eu do indivídio. A busca por apenas um destes, não prejudica os demais, tampouco poderá ter o condão de abalar a relação familiar já existente. Nesse seguimento:

“Cada indivíduo tem uma constituição genética característica. No entanto, não se pode reduzir a identidade de uma pessoa a características genéticas, uma vez que ela é constituída pela intervenção de complexos factores educativos, ambientais e pessoais, bem como de relações afectivas, sociais, espirituais e culturais com outros indivíduos, e implica um elemento de liberdade”

No entanto, ressalvadas as questões familiares envoltas com o problema em comento, o acesso à identidade genética supera a alegação de mera busca sentimental ou simples curiosidade do indivíduo, já que o conhecimento do gene do mesmo pode auxiliar significativamente em casos de problemas de saúde por histórico familiar, transplantes e doação de órgãos, e ainda, a busca pela história do gene do indivíduo simboliza também em que grupo étnico, societário o mesmo se encontra, levando este a ter maior conhecimento sobre si. A busca pela árvore genealógica merece o cuidado e proteção do Estado, devendo este garantir meios para que o reproduzido de forma assistida possa ter acesso às informações sobre seus ascendentes.

Dentre os impactos que podem advir da não observância de tal direito, existe, além dos diversos problemas relacionados à saúde do reproduzido acima mencionados, a possibilidade do mesmo involuntariamente estar afetando valores morais repugnados socialmente e até pelo próprio. Ainda que não seja comum, não se pode afastar a possibilidade de tal desconhecimento acarretar uma relação incestuosa.

A título de exemplo, na França, no ano de 2009, os pais de Audrey Kermalvezen omitiram até a data de seu casamento que a mesma havia sido gerada através da reprodução assistida heteróloga. Ocorre que ela se casara com outro indivíduo gerado da mesma maneira, nascido na mesma região e em época similar. Ambos, sem conhecimento de sua ascendência genética passaram a temer pela prática de estarem se relacionando e, sem que houvesse conhecimento, fossem irmãos. O casal então buscou o direito à identidade genética dos dois para que se pudesse verificar se é o caso de prática de incesto involuntário, todavia, o acesso à identidade do doador de material genético segue o mesmo padrão adotado no Brasil, e a informação vem sendo objeto de decisões denegatórias.13

Observa-se que a negatória de tal direito afeta o indivíduo em sua intimidade de variadas formas. Não é crível que a dúvida de se estar ou não em uma relação incestuosa possa ser tratada como algo passível de sofrer flexibilização, pois afeta a saúde mental e a dúvida sobre o próprio eu do indivíduo, sendo, por esta razão, devida a interpretação do reconhecimento à ascendência gênica ser tratada como direito e garantia fundamental de todos.

Neste sentido, deve ser afirmado cristalinamente que o reconhecimento da ascendência biológica encontra ligação direta com o conhecimento do indivíduo como um todo, ou seja, é própria da personalidade do indivíduo. A busca por tal informação se traduz na vontade do indivíduo gerado através de reprodução assistida em conhecer a sua origem. A caça por tal direito está relacionada à procura por um norte que dê orientações ao reproduzido capaz de inundá-lo com conhecimento de sua própria linhagem, com a finalidade de que eventuais dúvidas sobre si mesmo sejam sanadas.

O conhecimento da ascensão genética transcende ao próprio direito aqui tratado, podendo ser encaixado no rol dos direitos a personalidade que, na definição de Maria Helena Diniz:

“[...] a personalidade consiste no conjunto de caracteres próprios da pessoa. A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apóia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens”14

Nota-se que de acordo com a autora, a personalidade não é um Direito singular, mas sim um conjunto de outros Direitos que somados compõem a personalidade do indivíduo. Não é possível taxar um rol que elenque a composição do que é ou não inerente à personalidade da pessoa, visto que esta possui caráter subjetivo, devendo o próprio indivíduo realizar o juízo de valor e em casos de necessidade, valer-se da tutela do Estado para garantir o conhecimento daquilo que entende fazer parte de sua personalidade. Neste sentido, a autora Maria Celina Bodin de Moraes compactua com a não taxatividade dos Direitos da personalidade, senão vejamos:

“A polêmica acerca dos direitos humanos, ou dos direitos da personalidade, refere-se à necessidade de normatização dos direitos das pessoas em prol da concretude do princípio da dignidade humana e ao modo de melhor tutelar essa necessidade, onde quer que se faça presente. Toma-se aqui, e desde logo, posição acerca da questão da tipicidade ou atipicidade dos direitos da personalidade. Não há mais que se discutir sobre uma enumeração taxativa ou exemplificativa dos direitos da personalidade, já que se está em presença, a partir do princípio constitucional da dignidade, de uma cláusula geral de tutela da pessoa humana.

Por outro lado, tampouco há que se falar exclusivamente em “direitos” (subjetivos) da personalidade, mesmo se atípicos, porque a personalidade humana não se realiza apenas através de direitos subjetivos, mas através de uma complexidade de situações jurídicas subjetivas que podem apresentar-se, como já referido, sob as mais diversas configurações: como poder jurídico, como direito potestativo, como interesse legítimo, pretensão, autoridade parental, faculdade, ônus, estado – enfim, como qualquer circustância juridicamente relevante” 15

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Pretende-se ao elencar a identidade genética como um membro do direito da personalidade, atribuir o caráter irrevogável oferecido pelo artigo 11 do Código Civil de 2002 ao direito ao gene. A lei citada trata os direitos da personalidade como “(...) intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.”16. Por si só, ao aproximar o conhecimento à ascendência gênia aos direitos inerentes à personalidade do indivíduo, já é possível afastar qualquer relativização a estes Direitos, salvo nos casos em que a lei falar o contrário.

Por lógica, ao enquadrar o acesso à identidade genética como direito próprio da personalidade do indivíduo, pouco importaria as regras protetivas do Conselho Federal de Medicina, já que a mitigação da personalidade, como informa o caput do dispositivo legal já citado, somente poderia ser mitigada por força de lei. No entanto, ao que parece, o Brasil não vem adotando tal entendimento, o que se mostra evidente nas recentes alterações dos Provimentos do Conselho Nacional de Justiça.

Ora, o provimento CNJ nº 52/2016, de 14 de março de 2016 que trata sobre reprodução assistida versava sobre os documentos indispensáveis para fins de registro e emissão da certidão de nascimento do recém-nascido. De acordo com tal provimento, era indispensável, além da declaração de nascido vivo e documento que comprove o vínculo dos pais da criança reproduzida, uma “declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando a técnica adotada, o nome do doador ou da doadora, com registro de seus dados clínicos de caráter geral e características fenotípicas, assim como o nome dos seus beneficiários”17, o que facilitaria e viabilizaria de forma mais rápida e eficaz o conhecimento da ascendência da pessoa gerada, bastando um simples requerimento à clínica de reprodução para que as informações como nome e características fossem disponibilizadas.

Todavia, confirmando a aparência de que o Brasil ofertou certa preferência ao sigilo do doador, o provimento seguinte (n. 63, de 14 de Novembro de 2017) alterou a regra anterior, retirando a necessidade de apresentação do nome do doador ou da doadora, como observa-se na transcrição abaixo:

“Art. 17. Será indispensável, para fins de registro e de emissão da certidão de nascimento, a apresentação dos seguintes documentos:

(...)

II - declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando que a criança foi gerada por reprodução assistida heteróloga, assim como o nome dos beneficiários;”18

Nota-se com a recente modificação a não observância dos princípios norteadores da personalidade humana, quais sejam, a irrenunciabilidade e a intransmissibilidade destes, ou que, pelo menos, o Brasil não recepcionou o direito ao reconhecimento da identidade genética como direito da personalidade do indivíduo. Ao retirar a necessidade de constar no histórico da clínica o nome do doador de material genética, o CNJ mostra-se favorável ao segredo como forma absoluta, excusando as clínicas de reprodução assistida de manterem registros das reproduções efetuadas, sendo necessária maior empreitada para que se chegue ao resultado pretendido, já que somente portando a informação do material genético do doador, a criança gerada em tese deveria valer-se de técnicas que, através das informações mantidas na clínica, pudesse chegar à identidade do cedente de DNA.

Por outro lado, de forma diferente ao que parece entender as normas pátrias, o Direito Argentino decidiu por positivar a possibilidade da pessoa gerada de forma assistida buscar, no socorro da lei, a informação que entender relevante para a compreensão sobre si mesmo., versando da seguinte maneira:

“Artigo 563. - Direito à informação de pessoas nascidas por técnicas de reprodução assistida. As informações relacionadas ao fato de a pessoa ter nascido por meio do uso de técnicas de reprodução humana auxiliadas com gametas de um terceiro devem ser incluídas no arquivo básico correspondente para o registro de nascimento. (tradução nossa 1)19

O artigo seguinte da mesma legislação alienígena nos mostra ainda que em outras partes do globo o direito ao conhecimento do DNA vai além, bastando nos casos em que a informação se mostrar relevante para a saúde das pessoas nascidas através da técnica de reprodução, uma simples petição direcionada à clínica que efetivou o procedimento, e ainda versando na alínea “b” sobre a possibilidade da quebra do sigilo ser efetuada pela autoridade judicial pelo procedimento mais breve que a lei local prever, sempre que houver fundada razão, mediante pode ser observado:

"ARTIGO 564. - Conteúdo da informação. A pedido de pessoas nascidas através de técnicas de reprodução humana assistida, você pode:

a) obter informações do centro de saúde interveniente em relação à informação médica do doador, quando for relevante para a saúde;

b) revelar a identidade do doador, por razões devidamente fundamentadas, avaliadas pela autoridade judicial pelo procedimento mais curto previsto pela legislação local." (tradução nossa) 2 20

Novamente buscando o socorro do entendimento de Tribunais estrangeiros, mostra-se uma pré disposição de normas alienígenas em estabelecerem parâmetros que garantem o acesso à informação genética em um patamar de direito da personalidade do indivíduo, sendo inafetável até mesmo por força de lei. Em Portugal, o autor Vital Moreira Gomes Canotilho trata o instituto tratado neste capítulo como direito à historicidade pessoal:

“O direito à historicidade pessoal designa o direito ao conhecimento da identidade dos progenitores (cfr. Ac. TC n.º 157/05), podendo fundamentar, por exemplo, um direito à investigação da paternidade ou da maternidade, mesmo em alguns casos em que, prima facie, a lei parece estabelecer a preclusão do direito de acionar nas ações de investigação de paternidade (cfr. Acs TC n.ºs 456/03, 525/03 e 486/04). Problemático é saber se isso implica necessariamente um direito ao conhecimento da progenitura, o que levanta dificuldades no caso do regime tradicional da adoção e também, mais recentemente, nos casos de inseminação artificial heteróloga e nos casos das «mães de aluguer». Neste sentido, o direito à identidade pessoal postularia mesmo o direito à identidade genética como seu substituto” – GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 4.ª Ed. (2007), Vol. I, p. 463.”

No país luso restou para o Tribunal Constitucional decidir sobre a constitucionalidade de lei (Lei n.º 32/2006, de 26 de julho - Lei da Procriação Medicamente Assistida – “LPMA”) que adotou como regra nas técnicas de reprodução o sigilo do doador. O acórdão nº 225/2018 de relatoria do conselheiro Pedro Machete merece destaque no estudo desta pesquisa pois aborda de forma categórica o objeto de estudo aqui discutido.

Ressalta-se que no que tange os direitos constitucionais ao sigilo e à identidade genética o Direito Português bastante se assemelha à constituição pátria. Em ambos, é possível observar a proteção e constitucionalidade dada aos dois institutos por serem inerentes à própria pessoa humana, porém pode ser notado que há uma frequente em optar pela proteção majoritária ao sigilo. No entanto, ainda que seja demasiadamente relevante a garantia de preservação da privacidade do indivíduo, ao ser essa confrontada com outro Direito fundamental, deve a mesma ser tratada como exceção, e não regra, conforme entendeu o tribunal luso aqui mencionado:

“A questão que se coloca é então a de saber, não se é constitucional um regime legal de total anonimato do dador, mas se é constitucional estabelecer como regra o anonimato dos dadores e como exceção a possibilidade de conhecimento da sua identidade. Está em jogo o peso relativo que o direito à identidade pessoal merece e a importância que a lei lhe dá no regime que institui vis a vis o direito a constituir família e o direito à intimidade da vida privada e familiar. Importa, pois, perceber se as restrições que se consagram respeitam, ou não, o princípio da proporcionalidade, tal como decorre do artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP.”21

Pode ser notado que o socorro da jurisprudência estrangeira dado através do acórdão mostra que não é repugnável a adoção de um sistema que opte pela privacidade do doador. Entretanto, esta privacidade deve comportar exceção sempre que confrontada com o direito à ascendência genética do indivíduo sob pena de separarmos indivíduos em dois grupos: os que possuem conhecimento de sua cadeia genética e aqueles que não.

Tal separação evidencia uma discriminação entre indivíduos reproduzidos naturalmente, ou através de reprodução assistida homóloga daqueles provenientes de técnicas heterólogas que carregariam o encargo de não possuírem acesso à ascendência genealógica pelo simples fato de serem reproduzidos por maneiras que se quer foi passível de escolha dos mesmos.

O Direito brasileiro se aproxima mais do entendimento do jurista Cristiano Chaves de Farias que categoricamente afirma poder o anonimato merecer flexibilização “em casos nos quais se justifique em nome de interesses maiores, como, e. G., na hipótese de tratamento de saúde que necessite, entendemos possível quebrar o sigilo, através de decisão judicial”22

Neste sentido, ainda Guilherme Calmon Nogueira

“Mesmo para aqueles que consideram o anonimato em caráter absoluto, tal afirmação deve necessariamente ceder a interessesm aiores que se revelam pelo risco concreto de doenças hereditárias ou genética que podem ser prevenidas ou mais bem tratadas em relação à pessoa concebida com o auxílio de técnica de reprodução assistida geteróloga. Não há como reconhecer que o anonimato do doador possa prevalecer perante a iminente lesao à vida ou à higidez físico-corporal da pessoa que foi gerada com material fecundante do primeiro.”23

Todavia, o acolhimento desta corrente, em que pese parecer positivo por considerar a flexibilização ao sigilo frente a um interesse maior da criança, mostra-se ultrapassado quando comparado com o direito estrangeiro. Isto porque a mitigância de tal direito tão somente quando ocorrer a comprovação de interesse maior viola o caráter fundamental e irrenunciável do direito a personalidade.

Ora, o conhecimento da história familiar do indivíduo é direito potestativo, sendo prerrogativa de qualquer ser humano obter informações sobre sua etnia, ascendência, histórico familiar e forma que foi gerado. A prevalência do direito à identidade genética não implica em diminuição ou possível diminuição do direito também constitucional em constituir família, visto que este foi concretizado com a própria realização da técnica de reprodução. Nota-se que o que é discutido não é a responsabilidade familiar ou o conceito de família, já que este é inteiramente subjetivo e será objeto de estudo no capítulo seguinte, a análise a ser realizada quando um instituto for contraposto ao outro, é a posterior ao nascimento da criança que, pelo princípio da igualdade, passa a ser detentora de direitos tal qual todos os indivíduos, inclusive ao conhecimento de sua árvore genealógica.

Por isso, deve ser considerada atrasada a doutrina que justifica a quebra do sigilo somente nos casos em que mostrar justificável, por conta de interesse maior, por parte do reproduzido. Melhor soa a ideia trazida pela autora Mônica Aguiar que condiz com os entendimentos internacionais colacionados e aproxima a identidade de gene aos direitos da personalidade:

“(...) o anonimato das pessoas envolvidas deve ser mantido, mas devem ceder à pessoa que resultou da técnica concepcionista heteróloga, diante do reconhecimento pelo Direito brasileiro dos direitos fundamentais à identidade, à privacidade e à intimidade, podendo a pessoa ter acesso às informações sobre toda a sua história sob o prisma biológico para o resguardo de sua existência, com a proteção contra possíveis doenças hereditárias, sendo o único titular de interesse legítimo para descobrir suas origens”.24

Busca-se através de tal entendimento a proteção à parte mais sensível da relação jurídica instaurada, outorgando à pessoa que resultou da técnica de reprodução o direito personalíssimo de buscar o acesso à sua informação gênica através de direito potestativo próprio, por mero acesso à sua história, visando o resguardo de sua existência, ou ainda pela proteção contra possíveis doenças hereditárias. Parece perfeito o entendimento adotado, já que mantém o sigilo do doador como absoluto perante terceiros, porém faculta à pessoa reproduzida de forma heteróloga a possibilidade de conhecer a sua própria identidade, sem que os laços com a sua família de fato sejam perdidos.

Por conseguinte, é legítimo afirmar que parece mais assertiva a colocação que possibilita à criança gerada por técnica de reprodução heteróloga o acesso à informações relativas ao seu gene, tratando o sigilo do doador como absoluto perante terceiros, porém ineficaz frente à própria pessoa gerada, tendo em vista que o Direito pleiteado transcende a qualquer outro, pois ligado a própria característica e existência do indivíduo. No entanto, o direito à ascendência genética no Brasil trata-se como exceção à regra do anonimato, o que parece enfraquecer este primeiro, já que as resoluções do Conselho Federal de Medicina, somado ao próprio Código de Ética Médica deixam evidente que a identidade genética no Brasil é praticamente inexistosa.

Isto porque, a criança gerada se quer poderá ter acesso à informação obtida pelo profissional de medicina, visto que o próprio Código de Ética veda tal transmissão. Não bastasse, as clínicas de reprodução encontram-se obrigadas tão somente a arquivar as características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores, que somente serão disponibilizadas aos médicos, o que mostra total ignorância ao direito à identidade genética.

No cenário nacional, o indivíduo gerado através desta técnica carrega o peso de poder conhecer tão somente características suficientes para prevenir ou remediar um problema genético de saúde e caso queira conhecer sua origem familiar esta só restará possível nos casos em que se demonstrar haver uma doença genética, e o conhecimento não será integral, visto que as informações relevantes para solução da doença ficarão tão somente em poder do médico do indivíduo reproduzido.

Parece injusta a diferenciação que a lacuna existente cria para aqueles que foram gerados de forma assistida heteróloga. A criação de um determinado grupo de pessoas fadadas a desconhecerem até o fim dos tempos a sua origem genética, é situação capaz de violar o princípio da igualdade humana, colocando pessoas iguais em patamares diferentes de conhecimento sobre a própria ascensão.

O direito brasileiro ao adotar tal entendimento parece querer evitar uma possível responsabilização das clínicas ao contratarem abordando o sigilo do doador e, vendo-se obrigada a ceder frente ao sigilo contraído, acabar por lesionar o doador de material genético. Parece também haver uma busca em oferecer proteção à família de fato do indivíduo gerado, escusando o terceiro que somente contribuiu com o material genético de responsabilidade familiar através do desconhecimento total de quem seria este. No entanto, nas linhas seguintes poderá ser notado que aparenta ser desproporcional a adoção absoluta de proteção ao sigilo sob este prisma visto que o próprio ordenamento jurídico brasileiro trata da responsabilidade familiar e civil.

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