Resumo: O Ocidente vem assistindo a constantes episódios de radicalismo político; não apenas na Europa, mas também nos Estados Unidos e mesmo no Brasil. Com efeito, a existência de severa crise socioeconômica e o apoio das massas constituem pressupostos básicos a permitir a escalada de legendas extremistas em direção ao poder. Ademais, o estudo identifica que as redes sociais têm fomentado uma “polarização raivosa” no âmbito político, inclusive através de manipulações desleais e debates artificializados lançados por robôs malignos, voltados a conferir vantagens a atores determinados. Por fim, o trabalho revela que todo esse contexto tem resultado numa produção legislativa dotada de retrocessos.
Palavras-chave: Ascensão. Extremismo. Político. Redes Sociais. Futuro. Direito.
Sumário: Introdução. 1. Dos fatores responsáveis pelo surgimento do extremismo político no século XXI: a história como instrumento útil à compreensão do fenômeno. 2. As redes sociais como veículo de propagação de plataformas político-ideológicas: um elo entre a polarização artificial do debate e a manipulação de informações. 3. Uma breve reflexão sobre o futuro do direito diante da ascensão do extremismo político. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Através deste ensaio pretende-se buscar entendimento acerca da ascensão do extremismo político, que, como um espectro para muitos, vem crescendo em diversos países democráticos, e recebendo cada vez mais apoio de expressiva parcela da população, seja em protestos ou mesmo nas urnas, em defesa de posições radicais.
Nesse sentido, o ocidente tem assistido, com certa frequência, a discursos de ódio, segregação racial e sociocultural, aumento de práticas xenofóbicas, atos de intolerância religiosa e contra a liberdade sexual, episódios de desentendimento gratuito entre lideranças mundiais.
O trabalho se destina ainda a compreender os motivos que tem levado milhares de pessoas a apoiar posições políticas mais aguerridas e polarizadas, concepções estas que vêm influindo no resultado eleitoral de diversos países.
Cabe advertir, no entanto, que o estudo não tem a pretensão de exaurir o tema em voga, visando apenas levantar possíveis causas a permitir uma reflexão introdutória do evento, de forma mais neutra possível, isto é, sem partidarismo.
Esclareça-se, desde já, que movimentos extremistas - e mesmo os totalitários - não são manifestações exclusivas da direita radical, mas também podem ser encontrados em regimes políticos de esquerda, como ocorreu, por exemplo, na Rússia bolchevista, sustentada no apoio das massas.
Com efeito, é possível observar, através do noticiário popular, que movimentos de extrema direita vêm crescendo significativamente na Europa, tal como vem ocorrendo na Hungria, Grécia, França, Dinamarca, Holanda, Espanha, Inglaterra, Polônia, Suécia, Itália. O radicalismo político também está em alta nos Estados Unidos. No Brasil, tem-se assistido à ampliação de apoio popular a políticos defensores de posições de embate.
O recente avanço da extrema direita encontraria assentimento ante o fraco desempenho da economia das nações, num cenário de crise socioeconômica e caos migratório, decepção frente a escândalos de corrupção, sentimento de traição em relação aos governos de esquerda das últimas décadas, recrudescimento da violência? Estaria a humanidade em crise? Se sim, em que tipo de crise estaria mergulhada e qual a sua dimensão?
Num ambiente maximizado por sentimentos ideologizados, deflagra-se um clima hostil entre partidários que apoiam uma agenda de propostas belicosas versus os antagônicos a tais posicionamentos. Tudo isso resta por conduzir o debate aos píncaros do desentendimento, ensejando uma colisão entre convicções que, igual à água e óleo, não se misturam.
Essa curiosa ambiência engendra uma abrupta divisão, unindo as pessoas em lados opostos sob a fórmula do “nós contra eles”.
Toda essa gama de emoções e altercações apaixonadas resultará inexoravelmente na produção do Direito, que, por consectário lógico, espelhará o programa do grupo político que ascende ao poder.
Para mais além, tem-se percebido o uso das redes sociais como importante ferramenta nas disputas eleitorais, bem como na organização de protestos mundo a fora.
O ciberespaço vem sendo utilizado para a divulgação de plataformas ideológico-partidárias, muitas das quais caracterizadas por uma lógica de contenda, num ambiente em que se busca granjear simpatizantes prontificados a replicar visões políticas extremadas.
Nessa conjuntura, as mídias sociais têm exercido papel de destaque na formação de opinião política das pessoas, restando, de alguma forma, por influenciar o resultado das urnas.
Ocorre que se tem constatado a existência de “robôs malignos” atuando no processo eleitoral, usados irregularmente para o fomento de debates artificializados e polarizados, na promoção da disseminação do ódio e de ofensas direcionadas a pessoas determinadas, bem como na divulgação de mentiras.
Em resumo, o artigo tem por escopo buscar entendimento panorâmico acerca da ascensão do extremismo político na era das redes sociais, bem assim entender minimamente o que isso representaria para o futuro do Direito.
No mais, vale ressaltar que serviu de base para a produção deste estudo: artigos científicos; livros especializados no assunto; matérias jornalísticas; relatórios de Organizações Internacionais; pesquisas junto a órgãos públicos e jurisprudência de Tribunais Superiores.
1. DOS FATORES RESPONSÁVEIS PELO SURGIMENTO DO EXTREMISMO POLÍTICO NO SÉCULO XXI: A HISTÓRIA COMO INSTRUMENTO ÚTIL À COMPREENSÃO DO FENÔMENO
Haveria alguma relação histórica entre crise econômica e ascensão de movimentos políticos extremistas, nacionalistas e conservadores? Se sim, seria essa conexão o motivo exclusivo à deflagração do extremismo político ou existiriam outros fatores concorrentes?
O que se sabe a respeito é que não existem respostas prontas e acabadas para essas indagações. No entanto, certamente a história pode, em alguma medida, ajudar a assimilar esse fenômeno.
Para que se possa compreender minimamente o surgimento de extremismos políticos no século atual, parece fundamental que se recorra, ainda que de forma superficial, a alguns eventos históricos ocorridos durante o século XX.
Decerto, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) se revelou como uma experiência traumática para a civilização1, que vivenciava, desde o final do século XIX, um período de austeridade na economia e avanços em diversos campos do saber.
O fim da primeira guerra deixaria marcas indeléveis, e não teria colocado ponto final nas insatisfações existentes entre as nações do velho continente. O sentimento reprimido de frustração e revanchismo dos derrotados na primeira guerra, especialmente ante as condições impostas pelo tratado de Versalhes, emergiria poucas décadas depois, retornando violentamente à superfície. Tudo isso conduziria a humanidade à inevitável Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
O momento histórico que precedeu à Segunda Guerra Mundial – denominado de período entreguerras (1919-1939) - sugere que uma situação de acentuada crise socioeconômica, somada à existência de fragilidade no sistema de representação política, teriam contribuído para o surgimento de movimentos políticos radicais nesse período.
Em 24/10/1929 a Bolsa de Valores de Nova York entrou em colapso, dando início ao episódio que ficou historicamente conhecido como a Grande Depressão da economia americana. Nos Estados Unidos a quebra da Bolsa de Valores resultou na explosão da pobreza, num cenário em que o desemprego atingiu cerca de 27% dos estadunidenses.
O Crash de 1929 não se limitou ao território americano, doravante, atingindo em cheio a ordem liberal em âmbito global, produzindo efeitos deletérios sobre as demais economias capitalistas.
O episódio, como num efeito dominó, irradiou o caos econômico às demais nações, contribuindo, em dada medida, para o fortalecimento de regimes autoritários na Europa do entreguerras, que, por sua vez, defendiam posições nacionalistas e antiliberais.
Sob outro prisma, os movimentos de extrema-direita do velho continente sustentavam um discurso no sentido de que o liberalismo econômico seria um dos fatores responsáveis pelo desemprego, hiperinflação2, em suma, pela tragédia econômica pontualmente experimentada.
Nas décadas de 1920 e 1930, assistiu-se, numa Alemanha com cerca de 44% de desemprego, ao surgimento e avanço do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, o Partido Nazista3, fundado e liderado por Adolf Hitler, e que se apresentava à população germânica como alternativa frente à grave crise econômica que assolava o país4.
Eric Hobsbawn, em Era dos Extremos 5, fornece alguns dados econômicos a respeito do desemprego mundial daqueles tempos:
"No pior período da Depressão (1932-3), 22% a 23% da força de trabalho britânica e belga, 24% da sueca, 27% da americana, 29% da austríaca, 31% da norueguesa, 32% da dinamarquesa, e nada menos que 44% da alemã não tinham emprego. E, o que é igualmente relevante, mesmo a recuperação após 1933 não reduziu o desemprego médio da década de 1930 abaixo de 16% a 17% na Grã-Bretanha e Suécia ou 20% no resto da Escandinávia. O único Estado ocidental que conseguiu eliminar o desemprego foi a Alemanha nazista entre 1933 e 1938. Não houvera nada semelhante a essa catástrofe econômica na vida dos trabalhadores até onde qualquer um pudesse lembrar".
Nesse ambiente completamente marcado pela penúria econômica, crise de representação política, ineficácia das instituições públicas e agitações sociais, o discurso radical elevaria o tom do extremismo político na Alemanha nas décadas em comento, fatores que acertadamente teriam contribuído para o fortalecimento do Partido Nazista.
Tanto a Alemanha quanto a Itália possuíam problemas internos gravíssimos, onde imperava quadro de crise social e econômica, incapacidade de controle eficaz sobre as manifestações operárias. O fortalecimento das organizações autoritárias foi potencializado também através de financiamentos pelos detentores do capital.
Na Itália6, a crise econômica foi igualmente explorada pelo Partido Fascista entre os anos de 1922-1943, liderada por Benito Mussolini (seu fundador), que, em apertada síntese, adotava um discurso antiliberal e se utilizava da violência para dissolver agitações operárias.
Na Espanha e Portugal7, do início do século XX, fatores similares contribuíram para a ascensão de movimentos autoritários, com expressivo apoio das massas populares.
No Brasil, em 1937, assistiu-se a instauração do Estado Novo, pelo então presidente Getúlio Vargas, caracterizado pela repressão a movimentos comunistas, marcando o início de um período autoritário no país, que perduraria até meados do ano de 1945. Os motivos deflagradores da instauração desse regime encontrariam origem na existência de um complexo de instabilidades, com destaque para a forte crise econômica e tumulto social.
Na América Latina8, da segunda metade do século XX, os movimentos autoritários e militares encontrariam terreno fértil na tomada do poder político, surgidos não apenas diante de um cenário de distúrbios sociais e elevada crise econômica, mas, principalmente, estimulados por fatores externos, de natureza geopolítica, influenciadas por meio das disputas regionalizadas entre Estados Unidos e a extinta União Soviética (URSS), durante o período da guerra fria.
Até aqui a história sugere, no mínimo, a existência de um vínculo entre distúrbio de ordem socioeconômica e ascensão de movimentos extremistas, nacionalistas e conservadores9.
Há corrente de pensamento que compreende que a crise econômica não seria fator decisivo para o ressurgimento dos regimes extremistas, mas coexistiria com outros elementos, tais como, a existência de fragilidade no sistema de representação política de um país10.
Em diversos episódios de eclosão de extremismos políticos ocorridos durante o século XX, é possível identificar a participação das forças armadas, que se valiam do uso da violência para garantir a ordem, visando a pacificação das instabilidades político-sociais11.
Assim, observa-se que os movimentos da direita radical oriundos do século XX se fortaleceram diante de um cenário marcado por fortes agitações políticas12, somada a profundas crises socioeconômicas, ocasião em que o apoio popular, bem como o préstimo de militares, revelou-se crucial à ascensão e manutenção de legendas autoritárias.
Hannah Arendt, em Origens do Totalitarismo 13, observa o apoio das massas como sustentáculo de regimes totalitários, justamente o que teria ocorrido tanto na Rússia bolchevista como na Alemanha Nazista:
"Seria um erro ainda mais grave esquecer, em face dessa impertinência, que os regimes totalitários, enquanto no poder, e os líderes totalitários, enquanto vivos, sempre ‘comandam e baseiam-se no apoio das massas’. A ascensão de Hitler ao poder foi legal dentro do sistema majoritário, e ele não poderia ter mantido a liderança de tão grande população, sobrevivido a tantas crises internas e externas, e enfrentado tantos perigos de lutas intrapartidárias, se não tivesse contado com a confiança das massas. Isso se aplica também a Stálin. Nem os julgamentos de Moscou nem a liquidação do grupo de Röhm teriam sido possíveis se essas massas não tivessem apoiado Stálin e Hitler".
Para mais além, existem estudos recente que apontam como causa do recrudescimento de movimentos de extrema-direita nos dias de hoje, principalmente na Europa, o avanço do neoliberalismo, supostamente responsável por contribuir para o crescimento das desigualdades socioeconômicas14.
O neoliberalismo - com sua inata e poderosa indiferença à pobreza e que sem amarras éticas gera profundas desigualdades - parece guardar considerável relação com a ascensão de extremismos no cenário político, donde a insatisfação das pessoas com a versão da atual economia capitalista, predatória e excludente, simplesmente se transmuda no depósito de esperanças sobre discursos polarizados, no aguardo de dias melhores e mais prósperos. Já dizia o poeta e dramaturgo Bertolt Brecht: “Primeiro a barriga, depois a moral” 15.
Muitos economistas defendem que o neoliberalismo seria uma tendência natural das coisas, e que inclusive possibilita a salvação da humanidade.
Em verdade, o neoliberalismo nem de longe é panaceia para todos os males. Ao revés, sem freios engole tudo que vê pela frente, engole as pessoas, e, quando não houver mais o que devorar, engole a si próprio.
Doravante, a grande recessão eclodida em 2008, a partir da chamada crise dos subprimes 16 17, ainda produz efeitos nocivos sobre a economia global uma década depois, segundo análise conclusiva constante do Relatório anual World Economic Outlook 2018 (Capítulos 2 e 3) do FMI18.
O desajuste produzido sobre as economias globalizadas foi tamanho que o capitalismo teve que sacrificar a muitos, se readequar, para não ruir de vez. Mas, por óbvio, sua reconfiguração não significou a eliminação do avejão da fome e do desemprego, mas permitiu a condução do PIB mundial a patamares menos dramáticos.
Como consequência da crise de 2008, ante a carência de alternativas, num ambiente de escassez de recursos financeiros e elevada desconfiança dos investidores, muitos países permaneceram elevando a dívida pública para fazer frente a volumosos gastos estatais, bem assim operando desinvestimentos nacionais, tudo isso contribuiu para o aumento do índice do desemprego e das desigualdades socioeconômicas, das quais, por sua vez, derivaram outras tragédias populares.
Analisando as condições que contribuíram para a ascensão dos movimentos de extrema-direita nas décadas de 1920-1930, tem-se que uma das mais decisivas parece ter sido a econômica.
Com isso, será que os fatores de preceito econômico deflagrados na crise de 2008, e que ainda são sentidos nos dias atuais, guardariam semelhança com aqueles experimentados na crise de 1929? Se sim, isso seria suficiente para permitir o avanço de legendas autoritárias?
Sem maiores complexidades, é possível constatar que o cenário mundial é de apreensão com relação à ordem econômica, bem como a humanidade assiste a ascensão de movimentos políticos radicais.
Uma democracia robusta não prospera se não gozar de índices econômicos positivos atrelados à satisfação das massas, num ambiente de distribuição de renda em patamares razoáveis.
Enfim, a expansão do extremismo político desses tempos demanda atenção da civilização e foco para adoção de medidas tendentes a evitar que tragédias históricas se repitam. A esse respeito, como já dizia um adágio popular: é preciso lembrar para não esquecer.
2. AS REDES SOCIAIS COMO VEÍCULO DE PROPAGAÇÃO DE PLATAFORMAS POLÍTICO-IDEOLÓGICAS: UM ELO ENTRE A POLARIZAÇÃO ARTIFICIAL DO DEBATE E A MANIPULAÇÃO DE INFORMAÇÕES
As mídias sociais têm sido demasiadamente exploradas nas disputas eleitorais - por exemplo, através do Facebook19, WhatsApp e Twitter -, bem como na organização de protestos populares mundo a fora.
Sem sombra de dúvida, as redes sociais inauguraram um novo capítulo na história da humanidade, promovendo uma revolução em matéria de participação das pessoas em temas públicos e reforçando o interesse coletivo no consumo de informações a respeito, bem assim permitindo aos usuários exporem livremente suas opiniões.
Se por um lado as plataformas sociodigitais convidam e estimulam os indivíduos para o debate político, simultaneamente, esse mesmo ambiente se traduzirá em zona de rivalizações e incertezas, onde inevitavelmente irão circular inverdades (fake news) e atecnias das mais variadas.
No âmbito político, com a popularização dos smartphones a organização de manifestações públicas ganhou maior dimensão, inclusive com a possibilidade de compartilhamento desses eventos em tempo real20.
Além de instrumento para organização de protestos, o ambiente tecnológico tem sido profundamente utilizado nas campanhas eleitorais, para a divulgação de programas político-partidários.
Por exemplo, a campanha do Presidente eleito dos Estados Unidos no ano de 2008, Barack Obama, obteve resultados surpreendentes por meio de investidas nas mídias digitais21. Daí em diante o uso das redes sociais, como ferramenta de campanha política, tem se tornado uma estratégia cada vez mais explorada e aperfeiçoada nas eleições.
Concomitantemente, o ciberespaço tem se traduzido em seara de disputas ideológicas e “polarizações raivosas”22, atraindo, ademais, tendências de manipulação de dados e informações23.
Nessa esteira, um estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas, por meio de sua Diretoria de Análise de Políticas Públicas (FGV/DAPP), revela o crescimento de participação de “robôs maliciosos”, atuando deslealmente no processo eleitoral ao disseminar informações destinadas a conferir vantagens a agentes políticos determinados 24.
Uma das conclusões a que chegou a pesquisa, com relação à participação de robôs nas eleições brasileiras dos últimos anos, foi a seguinte:
"A análise de interações de contas com tuítes produzidos automaticamente já denuncia e confirma o uso de robôs no debate político brasileiro. A partir da análise feita pela DAPP de metadados que denunciam a operação deles, podemos concluir que o conteúdo gerado automaticamente tem influenciado discussões no Twitter com objetivo de gerar vantagem para atores políticos".
Assim, verifica-se que “robôs maliciosos” têm sido utilizados, de forma irregular, para fomentar debates artificializados e polarizados, atuando especialmente na disseminação do ódio, proferindo ofensas direcionadas a pessoas determinadas e divulgando mentiras.
Os órgãos estatais vêm criando mecanismos de controle destinados à localização e repressão de atividades desempenhadas irregularmente pelos robôs malignos. Ocorre que, à medida que os mecanismos públicos de fiscalização vão se aperfeiçoando, os robôs vão desenvolvendo novas habilidades para burlar o sistema, uma delas consiste na qualificação do método de imitação do comportamento humano, fato que dificulta sua identificação.
Por falar em manipulação de informações através das redes sociais, vale destacar, a título exemplificativo, dois acontecimentos ocorridos no ano de 2018, que sugerem a utilização indevida, por “robôs maliciosos”, de dados de usuários de plataformas digitais, destinando-os à personalização de marketing político, tudo com o fito de influenciar tomada de decisões de eleitores em favor de atores determinados25.
Primeiramente, nas eleições presidenciais americanas que conduziram Donald Trump à vitória nas urnas, a empresa de marketing político, Cambridge Analytica, segundo revelado pelo programador Andrew Wiley, teria utilizado, de forma irregular, dados de 87 milhões de usuários do Facebook26 para a obtenção de vantagens ilegítimas na corrida eleitoral27.
Em outro caso, ocorrido no Brasil, ventilou-se que o Movimento Brasil Livre (MBL) estaria utilizando igualmente dados de usuários do Facebook para individualizar informações inverídicas e redirecioná-las a perfis específicos28.
Ademais, conforme amplamente divulgado pela imprensa29, o Facebook, por meios próprios, identificou e cancelou perfis falsos supostamente manipulados pelo MBL, que tinham o propósito de espalhar a desinformação e potencializar artificialmente o embate político. O mais interessante nesse caso é que o Facebook agiu de maneira espontânea, isto é, sem a existência de qualquer intervenção da Justiça Eleitoral.
Para ter uma dimensão acerca do uso da tecnologia na divulgação de propaganda ideológica, uma pesquisa realizada no ano de 2017, pela Universidade de Indiana e do Sul da Califórnia, identificou a atuação de robôs no Twitter, num percentual entre 9% a 15% 30.
Com isso, verifica-se que a automação na política vem sendo trabalhada por meio de robôs (botnets), que se infiltram sutilmente nas comunidades digitais, com o simples propósito de “desinformar”, disseminando massivamente ataques a pessoas determinadas, a fim de conferir vantagens a atores específicos31.
Doravante, as redes sociais se revelam como sítio onde a liberdade de expressão é exercida muito amplamente, como regra, sem censura prévia.
Nessa linha, o art. 33. da Resolução nº 23.551/2017 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), órgão judicial responsável pelo controle das eleições no Brasil, dispõe que “[a] atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático”.
No entanto, como conciliar liberdade de expressão com o direito à privacidade dos usuários, uma vez que as plataformas sociodigitais têm se revelado como instrumento de manipulação de informações, com potencial de convencer pessoas sobre fatos inverídicos ou fomentar uma opinião política desleal? Por outro ângulo, como controlar as redes sociais em situações de ampla divulgação de opiniões antidemocráticas?
Diante de tais circunstâncias, vem crescendo o debate acerca da necessidade de controle sobre o compartilhamento de opiniões políticas, tudo visando a salvaguarda da segurança do processo eleitoral e da própria democracia32.
Em suma, as campanhas eleitorais na era digital são um fenômeno ainda recente, ambiente em que os robôs vêm atuando massivamente, seja para o bem seja para o mal. No meio disso tudo estão os humanos alimentando-se de informações digitais e formando suas convicções para a tomada de decisões políticas.