Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Os efeitos da manutenção do vínculo biológico posterior ao processo de adoção no Brasil

Exibindo página 2 de 3
Agenda 17/11/2019 às 19:14

3.       A colisão entre a afetividade biológica e os efeitos da adoção

A socioafetividade dispõe da ideia de relação afetiva (sócio+afetividade). Se trata da filiação socioafetiva a manifestação do vínculo familiar calçado nos sentimentos. Justamente por isso, ela extrapola o conceito estático do que é biológico ou não.

Neste ponto não se trata da adoção embrionária, mas sim da constituída por vínculos biológicos tradicionais, onde por meio da adoção ocorreu a ruptura do vínculo jurídico entre pais e filhos.

Epaminondas Costa entende que os institutos da multiparentalidade e do restabelecimento do vínculo biológico não poderão se valer no caso da adoção:

[...] é inconcebível que a presente situação seja resolvida por meio do instituto da adoção, o qual se destina a estabelecer a relação de parentesco entre pessoas desvinculadas biologicamente. Portanto, a adoção como filho, de alguém que a natureza atribua tal condição, geraria o estado de perplexidade. (COSTA, 2012, p. 10).

É evidente que o contato entre pais e filhos biológicos vai gerar algum tipo de vínculo. Podendo ele ser negativo ou positivo, e para ambos os casos é preciso entender e estabelecer as consequências legais para a manutenção de tal vínculo.

Segundo o Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais, Epaminondas da Costa, é hora de superar à ortodoxia processual. Neste sentido, os legisladores e operadores do direito precisam se atentar as relações afetivas em primazia as questões jurídicas. (COSTA, 2012).

Por outro lado, Maria Berenice Dias dispõe que:

Gerando a adoção vínculo de filiação socioafetiva, a declaração da paternidade biológica, de um modo geral, não surte efeitos registrais, a impedir benefícios de caráter econômico. No entanto, cada vez com maior frequência é reconhecida a multiparentalidade, de modo a se reconhecer o estabelecimento da dupla filiação: a biológica e a adotiva. (DIAS, 2016, p. 507).

Neste sentido, vários autores tem tratado acerca da questão do novo olhar do direito de família. Que tem avançado em construções doutrinárias acerca de assuntos como: multiparentalidade, filiação, adoção e concepção de estado de filho. Jones Figueirêdo Alves, desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco, dispõe que:

tivemos em 2013 decisões judiciais mais avançadas, convindo referir a mais importante delas que admitiu:

(i) a adoção multiparental (Processo 0034634-20.2013.8.17.0001 - juiz Clicério Bezerra e Silva - PE), no sentido de acrescentar ao registro de nascimento de menor adotado, o nome de seu genitor biológico (e de seus avós paternos), inclusive com a inserção do seu patronímico, mantendo-se a paternidade adotiva e registral constituída ( ALVES, et al., 2014).

O fato de ainda não haver um instituto que legisle acerca da possibilidade da existência do vínculo genético biológico, oriundo do contato entre pais biológicos e adotado, não pode ser razão suficiente para que tal instituto não seja julgado.

Da mesma forma que o juiz não pode se negar a julgar, o direito não pode se negar a criar meios para caracterizar, legislar e estabelecer a manutenção de tal vínculo, mesmo após a sua ruptura jurídica ocorrida por meio da adoção.

Sendo neste sentido:

É bem verdade que diversos operadores do direito, presos à ortodoxia processual da coisa julgada, argumentarão com a impossibilidade da resolução jurídica do problema apresentado, ou seja, que se restabeleça no registro civil a filiação extinta mediante a ação de perda do poder familiar, sobretudo quando se apresenta incabível o ajuizamento de ação rescisória. (COSTA, 2012, p. 15)

O autor versa sobre o restabelecimento jurídico de vínculo outrora perdido. Quando falamos do instituto da adoção, é preciso ressaltar que, com o novo registro contendo os nomes dos adotantes, existe a extinção jurídica de todos os atos passados.

Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão.

§ 1º A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes. (BRASIL, 1990).

Por haver sentença judicial não se pode falar em restabelecimento afetivo, uma vez que no caso da adoção já houve o cancelamento do registro de origem, conforme artigo 102, item 6 da lei 6.015 de 31 de dezembro de 1973: “Art. 102. No livro de nascimento, serão averbados: VI: a perda e a suspensão do pátrio poder.” (BRASIL, 1973).

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Ressalta-se então, que o ECA dispõe a respeito do conhecimento da origem genética pós processo de adoção, tanto nos casos de menoridade quanto de maioridade. Contudo, nem o estatuto e tão pouco outros instrumentos legais versam sobre como se dará a manutenção do vínculo genético pós conhecimento biológico.

Em especial, não há ainda um instituto que verse acerca dos efeitos que esta nova relação biológica pode provocar na ceara jurídica.

3.1      A ponderação de interesses na resolução da colisão entre a reconstrução do vínculo genético e a socioatividade.

O conceito de família aborda o direito das famílias acolher o ser humano desde antes do nascimento, por ele zelar durante a vida e cuidar de suas coisas após sua morte. Podendo traduzir assim a família como sendo fonte de proteção e segurança. (DIAS, 2012).

Como citado no capítulo dois, os princípios que regulam à adoção e os princípios norteadores do direito personalíssimo se chocam. Neste caso, é preciso fazer a preponderância de um sobre o outro.

Neste sentido, é preciso fazer então a ponderação de interesses conforme melhor interesse do adotado. Ficando a cargo da lei a regulamentação dos efeitos da relação entre pais biológicos e adotado, que ainda não se vê regulada. Isto se deve principalmente ao fato da lei ser retardatária, ou seja, sua preocupação é póstuma aos fatos.

Não cabendo a lei prever os acontecimentos, em especial os oriundos do direito de família. Neste sentido o Supremo Tribunal de Justiça, entendeu que:

Em um mundo pós-moderno de velocidade instantânea da informação, sem fronteiras ou barreiras, sobretudo as culturais e as relativas aos costumes, onde a sociedade transforma-se velozmente, a interpretação da lei deve levar em conta, sempre que possível, os postulados maiores do direito universal. O desafio do Juiz moderno esta em julgar com justiça, valendo-se dos princípios éticos-jurídicos num balanceamento dos interesses em conflito. Não lhe compete a simples aplicação das leis. É preciso aplica-las de modo a encontrar o justo no caso concreto. (DIAS, 2016, p. 108 apud, CASSETTARI, 2014, p. 182.)

Ainda em se tratando da falta de legislação própria no que diz respeito à manutenção do vínculo com a família natural pelo adotado, Maria Berenice Dias ressalta a importância da evolução legislativa do direito de família para resolver conflitos.

A autora destaca que a evolução legislativa ocorreu principalmente devido á evolução social do instituto familiar. (DIAS, 2016).

Percebe-se claramente que todas as modificações legislativas do direito de família giram em torno do conceito familiar, sendo que este se altera de acordo com a realidade social de cada família.

Segundo enunciado do IBDFAM, a posse de estado de filho gera vínculo de parentesco e impõe as responsabilidades da criação, educação as quais decorrem do poder familiar.

Diante da variedade de situações que enlaçam a relação constitutiva de família propõe, o seguinte questionamento: podemos definir o pai como genitor, o marido ou companheiro da mãe, ou aquele que cria os filhos e assegura-lhes o sustento, ou aquele que dá seu sobrenome ou mesmo seu nome?  (PEREIRA, 2012)

Neste sentido, pode-se compreender que a intenção do autor ao questionar-se sobre isso é trazer um entendimento sobre o direito tanto de ser pai, quanto de ser filho. Em concordância com tal ponto, Maria Berenice Dias, esclarece que: “[...] A paternidade não é só um ato físico, mas, principalmente, um fato de opção, extrapolando os aspectos meramente biológicos, ou presumidamente biológicos, para adentrar com força e veemência na área afetiva.” (DIAS, 2016, p.155).

Olhando através do viés da adoção, fica ainda mais claro que a paternidade é um ato constitutivo, diário e contínuo. Segundo Artigo 39 §1º do ECA, à adoção é irrevogável, e rompe todos os laços com a família natural. Contudo, Dias (2016), cita que com certa frequência os adotantes simplesmente devolvem o filho que adotaram. Nestes casos, ocorre a destituição do poder familiar do adotante, conforme artigo 1.638 do Código Civil.

Joanna Massad de Oliveira reflete acerca do rompimento do vínculo parental que advém com à adoção. Segundo ele, tal rompimento conflita com os direitos fundamentais da dignidade da pessoa, da solidariedade e da isonomia. (OLIVEIRA, 2015).

Por fim, surge na doutrina uma nova forma de reestabelecimento dos pais biológicos pós processo de adoção.

3.2 Estado de Filiação e origem genética

Na hora de fazer a ponderação de interesse quanto a reconstrução do vínculo com a família natural, é preciso lembrar que o estado de filiação e a origem genética em nada se contrapõem.

De um lado existe a verdade biológica, comprovado por meio de exame laboratorial que permite afirmar, com certeza praticamente absoluta, a existência de um liame consanguíneo entre duas pessoas. De outro lado há uma verdade que não pode mais ser desprezada: O estado de filiação, que decorre da estabilidade dos casos de filiação construídos no cotidiano[...] (LÔBO, 2008, p.153).

Tais realidades não se confundem, porque o direito de conhecer a ascendência familiar é um dos atributos do direito da personalidade (direito a filiação). O seu exercício não implica na construção de um conceito de família. A paternidade deriva do estado de filiação, independentemente da origem biológica. (LÔBO, 2008)

Ainda neste sentido, Maria Helena Diniz reflete que: “A parternidade se faz, o vínculo de paternidade não é apenas um dado, tem a natureza de se deixar construir. Essa realidade é o que se pode caracterizar como posse de estado de filho”. (DIAS, 2016, p.212).

Dessa forma, o conhecimento do processo de adoção, e por consequência da família natural por parte do adotado, nos termos do artigo 48 do ECA não ensejam diretamente a relação de família, uma vez que conforme os autores citados acima, é acordado que o laço familiar é constitutivo e não sanguíneo. Contudo, a partir do convívio entre as partes, pode nascer a posse do estado de filho.

Glaúcia Nielle Santos Araújo dispõe em sua obra que:

Novos direitos trazem em seu bojo formas inovadoras de pensar a existência, as relações sócio jurídicas e o próprio conceito do justo. Como assevera exige-se uma “nova” justiça, para atender as demandas dos “novos sujeitos sociais”. (WOLKMER, 2008, p. 202 apud ARAÚJO, 2008, p. 3).

Marcos Costa Salomão, afim de esclarecer que o estado de filho pode ser suscetível de posse por outras pessoas, uma vez que o filho, biológico ou adotivo, ocupa esta posição de forma íntima, pública e duradoura e, aos olhos da sociedade, esta passa a ser aceita como se fosse verdadeira, em razão do afeto existente entre ambos que se chamam de pai e filho.

 Quando as pessoas desfrutam de situação jurídica que não corresponde à verdade, detêm o que se chama de posse de estado. Em se tratando de vínculo de filiação, quem assim se considera desfruta da posse de estado de filho [...] A aparência faz com que todos acreditem existir situação não verdadeira, fato que não pode ser desprezado pelo direito. [...] A noção de posse de estado de filho não se estabelece com o nascimento, mas num ato de vontade, que se sedimenta no terreno da afetividade, colocando em xeque tanto a verdade jurídica, quanto a certeza científica no estabelecimento da filiação. A filiação socioafetiva assenta-se no reconhecimento da posse de estado de filho: a crença da condição de filho fundada em laços de afeto (SALOMÃO, Marcos Costa, 2016, p. 240-241).

Dessa forma, o entendimento de Maria Berenice Dias (2016), se faz presente a compreender que a noção de filho não se dá com o nascimento, mas por ato expressivo, claro e público de vontade, que se alicerça na afetividade entre as partes envolvidas, sejam elas de qual instituto jurídico que seja.

Dessa forma, questiona-se a verdade jurídica preexistente a este acontecimento.

Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!