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Ensino de criminologia na Academia Militar das Agulhas Negras

Agenda 10/02/2020 às 12:35

Esse trabalho tem por escopo avaliar a a importância do ensino de criminologia na formação dos militares da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN).

Resumo: O artigo visa avaliar a importância do ensino de Criminologia na formação dos militares da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), eis que as Forças Armadas vêm atuando corriqueiramente nas operações de garantia da lei e da ordem e que os egressos dessa escola sempre tiveram papel importante na política brasileira. Nesse desiderato foi realizada revisão de literatura identificando o objeto de estudo da criminologia, levantamento historiográfico da educação e ensino militar e análise de conteúdo dos documentos da AMAN e dos sítios de órgãos públicos, sendo constatado que o currículo não possui o ensino de criminologia, mas somente de direito penal e processual militar, fazendo com que os oficiais bélicos possuam uma visão positivista e superficial do fenômeno criminológico, replicando a abordagem histórica e ineficiente do controle eficientista penal.

Sumário: Introdução. 1. Objeto de estudo da Criminologia. 2. A inserção do ensino de Criminologia na formação dos militares da Academia Militar das Agulhas Negras. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO

O estudo de criminologia vem trazendo uma nova abordagem para o fenômeno criminológico, superando a Escola Positivista e pondo em xeque o atual sistema de controle penal, que mede as políticas implantadas com base no eficientismo e refletindo negativamente na segurança pública, pois ataca o problema na consequência e não na causa.

A Academia Militar das Agulhas Negras é a principal escola de formação de oficiais bélico do Exército Brasileiro e tem por finalidade capacitar o oficial de carreira para as mais missões de cunho técnico e da ciência militar.

Acontece que, o Exército Brasileiro, bem como as demais Forças Armadas, vem sendo empregado corriqueiramente em missões de garantia da lei e da ordem, atuando diretamente na segurança pública. Daí porque é necessário que a formação desses militares, que lideram tropas nesse contexto, não pode estar dissociada da realidade, devendo ser interdisciplinar e englobando o estudo da criminologia para proporcionar uma ideal interpretação dos dados sociais, na maneira de compreensão do fenômeno criminal e na forma de enfrentá-lo.

Para tanto, será realizada revisão de literatura para identificar o objeto de estudo da criminologia, a importância do ensino dessa ciência na formação dos militares da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), bem como realizado um levantamento historiográfico da educação e o ensino militar e análise de conteúdo dos documentos da AMAN e nos sítios de órgãos públicos e militares para verificar a grade curricular dessa escola.

1. OBJETO DE ESTUDO DA CRIMINOLOGIA

Cesare Lombroso é o autor que assume lugar de destaque na constituição do conhecimento criminológico moderno. “Juntamente com Rafaele Garofalo (1852-1934), Enrico Ferri (1856- 1929) e outros, Lombroso pretendeu construir uma abordagem científica do crime”, estabelecendo, uma oposição no interior das doutrinas penais entre a Escola Clássica e a Escola Positiva[1] e consolidando a definição mais geral da criminologia (ALVAREZ, 2019).

Em apertada síntese podemos assim conceituar a Criminologia:

“A Criminologia é a ciência surgida no século XIX, segundo alguns autores, pela fusão da Antropologia com o pensamento sociológico, e que se ocupa do estudo das teorias do direito criminal, das causas do fenômeno criminal e de suas características, da sua prevenção e do controle de sua incidência, tendo um caráter interdisciplinar e abrangente de outras disciplinas e ciências, tais como o Direito, a Psicologia, a Psiquiatria, a Medicina, a Sociologia e a Antropologia” (PAULA, 2007).

Zaffaroni define essa abordagem científica do crime como “[...] a disciplina que estuda a questão criminal do ponto de vista biopsicosocial, ou seja, integra-se com as ciências da conduta aplicada às condutas criminais” (ZAFFARONI, 1999).

A preocupação dos governantes, elite republicana, de estabelecer formas de controle social e consolidar igualdade política e social permanece desde a Proclamação da República (ALVAREZ, 2019) e, neste desiderato o pensamento criminológico pode auxiliar na desconstrução da visão estigmatizante sobre a realidade social, de concepção maniqueísta e excludente, criando novas possibilidades de resolução pacífica dos conflitos, que possibilitem a substituição das políticas criminais pelas políticas públicas (PAULA, 2007).

Segundo Baratta (1999), a criminologia tem como específica função cognoscitiva e prática, individualizar as causas da diversidade, os fatores que determinam o comportamento criminoso, para combatê-los com uma série de práticas que tendem, sobretudo, a modificar o delinquente.

No tocante a importância do pensamento criminológico para a esfera da segurança pública, função desempenhada também pelo Exército Brasileiro, que abriga a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), a professora Vera Regina Pereira de Andrade nos ensina que:

Fortalecendo o discurso e as técnicas da guerra contra o crime e da segurança pública (limpeza do espaço público e devolução das ruas aos cidadãos), o controle penal globalizado radicaliza a função simbólica do Direito Penal através de uma hiperinflação legislativa, ou seja, a promessa e a ilusão de resolução dos mais diversos problemas sociais através do penal, ao tempo em que redescobre, ao lado dos tradicionais, os novos “inimigos” (o mal) contra os quais deve guerrear (terroristas, traficantes, sem teto, sem-terra, etc.) não poupando, ainda que simbolicamente, a própria burguesia nacional (sonegadores, depredadores ambientais, corruptos, condutores de veículos, etc.) que se torna também vulnerável face ao poder globalizado do capital (ANDRADE, 2003).

Analisando dados estatísticos verificamos que a atuação do Estado pelo modelo contemporâneo de prevenir crimes pelo eficientismo penal, buscando criminalizar mais, medir a eficiência por meras estatísticas e até mesmo propondo política criminal pelo protagonismo do Direito Penal é uma ideia vendida pelo poder globalizado do capital e comprada pela violação dos direitos humanos (ANDRADE, 2012). Ademais “essa forma limitada de interpretação dos dados sociais tem tido efeitos desastrosos na maneira de compreensão do fenômeno dito “criminal” e na forma de enfrentá-lo” (PAULA, 2007).

Daí porque é importante o estudo da Criminologia, especialmente a “Criminologia Crítica” tão estudada por doutrinadores já citados aqui como Andrade, Zaffaroni e Baratta, uma vez que nos aponta alguns caminhos para proporcionar a efetiva segurança pública, saindo do foco do crime, do criminoso, dos fatores contribuintes que levam à criminalidade e dos mecanismos de controle social, buscando a superação do problema da violência com o estudo de outras dimensões dos conflitos e novas maneiras de conciliá-los (PAULA, 2007).

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O artigo 142 da Constituição Federal de 1988 dispõe que as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Pelo simples exame desse artigo constata-se que o Exército é destinado a atuar diretamente na defesa da pátria e na garantia da lei e da ordem, missões que estão diretamente relacionadas ao combate à criminalidade e que “não só a atual constituição, mas também as de 1934, 1946, 1967 e 1969, preveem para os membros da corporação bélica a tarefa de defensores da lei e da ordem” (LUDWIG, 1998).

Ainda segundo o autor, “essa tarefa constantemente praticada pelos funcionários fardados nesse século, coincide com a ascensão da burguesia ao poder”. Infere-se, portanto, que “todas as intervenções militares ocorridas no país até a década de sessenta foram concretizadas em nome da ordem da lei e da segurança, valores tipicamente burgueses” (LUDWIG, 1998).

É importante a análise feita por Geovane de Paula na sua Dissertação de Mestrado quando retrata que:

A leitura do problema continua sendo muito superficial, daí o convencionalismo das ações, os policiamentos tradicionais e a lógica repressiva, sob uma orquestração ideológica que contrasta com a possibilidade de transformação da realidade social, sobretudo em razão de buscar manter uma lógica excludente, típica do chamado “pacto da modernidade”.

Essa leitura sobre os conflitos, cuja resposta se dá pela funcionalização do controle social pela “prevenção” e repressão policial, faz perder de vista sua verdadeira dimensão e, no tocante ao efetivo policial militar, dá sustentação às suas ações sob um viés pragmático e cuja base filosófica é pautada no já citado “eficientismo penal”, que encontra nos processos de criminalização sua produção e resultados. E as novas possibilidades de mediação são elididas, pulverizadas, tudo em nome da garantia “da lei e da ordem” (PAULA, 2007).

Nessa perspectiva pode-se concluir que a finalidade da preparação, capacitação e incorporação dos militares nas Forças Armadas são as atividades de segurança pública. Assim, a dimensão do papel do militar esteve – e está – relacionada ao contexto da competência institucional das Forças Armadas e das contingências que muitas vezes o poder político e a própria sociedade lhe impõem, eis que por iniciativa de qualquer dos poderes constitucionais e autorização do Presidente da República podem atuar para garantir a lei e a ordem (art. 142 da CFRB/88), como aconteceu nas atuações na Greve da Polícia Militar, Crise de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Garantia de Votação e Apuração, entre outras.

2. A INSERÇÃO DO ENSINO DE CRIMINOLOGIA NA FORMAÇÃO DOS MILITARES DA ACADEMIA MILITAR DAS AGULHAS NEGRAS.

As estruturas de segurança pública do Brasil, nas quais se inserem as Forças Armadas, são as responsáveis pela intervenção mais direta e imediata nos problemas que dizem respeito à criminalidade e à criminalização.

Essas estruturas, tal qual as demais instâncias de poder, historicamente acabaram servindo às elites como mecanismo de controle social, e até há pouco tempo foram extensão dos Estados, de uma ideologia voltada para a segurança nacional.

A nossa Carta Magna em seu artigo 144, assevera que a “Segurança Pública é responsabilidade de todos, não podendo ainda se olvidar que segurança, desde os tempos remotos, é preocupação dos povos, trata-se de uma necessidade básica, de bem viver, ter tranqüilidade, de buscar a felicidade!” (PAULA, 2007).

O Exército Brasileiro conceitua Defesa Nacional como sendo “o conjunto de ações do Estado, com ênfase na aplicação da expressão militar, para a proteção do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças externas” (PINTO, ROCHA, SILVA, 2004, p. 171). Porém para superar o problema da violência deve-se englobar o estudo de outras dimensões dos conflitos e novas maneiras de conciliá-los.

Nesse contexto que se insere a importância do estudo da Criminologia em uma das principais escolas de formação de militares do Exército Brasileiro (EB), a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN).

A AMAN é o único estabelecimento de ensino superior que forma os oficiais combatentes de carreira das armas de Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Engenharia e Comunicações, do Quadro de Material Bélico e Serviço de Intendência do EB. É uma organização militar do EB, que forma o bacharel em ciências militares e o oficial combatente da linha bélica (XAVIER, 2017).

O currículo, que corporifica as relações sociais (SILVA, 1996), da AMAN visa produzir os recursos humanos para o EB, cujos valores e tradições cultuados, dotam a corporação, que hoje detém alto grau de autonomia, com regras e normas próprias que organizam sua vida interna, desde o comportamento cotidiano de seus integrantes até o sistema de promoções na carreira. Porém, “para a construção de um currículo, deve-se levar em conta que tipo de sociedade e de cidadão se espera produzir” (XAVIER, 2017).

O que se pretende atingir na formação dos Oficiais de carreira ou efetivos do Exército Brasileiro é formar o Aspirante-a-Oficial que é a parte militar da formação e graduar o bacharel em ciências militares, a parte universitária da formação. Mas, como sua carreira pode atingir o máximo posto de General de Exército com atribuições inclusive políticas, deve desenvolver competências como:

Dentre as competências comuns que o futuro oficial deve desenvolver, estão a atuação como: oficial de manutenção de viatura e equipamento; oficial de comunicações e eletrônica; como oficial de informática; oficial de defesa química, biológica, radiológica e nuclear; oficial de munições, explosivos e manutenção de armamento; oficial de combate a incêndio; oficial de tiro; oficial de treinamento físico militar; e instrutor de corpo de tropa.

Atuar na condução e emprego de frações de tropa em operações convencionais, também conhecida como operações regulares; operações não convencionais, as conhecidas como operações irregulares; operações de manutenção da paz; ações subsidiárias; e operações de segurança integrada. O perfil estabelece que sua atuação deve estar sempre balizada nos preceitos da ética profissional militar e dos direitos humanos (XAVIER, 2017).

No entanto, “importante se faz que os efetivos militares tenham uma educação interdisciplinar que conjugue a Formação Militar com a Formação em Direitos Humanos, haja vista que os integrantes das FA cumprem um papel importantíssimo, tanto no que diz respeito as ações internas de garantia da lei e da ordem, quanto nas missões no exterior” (XAVIER, 2017). Até porque, segundo Weber (1982) esses agentes que são servidores públicos, possuem o monopólio legítimo do uso da força física.

Dentre essas diversas competências acima mencionadas uma das principais é que o oficial da linha de ensino bélica do EB, que será o futuro chefe militar, terá a responsabilidade pelo preparo e emprego da Força Terrestre, seja em ações internas ou externas.

Por oportuno, quando se trata de ações internas merece destaque as operações de garantia da lei e da ordem, pois segundo levantamento feito pelo Ministério da Defesa, entre 2000 e 2019 houveram 163 Operações de Garantia da Lei e da Ordem, que englobam o combate a violência urbana, ações durante a greve da PM, Garantia da Votação e Apuração, atuação em eventos e outros (BRASIL, 2019). Veja:

TIPO

QUANTIDADE

PERCENTAGEM

Violência Urbana

23

16,9%

Greve PM

25

18,4%

Garantia da Votação e Apuração

22

16,2%

Eventos

38

27,9%

Outras

28

20,6%

Total

136

100%

Fonte: HISTÓRICO DE OPERAÇÕES DE GLO 1992-2019 do Ministério da Defesa

Assim, sendo latente que o emprego é contínuo em ações de segurança pública, “o oficial formado com esse currículo deve ser capaz de administrar o uso da violência legitima delegada as FA, pelo Estado Democrático, se abstendo de qualquer resquício de violência pessoal” (XAVIER, 2017).

A grade curricular da AMAN é fruto de vários documentos e normas legais, dentre as quais destacam-se: a Lei de ensino do EB, Lei nº 9.786/1999, e seu regulamento, Decreto nº 3.182/1999; Política de Ensino do EB; Diretriz Estratégica de Ensino; Normas para a Construção de Currículos; Normas para Desenvolvimento e Avaliação dos Conteúdos Atitudinais; e Perfil Profissiográfico (XAVIER, 2017).

Acontece que o currículo de formação do oficial de carreira do EB possui apenas duas disciplinas relacionadas ao estudo da Dogmática do Direito Penal, quais sejam Direito Penal e Processual Penal Militar, que “além de satisfazer as exigências atuais nas missões da força, tem por objetivo também preparar o futuro oficial para ser encarregado de Inquéritos Policiais Militar, sob a égide da Justiça Militar da União” (XAVIER, 2017) e só!

Ora, se “o saber, a cultura, o conhecimento e as armas, não devem caminhar separados, são complementares e defendem os mesmos valores. Tais princípios devem ser empregados, tanto na educação militar, como educação civil” (XAVIER, 2017). Portanto, o futuro oficial bélico do Exército Brasileiro, que historicamente tem importância no cenário político, não pode se dissociar da realidade ao combater criminalidade, devendo observar o fenômeno do crime em sentido amplo e superando o problema da violência com o estudo de outras dimensões dos conflitos e novas maneiras de conciliá-los.

Somente para ilustrar a importância política do militar, segundo levantamento publicado no jornal O Estado de São Paulo no dia 02 de março de 2019, o atual governo brasileiro, liderado pelo Presidente Jair Messias Bolsonaro, Capitão Reformado do Exército Brasileiro, formado na AMAN, convocou cerca de 130 representantes das Forças Armadas para atuar no Poder Executivo federal. “Distribuídos em funções de diferentes níveis de gerência, eles estão no primeiro escalão, representando oito do total de 22 ministros, com participação em diferentes áreas” (ESTADÃO, 2019).

É público e notório que os militares sempre estiveram muito próximo ao poder, ao lado da burguesia, e quando havia conflito, segundo Ludwig (1998), entrava em cena o aplicador da violência preparado pelos métodos e objetivos da própria burguesia, em prol dessa própria burguesia.

Ao longo da história do Brasil, a educação militar se manteve à margem do processo de reformas e, sendo assim:

 [...] as reformas no sistema de ensino militar em nenhum momento acompanharam qualquer reforma de ensino feita no país, principalmente a reforma de 1931, de Francisco Campos e a de 1942, de Gustavo Capanema, que não fizeram qualquer ingerência no ensino militar do Brasil. Ao contrário, causaram um isolamento com relação ao sistema de ensino civil e problemas de equiparação nas estruturas do ensino militar e civil brasileiro, que até hoje permanecem (RODRIGUES, 2008, p. 14).

O processo de ensino-aprendizagem da oficialidade brasileira está voltado para produzir um profissional aplicador da violência adequado ao jogo político de forças existentes na sociedade brasileira, estando de um lado a classe dominante, a burguesia nacional, liderada pela indústria, preocupada com sua sobrevivência, sempre em busca de lucros imediatos e benefícios estatais (LUDWIG, 1998).

Ilustrando o levantamento historiográfico acima, percebemos a veracidade dessa percepção pelo fato de que os produtos de campanha mais valiosos para eleição do atual Presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, Militar Inativo do Exército Brasileiro, foram: facilitação da posse e porte de arma de fogo, excludente de ilicitude para policiais militares, dentre outras medidas que em vez de diminuir a violência causa o efeito reverso.

Isso é fruto da desconexão do militar com a realidade, por uma abordagem equivocada dos dados científicos, que em certa medida pode ser retificada a  longo prazo pela inserção do estudo de Criminologia na formação na AMAN devendo tanto essa como outras instituições militares adequar-se as demandas do século XXI, “tanto do ponto de vista político quanto social, haja vista que são as principais instituições que, em última instância salvaguardam todas as prerrogativas institucionais dentro da vigência de um Estado Democrático de Direito” (XAVIER, 2017).

Nesse intuito, o ensino da disciplina “Criminologia” na formação do Aspirante-a-Oficial na AMAN tem relevância, pois visa alcançar a desconstrução dos dogmas amalgamados nas formas de atuação e de procedimento, para permitir uma análise sobre o chamado “fenômeno delitivo”, o crime, apontando para a necessidade do resgate dos valores humanos fundamentais, sobrelevando os direitos de cidadania ao revés de insistir numa cultura punitiva e excludente (ANDRADE, 2003).

Diante de todo esforço, verifica-se que a “Criminologia”, especialmente a “Crítica”, pode contribuir de forma significativa para a fundamentação teórica e a consequente reflexão dos oficiais formados da AMAN, tendo em vista que os saberes criminológicos podem levar ao rompimento dos postulados da dogmática jurídico-penal tradicional, de cunho positivista, abstrato e simbólico que tem sido compartilhado e funcionalizado pelos integrantes de todo sistema de segurança pública tornando possível e real a lógica das estruturas de poder e dominação.

CONCLUSÃO

O estudo da criminologia crítica permite questionar a legitimidade do atual modelo do sistema de justiça criminal e principalmente analisar o fenômeno criminológico por uma abordagem interdisciplinar, buscando prevenir a delinquência em vez de somente buscar outras maneiras de puni-la, tal como o eficientismo penal almeja.

Na contemporaneidade, a Polícia não é a única responsável por resolver conflitos, eis que em esmagadora maioria deles tem origem e implicações estruturais e sociais, exigindo uma consciência de cada cidadão sobre o seu papel neste cenário e ambiente em que se vive, lançando um novo olhar sobre o contexto social em que estão inseridas.

As Forças Armadas, em especial o Exército Brasileiro, que atua corriqueiramente em missões de garantia da lei e da ordem, figura como Aparelho Repressivo do Estado, por isso importante se faz que os efetivos militares tenham uma educação interdisciplinar que conjugue a Técnica Militar com uma formação sólida e com respaldo nos direitos humanos desses agentes que são servidores públicos possuidores do monopólio legítimo do uso da força física.

Nesse sentido, durante a formação do Oficial de carreira do Exército Brasileiro na AMAN, é necessário o ensino da Criminologia Crítica para quebrar o paradigma da simples, nua e crua dogmática penal, que estigmatiza, traduz o olhar global e capitalista sobre o fenômeno criminológico, bem como mantém com a elite republicana o total controle do sistema penal a seu próprio favor, tudo com o fito de desaprisionar as consciências desses representantes das Forças Armadas e compreender as contradições do sistema social e dos discursos oficiais.


REFERÊNCIAS

ALVAREZ, Marcos César. A criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais. Dados, Rio de Janeiro, v. 45, n. 4, p. 677-704, 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582002000400005&lng=en&nrm=iso. Acesso em novembro de 2019. 

ANDRADE, Vera Regina. Sistema Penal Máximo x Cidadania Mínima. Códigos da violência na era da Globalização. Porto alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003.

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas Mãos da Criminologia: O controle Penal para Além da (Des)Ilusão. Rio de Janeiro: Revan, 2012.

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Ministério da Defesa. HISTÓRICO DE OPERAÇÕES DE GLO 1992-2019. 2019. Disponível em: https://www.defesa.gov.br/arquivos/exercicios_e_operacoes/glo/1.metodologia_de_estudo.pdf. Acesso em novembro de 2019.

ESTADÃO. Mapa dos militares: onde estão os representantes das Forças Armadas no governo Bolsonaro. 2019. Disponível em: https://www.estadao.com.br/infograficos/politica,mapa-dos-militares-onde-estao-os-representantes-das-forcas-armadas-no-governo-bolsonaro,975096. Acesso em novembro de 2019.

LUDWIG, Antônio Carlos Will. Democracia e ensino militar. São Paulo Cortez, São Paulo: Cortez, 1998.

PAULA, Giovani de. O ensino de criminologia na formação policial. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas. Programa de Pós-Graduação em Direito. 2007. Disponível em: http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/90357 Acesso em novembro de 2019.

PINTO, José Roberto de Almeida; ROCHA, Antônio Jorge Ramalho da; SILVA, Roberto Doring Pinho da. Reflexões sobre defesa e segurança: uma estratégia para o Brasil. Brasília, 2004.

RODRIGUES, Fernando da Silva. Uma carreira: as formas de acesso à escola de formação de oficiais do Exército brasileiro no período de 1905 a 1946. Tese de Doutorado em História. UERJ. Rio de Janeiro, 2008. Disponível em: http://bdtd.ibict.br/vufind/Record/UERJ_1ffbbfabd069df6b3bde6b75817c6113. Acesso em novembro de 2019.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidades terminais: as transformações na política da pedagogia e na pedagogia da política. Petrópolis: Vozes, 1996.

XAVIER, Paulo Sérgio O Currículo da Academia Militar das Agulhas Negras e a Formação Profissional: das Origens ao Início do Século XXI. Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Centro de Ciências Humanas e Sociais, Programa de Pós-Graduação em Educação. 2017. Disponível em: https://repositorio.ufms.br:8443/jspui/handle/123456789/3175. Acesso em novembro de 2019.

ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 2. ed. São Paulo: RT, 1999.

WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro. Editora Guanabara, 1982.


[1] A “Escola Clássica define a ação criminal em termos legais ao enfatizar a liberdade individual e os efeitos dissuasórios da punição”. Já “a Escola Positiva rejeita uma definição estritamente legal, ao destacar o determinismo em vez da responsabilidade individual e ao defender um tratamento científico do criminoso, tendo em vista a proteção da sociedade” (ALVAREZ, 2019).

Sobre o autor
Jamil Pereira de Santana

Mestre em Direito, Governança e Políticas Públicas pela UNIFACS - Universidade Salvador | Laureate International Universities. Pós-graduado em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário pelo Centro Universitário Estácio. Pós-graduado em Licitações e Contratos Administrativos pela Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera. Atualmente, pós-graduando em Direito Societário e Governança Corporativa pela Legale Educacional. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio da Bahia. 1º Tenente R2 do Exército Brasileiro. Membro da Comissão Nacional de Direito Militar da Associação Brasileira de Advogados (ABA). Membro da Comissão Especial de Apoio aos Professores da OAB/BA. Professor Orientador do Grupo de Pesquisa em Direito Militar da ASPRA/BA. Membro do Conselho Editorial da Revista Direitos Humanos Fundamentais e da Editora Mente Aberta. Advogado contratado das Obras Sociais Irmã Dulce, com atuação em Direito Administrativo e Militar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Jamil Pereira. Ensino de criminologia na Academia Militar das Agulhas Negras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6067, 10 fev. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/78943. Acesso em: 21 nov. 2024.

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