O mercado governamental é o nicho ou ambiente econômico criado pelas necessidades públicas, tendo como parte interessada em adquirir bens, prestação de serviços e a execução de obras, o Estado (sob o aspecto político), ou a Administração Pública (sob o aspecto administrativo) e, como interessados do outro lado do balcão, fornecedores, preponderantemente particulares, pessoas físicas ou jurídicas, cíveis ou empresariais, públicas ou privadas.
Sabido que para as prestações que beneficiam a coletividade, de forma direta ou indireta, o Estado necessita adquirir bens e serviços que irão orquestrar os atos públicos para atingir os fins determinados pragmaticamente na Constituição e nas leis (normas programáticas).
O instituto legal de que se vale o Estado para adquirir bens e serviços é a licitação, procedimento de natureza administrativa que visa à isonomia entre os interessados e a melhor contratação para a Administração, impondo deveres e garantindo direitos.
A licitação não é tão somente instrumento ou pressuposto da contração pública, não obstante exerce a função de meio assecuratório de direitos em face do Estado.
Ressaltamos que muitas empresas – pessoas físicas e jurídicas que exercem atividade econômica - são criadas, especificamente, para participar do mercado governamental.
Abre-se parêntese para ressaltar que em muitos Municípios e Estados da Federação, e mesmo no âmbito da União, empresas são criadas pouco antes dos certames; situação esta que merece atenção por parte dos órgãos de controle e demais interessados, tendo em vista caracterizar obtenção privilegiada de informações, além, pois, de possível indício de direcionamento ou contratação direta.
O mercado governamental é indiscutivelmente um excelente nicho para as empresas que desejam contratar com a Administração; afinal, a regra é a de que o Estado se valha dos preços de mercado e conduza o processo de contratação pela isonomia e competitividade. Para tanto, as atividades de controle interno e externo são fundamentais para o escorreito processo e para a profilaxia e repressão da fraude e corrupção.
O fornecedor honesto, para se proteger dos desvios éticos e morais, deve conhecer as regras procedimentais, as exigências habilitatórias, os riscos da contratação e as máculas que poderá encontrar no curso do processo e da execução do contrato. Deve munir-se, portanto, do devido conhecimento técnico e processual, valendo-se dessa gnose como meio de prevenção de irregularidades por parte da Administração e de terceiros que também sondam a contratação.
Os gestores públicos são obrigados, e os empresários fornecedores devem possuir detido conhecimento sobre as fases e etapas das modalidades licitatórias, do teor do edital regente e dos efeitos práticos da execução contratual. Não podem obliterar a gnose das janelas que viabilizam a passagem da ilicitude.
Os órgãos de controle são importantes fontes de aquisição de conhecimento e astúcia no que se refere ao trato com o processo de contratação pública.
Essa incidência fiscalizatória por todos desempenhada faz com que o planejamento, a elaboração do processo de contratação e a execução contratual sejam desenvolvidos com maior eficiência.
O temor, o cunho didático do parâmetro e do exemplo fazem o papel de um censor que observa, monitora e inibe potenciais irregularidades.
Não basta ao licitante conhecer da atividade empresarial, e nem a Administração a gnose de toda legislação administrativa. São passos importantes, entretanto, além desses, são indispensáveis a prática de atos sob as redomas da ética, da integridade, da transparência e da moralidade. Tais apotegmas colaboram para a legalidade e para a legitimação dos atos e das relações jurídicas deles derivadas.
O processo de contratação é sistêmico, no sentido de se valer das mais variadas regras para que a execução dos contratos atinja o nível desejado de eficiência. Incluem-se, sob o aspecto subjetivo, comissões e órgãos outros responsáveis pela escorreita aplicabilidade das regras que regem o processo, inclusive, de índole penal.
Abastecer o primeiro setor demanda conhecimento das regras que regulamentam o processo de contratação pública, além, pois, de regras éticas, de probidade, de integridade, anticorruptivas e de natureza penal (compliance).
O conhecimento é um mecanismo de prevenção, e, ao mesmo tempo, sobre a pessoa cognitivamente privilegiada deve ser exercido juízo de reprovabilidade de maior pungência.
Não que a ignorância exclua a responsabilidade, mas a probabilidade da ocorrência de condutas culposas – de menor reprovabilidade - por parte dos destituídos de qualidade técnico-cognitiva é maior.
O cientificados possuem maior grau de percepção e, com isso, o juízo de reprovabilidade que incide sobre o elemento subjetivo da conduta torna-se reluzente.
Como instrumento de profilaxia, os interessados, desde que perfaçam as exigências constitucionais, legais e editalícias, poderão fornecer bens e serviços para a Administração Pública Direta e Indireta e demais órgãos e pessoas obrigadas a licitar.
Obrigam-se, ainda, fiscalizar o teor dos atos convocatórios no sentido de evitar arbitrariedades, tendenciosismos, limitações à competitividade, direcionamentos e burla ao princípio da isonomia.
Quanto às empresas aventureiras, sobre essas incide apreciação duvidosa quanto às suas reais intenções.
Muitas empresas participam para fazer quórum competitivo, mesmo sem condições de executar o objeto contratual, faiscando o intento de beneficiar empresas outras, em conluio, que poderão obter êxito no certame.
Essas cautelas (conhecer das leis, atos e editais) são mínimas e exigíveis para qualquer interessado que queira participar do mercado governamental.
Outras são necessárias, sob pena de sanções variadas, pois relacionadas à ética, à moralidade e a legalidade dos atos praticados.
A gama de produtos e serviços carecidos pela Administração transforma as compras públicas em um ambiente econômico confortável para as empresas contratadas. A depender dos contratos formalizados, poderão prestar serviços por alguns anos (serviços contínuos ou obras vultosas).
Para a prevenção da fraude e corrupção e aperfeiçoamento dos certames o caminho é árduo e exige do agente público e do empresário junção de integridade e transparência.
O Estado tem regredido, pois não vislumbra que o aumento da corrupção tem como uma de suas premissas a burocracia e a avalanche normativa que incidem sobre o mercado público sob o manto da segurança jurídica fictícia.
As leis e demais atos normativos estão cada dia mais rigorosas e a multiplicidade dificulta a interpretação e aplicabilidade.
Os agentes competentes para expedirem atos normativos motivam a sobrecarga legislativa na prevenção de danos ao erário e na segurança jurídica; mas, em verdade, acinzentam o ambiente licitatório, espraiando cortinas de fumaça que obscurecem os olhos da fiscalização e viabilizam a ocorrência de irregularidades.
Os fornecedores não podem olvidar o teor da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013 – Lei Anticorrupção.
O objeto dessa lei é a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, inclusive, nos processos de contratação pública.
O aspecto penal e de improbidade, no âmbito licitatório, se restringe às pessoas físicas, cuja exclusividade das condutas finalísticas lhes pertencem.
A Lei Anticorrupção impõe a necessidade e indispensabilidade de políticas de integridade empresarial. A inovação na metodologia administrativa de gestão e governança reflete, também, no âmbito privado, que circunstanciou a referida lei.
As chaves que abrem as portas da fraude e da corrupção nas compras públicas estão em posse do Estado – pois detentor do orçamento e da competência autorizante do gasto público.
A Lei Anticorrupção provoca incertezas quanto às suas reais intenções.
Sob um ângulo pessimista – que não gostaríamos de meditar - nos faz crer que a lei lançou sobre os braços dos empresários o peso maior da responsabilidade corruptiva, abrandando a notória concepção de que a corrupção nas licitações só ocorre se a Administração assim permitir.
A onda renovatória de integridade pública e privada (relação de implicação) possui o intuito de incutir na praxe, hoje repudiada pela sociedade, ante a gnose corruptiva repercutida, a conscientização ética, metamorfoseando a prática da desonestidade transformando-a em boa gestão e no controle assíduo e contínuo por ambos segmentos.
Impõem-se parâmetros de controle de legalidade e de conformidade nas contratações públicas pelo Estado e pelos empresários, numa relação de recíproca fiscalização.
As empresas licitantes devem possuir regras sobre Política de Integridade, de Gerenciamento de Riscos, reponsabilidade e de Controle Interno. São espécies pertencentes à compliance e accountability. Mecanismos esses que norteiam o pragmatismo ético e a responsabilidade nas contratações públicas e na prática rotineira das organizações públicas e privadas.
O problema do fornecedor de primeira viagem é a ausência da avaliação dos riscos da contratação, ou seja, a mestria ou habilidade para conduzir suas ações de modo a também modelar as atividades públicas.
Rememorando, empresas são criadas especificamente para o mercado licitatório, tendo em vista que a Administração (Estado) é o órgão ou pessoa jurídica que possui o maior potencial econômico decorrente da atividade arrecadatória.
A garantia de sobrevivência da atividade econômica é maior quando se está diante de um contrato administrativo de prestação de serviços ou fornecimento de bens ao Estado, principalmente quando se fala em prorrogações sucessivas - até sessenta meses, por exemplo.
Sabe-se que a maioria dos estabelecimentos possuem curto período de sobrevivência no mercado, pois logo entram em colapso por má-gestão ou mesmo pelo sufocamento tributário. Esta última, leva à sonegação que, por conseguinte, torna a irregularidade empresarial uma rotina que se estende, em momento oportuno, aos certames.
Em regra, os contratos administrativos de prestação de serviços, aquisição de bens ou execução de obras são firmados precedidos de licitação pública.
Os contratos são anexos dos editais. Estes, unilateralmente, expedidos pela Administração. Com a assinatura do contrato pela Administração e fornecedor, incidirão, sobre a relação, obrigações para ambas partes.
A princípio, a pessoa jurídica empresarial adequa-se às leis que regulamentam os certames. Por outro lado, podem exigir do Estado a devida integridade, o planejamento escorreito e a observância dos princípios que regem os processos de contratação pública. Possuem direito público subjetivo perante o Estado de presenciarem o desencadeamento, em conformidade com a lei, dos atos intrínsecos ao processo.
Se o dever de integridade e fiscalização são atinentes à atividade empresarial, ao Estado, com maior rigor, se impõe a observância das regras de probidade e transparência, além, pois, dos deveres inarredáveis de fiscalização, controle, prevenção, detecção, monitoramento, sanção e persecução penal.
Extrai-se, do exposto, que a concepção de corrupção não está restrita ao âmbito público.
Nas licitações a participação de agente público é regra. No entanto, as organizações privadas também estão sujeitas a essa enfermidade, cuja política de integridade tem tomado dimensões colossais.
Fala-se em “corrupção privada” como sendo aquela ocorrida no âmbito da atividade empresarial, uma das razões que justificaram a publicação da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública. Regulamenta a Lei Anticorrupção o Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015.