Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Natureza jurídica dos embargos monitórios

Exibindo página 2 de 2
Agenda 06/03/2006 às 00:00

8. Embargos monitórios: conceito, natureza jurídica e procedimento

            É controvertida a natureza jurídica dos embargos no procedimento monitório. Essa divergência tem interesse prático, e não apenas acadêmico. São três as correntes:

            A primeira corrente defende que os embargos têm natureza de recurso. Isso não pode ser aceito, pois existe o princípio da taxatividade dos recursos, segundo o qual só é recurso o que a lei diz que é.

            A segunda corrente, com a qual concordo, considera que os embargos têm natureza jurídica de demanda autônoma, como nos embargos à execução. Se o demandado embargar, surgirá outro processo de conhecimento, incidente ao procedimento monitório. Essa parte da doutrina alega que se os embargos fossem defesa, deveria, em qualquer caso, haver sentença. Mesmo que não fossem apresentados os embargos, deveria haver sentença. Não há, contudo.O procedimento monitório restringe-se à análise da petição inicial e do documento escrito. Expedido o mandado, não há mais nada a ser feito. Com a inércia do réu, o mandado injuntivo, independentemente de sentença (que não há), será transformado em título executivo. Se houver embargos, haverá uma sentença para julgar os embargos, e não a ação monitória. Ora, se os embargos fossem defesa, haveria sentença sempre, mesmo que não houvesse embargos. Somente há sentença, contudo, se houver. Logo, os embargos não constituem uma defesa.

            Os embargos, como identificou Liebman, constituem ação de natureza declaratória ou constitutiva negativa, não havendo razão para considera-los, no caso, somente defesa. São ação, como eram ação os embargos do devedor na ação executiva do Código de 1939. Se o legislador se utilizou da figura dos embargos foi para dar à defesa do devedor a forma de ação, com todas as conseqüências que daí resultam, em especial a inversão do ônus da iniciativa e da prova. Além disso, a sentença somente será proferida nos embargos se forem apresentados, e dela caberá apelação sem efeito suspensivo, como preceitua o art. 520, V. Nos moldes do que ocorre na execução por título extrajudicial, não há sentença sobre o título ou constituição do título. Se se entendesse o contrário, ou seja, que os embargos são apenas defesa, o juiz teria de proferir sentença no pedido monitório e não nos embargos. [10]

            O juiz determina a expedição do mandado, que já produz efeitos. Os embargos irão suspender a eficácia do mandado, não precisando ser autuados, nem devendo ser seguro o juízo. Por isso mesmo, é uma ação. Se fosse defesa, não suspenderia o mandado, nem precisaria o CPC dispensar a autuação (defesa não é autuada) nem dispensar a penhora (defesa não precisa de penhora). Além disso,

            o fato de serem os mesmos autos não significa rigorosamente nada, porque não se pode confundir autos com processo. Pode-se ter nos mesmos autos mais de um processo como ocorre, por exemplo, com um processo de conhecimento onde o autor formule um pedido genérico. Com a condenação dá-se início ao processo de liquidação por artigos (o segundo processo) e, depois, tem início a execução, o terceiro processo nos mesmos autos. [11]

            Assim entende Antonio Carlos Marcato: "Na minha visão particular, entendo que esses embargos têm natureza jurídica de ação, dando origem a um processo de conhecimento com plenitude do contraditório, provas e assim por diante." [12]

            Os doutrinadores que defendem que os embargos têm natureza de contestação alegam que se os embargos fossem ação, não haveria respeito ao princípio do contraditório. Esse argumento não é, no entanto, suficiente para que se considere os embargos como defesa, pois isso:

            não implica o rebaixamento de um título considerado judicial por força de lei a uma categoria inferior (porque atacável com outros fundamentos) ao do título judicial sentencial. [13]

            A terceira e última corrente, com a qual concorda o STJ, considera que os embargos são uma resposta do demandado, de natureza idêntica à de uma contestação, sem que tal impugnação dê origem a um novo processo. Criticam a segunda corrente dizendo que se os embargos tivessem natureza de ação, não haveria contraditório no procedimento monitório, o que afrontaria a Constituição Federal.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

            O argumento básico de quem sustenta que os embargos têm natureza de contestação é o de que o próprio Código impõe o rito ordinário se o réu embargar.Mais ainda:os embargos processam-se nos mesmo autos.Se se trata dos mesmos autos,evidentemente se trata do mesmo processo.Há,por assim dizer,uma transformação procedimental.O processo monitório,que tinha um rito especial até então,passa a ser,com os embargos,um processo de conhecimento pleno,de cognição plena,de rito ordinário. [14]

            Outro argumento utilizado pelos defensores dessa corrente é que, se os embargos fossem ação, não seriam processados nos mesmos autos da ação monitória. Segundo Nelson Nery Júnior, os embargos "têm natureza jurídica de defesa, de oposição à pretensão monitória, não se confundindo com os embargos do devedor, somente cabíveis no processo de execução stricto sensu. A oposição dos embargos não instaura novo processo." [15]


9. Relevância prática da definição da natureza dos embargos monitórios

            Quais as decorrências práticas de se entender que os embargos têm natureza jurídica de contestação ou de ação?

            Art. 188 do CPC: "Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público". Se se entender que os embargos têm natureza de ação autônoma, a Fazenda Pública, o Ministério Público e os litisconsortes com procuradores distintos não terão direito a esse prazo do art 188. Os prazos só se multiplicam se os embargos tiverem natureza de contestação.

            Procedimentalmente, a questão possui relevância para a definir se o autor da ação monitória será intimado para responder aos embargos e, em caso positivo, em qual prazo. Sendo os embargos ‘ contestação’, a resposta se dará pela forma e no prazo da ‘réplica’ (e se for o caso de réplica- arts. 326 e 327). Vale dizer se os embargos forem considerados ‘contestação’, caso eles não veiculem defesas processuais nem materiais indiretas não se abrirá oportunidade para manifestação do autor (ressalvada a aplicação do art. 398 caso os embargos estejam acompanhados de documentos novos).Sendo os embargos ‘ ação’, o embargado terá sempre a possibilidade de resposta, mediante contestação, em um prazo de quinze dias. [16]

            Uma das conseqüências mais importantes é a delimitação da causa de pedir.

            Caso considerados ‘contestação’, os embargos teriam apenas o condão de transformar o próprio processo monitório, já em curso, em processo comum de conhecimento, de rito ordinário. O ato postulatório principal, delimitador do objeto desse processo, continuaria sendo a demanda formulada pelo pretenso credor. Já se constituírem ‘ação’, gerando novo processo, os embargos é que estabelecerão o objeto de tal processo. [17]

            Se os embargos forem considerados contestação, o réu da demanda monitória terá que apresentar todas as defesas possíveis na contestação, pois não terá outra oportunidade para fazê-lo. Art. 474 do CPC: "Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido".

            Eu concordo com os doutrinadores que entendem que os embargos têm natureza de ação, e portanto, cada alegação que o réu fizer constituirá causa de pedir diversa. "Se alguma delas não for apresentada, poderá ser formulada através de outra demanda, autônoma e independente. A sentença dos embargos só fará coisa julgada em relação às causas de pedir que forem postas". [18]

            Não há inversão do ônus da prova, a inversão é apenas da posição processual das partes. Observar-se-ão, portanto, as regras comuns do art. 333 do CPC: "O ônus da prova incumbe:

            I

- ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

            II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor."

            Contra a sentença proferida nos embargos caberá recurso de apelação. Depois de interpostos e decididos os embargos ao mandado, poderá haver, na fase executiva, espaço para a interposição de embargos do devedor? Há divergências a respeito. Há quem entenda que não, pois a lei não fala em citação do devedor, mas tão-somente em intimação, o que revelaria "a opção legislativa de atuação do provimento injuntivo em uma nova fase, integrante do próprio processo monitório, e não por um processo executivo autônomo, eliminando, dessa forma, a via dos embargos do devedor." [19]

            Entre os adeptos da posição oposta, alguns entendem que quando houvessem embargos ao mandado, os embargos à execução se restringiriam à matéria do art. 741 do CPC. Outros entendem que, não havendo embargos ao mandado monitório, os embargos executivos seguiriam o tratamento do art. 745 do CPC, ou seja, seria mais amplo. Essa última posição não pode ser aceita, pois seriam dadas duas oportunidades ao devedor de ampla discussão da dívida reclamada, num mesmo processo, o que não se coaduna com à efetividade e celeridade, características da ação monitória.

            Acredito que possa haver embargos à execução, desde que tenha havido penhora ou depósito da coisa, sempre com fundamento no art. 741 do CPC, já que se trata de embargos à execução de título executivo judicial.


10. REFERÊNCIAS

            CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 8. ed. Vol III. Rio de Janeiro: Lumem júris, 2004. 658 p.

            DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. 327 p.

            GRECO FILHO, Vicente. Comentários ao procedimento sumário, ao agravo e à ação monitória. São Paulo: Saraiva, 1996. 66 p.

            NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 7 ed. Ver. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, 1855 p.

            MACEDO, Elaine Harzheim. Do procedimento monitório. São Paulo: RT, 1999. 186 p.

            MARCATO, Antonio Carlos. Ação monitória: seu regime jurídico e a Fazenda Pública. In: SUNDFELD, Carlos Ari e BUENO, Cássio Scarpinella. Direito processual público: a Fazenda Pública em juízo.São Paulo: Malheiros, 2003. 280 p.

            MORAES, Marcelo José de Guimarães e. Procedimento monitório. Disponível em:http://www.pge.ac.gov.br/novapge/monografias/%F4%20PROCEDIMENTO%20MONIT%CBRIO%20%F6.pdf>. Acesso em 10 de mar.2005.

            MOREIRA, José Carlos Barbosa Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 8, 294p.

            PARIZATTO, João Roberto. Ação monitória. 6. ed. São Paulo: Edipa, 2004. 273 p.

            TALAMINI, Eduardo. Tutela monitória.A ação monitória-Lei 9.079/95. 2. ed. São Paulo: RT, 2001. 382 p.

            VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da Fazenda Pública. São Paulo: Dialética, 2003. 350 p.


Notas

            01

MOREIRA, José Carlos Barbosa Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 8, p 17.

            02

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 6.ed.ver. e amp. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.Vol.3, p.40.

            03

MACEDO, Elaine Harzheum. Do procedimento monitório. São Paulo: Revista dos tribunais, 1999, p. 89.

            04

DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil. 3. ed. Ver. e amp.São Paulo: Malheiros, 1996. p. 236.

            05

MORAES, Marcelo José de Guimarães e. Procedimento monitório. Disponível em:http://www.pge.ac.gov.br/novapge/monografias/%F4%20PROCEDIMENTO%20MONIT%CBRIO%20%F6.pdf>. Acesso em 10 mar. 2005.

            06

TALAMINI, Eduardo.Tutela monitória. 2. ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2001. p.77.

            07

PARIZATTO, João Roberto. Ação Monitória.6.ed. [S.l.]: Parizatto, 2004. p.176.

            08

Idem, p.168.

            09

SILVA, apud CÂMARA, 2004, p. 547

            10

GRECO FILHO, Vicente. Comentários ao procedimento sumário, ao agravo e à ação monitória. São Paulo: Saraiva,1996. p. 54.

            11

MARCATO, Antonio Carlos. Ação monitória: seu regime jurídico e a Fazenda Pública. In:SUNDFELD, Carlos Ari; BUENO, Cássio Scarpinella. Direito processual público: a Fazenda Pública em juízo.São Paulo: Malheiros, 2003. p. 208.

            12

MARCATO, 2003. p. 206-207

            13

FILHO, Op. Cit., 1996,p. 55.

            14

MARCATO, 2003, p.207.

            15

JUNIOR; NERY, 2003, p. 1212.

            16

TALAMINI, 2001, p. 150- 151.

            17

TALAMINI, 2001, p. 151.

            18

TALAMINI, op. Cit. 2001, p. 152

            19

VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da Fazenda Pública. São Paulo: Dialética, 2003. p. 291.
Sobre a autora
Laís Espírito Santo César

bacharelando em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, aluna da Escola Superior da Magistratura de Pernambuco (ESMAPE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CÉSAR, Laís Espírito Santo. Natureza jurídica dos embargos monitórios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 978, 6 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8066. Acesso em: 24 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!