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COVID-19: necessidade de diálogo entre direito e políticas públicas

Agenda 30/03/2020 às 17:18

Esse artigo se propõe a analisar as consequências da falta de diálogo entre Políticas Públicas e Direito nas ações de combate à pandemia do COVID-19.

A pandemia do coronavírus vem trazendo uma série de consequências para a economia e a saúde da população brasileira e, por conseguinte, demandando do Poder Público a adoção de diversas políticas públicas.

Souza define políticas públicas como “o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente)”[1].

Em apertada síntese, podemos dizer que política pública é a aplicação dos propósitos governamentais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real.

Interação das Políticas Públicas com o Direito

A muito tempo está superada a noção de que o Direito é apenas fato, valor e norma. O Direito não se resume a esse núcleo rígido.

Na atual perspectiva, podemos perceber que o Direito vem se aproximando cada vez mais das políticas públicas, fazendo com que tenhamos um novo olhar sobre fenômenos jurídicos.

Isso beneficia o profissional do Direito – detentor da análise mais isolada da norma, bem como o profissional da Política – executor da ação estatal ou governamental, uma vez que amplia os horizontes do conhecimento.

Valor do Direito nas Políticas Públicas

As Políticas Públicas precisam do Direito! Explico.

No artigo intitulado “Direito e Políticas Públicas: dois mundos?”[2], Carlos Ari Sundfeld e André Rosilho faz leitura espetacular sobre o tema. Veja:

Os Autores expõem que o Direito está inserido na implantação, no controle e na revisão das políticas públicas.

Na implantação, as medidas e DNA das políticas públicas estão escritas em códigos jurídicos, ou seja, são definidas em normas e regulamentos, assim como define qual será os requisitos procedimentais para sua execução.

No controle, o Direito estrutura os métodos e organizações para que aplicação das políticas sejam feitas de acordo a parâmetros jurídicos. Justifica-se a afirmação quando observamos o controle dos Tribunais de Contas e Ministério Público.

Após a implantação e realização do controle, o Direito influi na revisão da política pública, eis que é verificado o resultado alcançado de acordo com o que foi estabelecido anteriormente nas normas e regulamentos.

Assim, os Autores concluem que “o Direito não é um simples “penduricalho”, ornamento inútil nas políticas públicas”, aliás “é impossível pensar em política pública de modo dissociado do Direito”, tendo em vista que “toda política pública é Direito”.

Justifica-se, pois, que o debate sobre política pública inevitavelmente inclua o Direito entre suas preocupações centrais, melhor dizendo, O DIREITO E A POLÍTICA PÚBLICA DEVEM DIALOGAR, tendo em vista que são do mesmo mundo.

Mas nem sempre é assim.

COVID-19: consequências da falta de diálogo entre Políticas Públicas e Direito

Desde o início da pandemia do COVID-19 no Brasil, em 26 de Fevereiro de 2020[3], foram adotadas várias políticas públicas para prevenção e diminuição dos impactos do vírus.

Essas medidas foram materializadas por meio de Leis, Medidas Provisórias, Decretos, Portarias, Instruções Normativas, dentre as quais podemos citar: Lei 13.979/2020, MP nº 926/ 2020, Decreto nº 10.282/2020.

Acontece que, no afã de tentar dar uma solução para os problemas por meio de políticas públicas, esqueceu-se mais uma vez de dialogar com o Direito. E quando isso acontece, sempre há graves consequências.

Dentre as mais diversas consequências, como a revogação de um artigo de Medida Provisória pelo próprio Presidente da República em menos de 24 horas[4], destaca-se aqui o excesso de judicialização perante o Supremo Tribunal Federal -STF.

De acordo com o Portal de Ações do COVID-19 do STF[5], em 30/03/2020, a mais alta Corte do País, o Tribunal guardião da Constituição, que deveria ser acionado em situações excepcionais, recebeu 384 (trezentos e oitenta e quatro) ações relacionadas ao coronavírus e já tomou 167 decisões.

Isto é, em pouco mais de 30 dias, o STF recebeu mais de 300 ações.

Fazendo uma comparação sem muito rigor metodológico, a Suprema Corte dos EUA recebe aproximadamente 7.000 a 8.000 petições por ano e concede e ouve alegações orais em cerca de 80 casos[6] ao passo que o STF em 2019 proferiu 115.873 (cento e quinze mil oitocentos e setenta e três) decisões[7].

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Conclusão

Infere-se, portanto, que a falta de diálogo com o Direito para formulação, controle e revisão de políticas públicas podem causar efeitos perversos, dentre os quais o excesso de judicialização e, porque não, a politização de judiciário, uma vez que o magistrado terá que decidir sobre algo que não diz respeito somente sobre a lei em tese, mas sim sobre os efeitos práticos daquela norma, que notadamente é a aplicação da política pública no mundo real.

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[1] SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias,  Porto Alegre ,  n. 16, p. 20-45,  Dec.  2006 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222006000200003&lng=en&nrm=iso>. access on  30  Mar.  2020.  https://doi.org/10.1590/S1517-45222006000200003.

[2] SUNDFELD, Carlos Ari ; ROSILHO, André Janjácomo . Direito e Políticas Públicas: Dois Mundos?. In: Carlos Ari Sundfeld; André Rosilho. (Org.). Direito da Regulação e Políticas Públicas. 1ªed.São Paulo: Malheiros Editores, 2014, v. , p. 45-79.

[3] https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46435-brasil-confirma-primeiro-caso-de-novo-coronavirus

[4] A Presidência da República revogou o art. 18, caput e parágrafos, da MP 927/2020 de 22/03/2020, através da publicação da Medida Provisória nº 928, de 23/3/2020.

[5]https://transparencia.stf.jus.br/single/?appid=615fc495-804d-409f-9b08 fb436a455451&sheet=260e1cae-f9aa-44bb-bbc4 9d8b9f2244d5&theme=simplicity&opt=currsel%2Cctxmenu&select=clearall

[6] https://www.supremecourt.gov/about/faq_general.aspx

[7] http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=decisoesinicio

Sobre o autor
Jamil Pereira de Santana

Mestre em Direito, Governança e Políticas Públicas pela UNIFACS - Universidade Salvador | Laureate International Universities. Possui pós-graduações em Direito Público (Constitucional, Administrativo e Tributário) pelo Centro Universitário Estácio e em Licitações e Contratos Administrativos pela Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera. Atualmente cursa especialização em Direito Societário e Governança Corporativa pela Legale Educacional. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio da Bahia. É 1 Tenente R2 do Exército Brasileiro e membro ativo na Comissão Nacional de Direito Militar da ABA (Associação Brasileira de Advogados), além de integrar a Comissão Especial de Apoio aos Professores da OAB/BA. Compõe o Conselho Editorial da Revista Direitos Humanos Fundamentais da UNIFIEO e da Editora Mente Aberta. Atua como Professor de Direito Administrativo na Múltipla Difusão do Conhecimento, onde também coordena o curso preparatório para a 2 fase do Exame da OAB em Direito Administrativo. Advogado contratado pelas Obras Sociais Irmã Dulce, com experiência em Direito Administrativo e Militar.

Informações sobre o texto

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