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Contratação direta por dispensa de licitação em face da pandemia do coronavírus

Agenda 06/04/2020 às 17:04

As contratações diretas da administração pública, instituto jurídico pertencente ao ramo do direito administrativo tem sido bastante estudado, discutido e exercido nos últimos dias, haja vista o estado de saúde pública que assola o Brasil.

I – INTRODUÇÃO

As contratações diretas da administração pública, instituto jurídico pertencente ao ramo do direito administrativo tem sido bastante estudado, discutido e exercido nos últimos dias, haja vista o estado de saúde pública que assola o mundo e logicamente nosso Brasil por causa do covid-19.

O covid-19, doença causada pelo coronavírus, surgiu em Wuhan, na China, em dezembro de 2019. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), que classificou a situação como pandemia, são mais de 100 países afetados pelo vírus, com muitas vítimas fatais até o momento.

Segundo afirma o Ministério da Saúde do Governo Federal no Portal da internet https://coronavirus.saude.gov.br/, o coronavírus é uma família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus foi descoberto em 31/12/19 após casos registrados na China.

Nessa seara, a Presidência da República sancionou a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, com alterações pela Medida Provisória nº 926 de 20 de março de 2020, que prescreve uma série de medidas a serem adotadas para enfrentar a situação de emergência, dentre elas a dispensa de licitação.

Como relatamos acima, visando diminuir a burocracia brasileira, a citada lei trouxe a dispensa de licitação para a aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, que é o foco desse pequeno apontamento.

Diante dos fatos elencados, teceremos algumas considerações legais, que achamos ser necessários no momento atual, do ponto vista legal da administração pública.

É o que trilharemos a seguir.


II - DESENVOLVIMENTO

É de bom alvitre destacar o que preceitua o art. 3º da lei nº 8.666/93, vejamos:

“A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.”

O renomado jurista José Afonso da Silva, em sua conceituada obra “Curso de Direito Constitucional Positivo” leciona que:

“o principio da licitação significa que essas contratações ficam sujeitas, como regras, ao procedimento de seleção de propostas mais vantajosas para a administração pública. Constitui um principio instrumental de realização dos princípios da moralidade administrativa e do tratamento isonômico dos eventuais contratantes com o Poder Público” (São Paulo: Malheiros, 1992, p. 573)

Desta forma, a licitação não só visa acolher a melhor e mais vantajosa proposta para a Administração, como também a assegurar aos interessados a participação na concorrência.

Via de regra, sempre que um órgão público precisa de algum produto ou serviço, precisa realizar uma licitação para poder satisfazer a sua demanda.

Nesse contexto, as modalidades de licitação estão inseridas no art. 22 da Lei nº 8.666/93, são elas: I – Concorrência; II – Tomada de Preços; III – Convite; IV – Concurso; V – Leilão.

Além dessas acima, temos a modalidade denominada “Pregão”, regulamentada no art. 1º da lei nº 10.520/2002.

A exegese constitucional (art. 37, XXI da CF) indica que havendo possibilidade de concorrência, sem prejuízo ao interesse Público, deverá haver licitação e somente, excepcionalmente, a dispensa ou a inexigibilidade prevista na legislação ordinária deverão ser aplicadas.

Nesse diapasão, o legislador constituinte, ao fazer essa ressalva admitiu a possibilidade de existirem casos em que a licitação poderá deixar de ser realizada, autorizando, assim, a administração pública a celebrar contratações diretas.

A dispensa da licitação é uma desburocratização aplicada a casos especiais previstos em lei. Ela está prevista no art. 24 da Lei 8.666/93. São situações pontuais que exigem um atendimento rápido e eficaz, ou ainda, que não justificam a movimentação do procedimento licitatório.

Ela (a dispensa de licitação) decorre da possibilidade de competição, mas que diante de peculiaridades do caso, o legislador permitiu que esta não fosse obrigatória elencando um rol taxativo dado a excepcionalidade que é a não realização da licitação.

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O rol taxativo citado acima se encontra fixado no art. 24 da Lei nº 8.666/93, que, dentre eles, temos a constante no inciso IV, que trata dos casos de emergência e calamidade pública, vejamos:

“Art. 24.  É dispensável a licitação:

(...)

IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;”

Como vemos acima, o inciso IV do art. 24 traz os requisitos necessários para que a administração pública se utilize desse instituto, podendo ser “emergência” ou “calamidade pública”, ou seja, ou um ou outro.

Ademais, como ensina Joel de Menezes Niebuhr: “Muito embora a calamidade pública pressuponha situação de emergência, nem toda a emergência pressupõe a calamidade pública.” (Contratação sem Licitação Pública, Ed. Fórum, 2011)

Mas é importante destacar que mesmo não tendo uma licitação, essas contratações devem respeitar princípios. Esses princípios são aqueles fundamentais do processo licitatório, em especial da moralidade e isonomia.

Nesse diapasão, o Tribunal de Contas da União, por meio do Acórdão nº 1987/2015 – Plenário, decidiu que:

“A Dispensa de Licitação em casos de emergência ou calamidade pública (art. 24, inciso IV, da Lei 8.666/93), apenas é cabível se o objeto da contratação direta for o meio adequado, eficiente e efetivo de afastar o risco iminente detectado.”

Ainda, concomitante o art. 24, IV, é necessário observar também, conjuntamente, o art. 26 da mesma lei nº 8.666/93, vejamos, in verbis:

“Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2º e 4º do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8º desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.

Parágrafo único.  O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:

I - caracterização da situação emergencial, calamitosa ou de grave e iminente risco à segurança pública que justifique a dispensa, quando for o caso;

II - razão da escolha do fornecedor ou executante;

III - justificativa do preço.

IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados.”

Porém, trata-se de uma situação atípica e específica, pois, o inciso I do art. 26 relata que é preciso a caracterização da situação emergencial, calamitosa ou de grave e iminente risco à segurança pública que justifique a dispensa, quando for o caso.

Essa seria a via normal para a administração pública seguir o seu rito processual nos casos de emergência ou calamidade pública.

Contudo, a Presidência da República sancionou a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que prescreve uma série de medidas a serem adotadas para enfrentar a situação de emergência causada pelo COVID-19

O artigo 1º da lei regulamenta que:

“Art. 1º  Esta Lei dispõe sobre as medidas que poderão ser adotadas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

§ 1º  As medidas estabelecidas nesta Lei objetivam a proteção da coletividade.

§ 2º  Ato do Ministro de Estado da Saúde disporá sobre a duração da situação de emergência de saúde pública de que trata esta Lei.

§ 3º  O prazo de que trata o § 2º deste artigo não poderá ser superior ao declarado pela Organização Mundial de Saúde.”

O artigo 4º da lei Nº 13.979/2020 regulamenta que:

“Art. 4º  É dispensável a licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei.

1º  A dispensa de licitação a que se refere o caput deste artigo é temporária e aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.”

E mais, o art. 4º B, diz textualmente que:

“Art. 4º-B  Nas dispensas de licitação decorrentes do disposto nesta Lei, presumem-se atendidas as condições de: 

I - ocorrência de situação de emergência;

II - necessidade de pronto atendimento da situação de emergência;

III - existência de risco a segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares; e

IV - limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de emergência.”

Como vemos acima, a nova lei diz textualmente que os casos inerentes a pandemia do COVID-19 são casos que tratam de “emergência”, apesar de muitas vezes os conceitos jurídicos de emergência e calamidade pública se entrelaçam.

Nota-se que caso escolha a fundamentação acima, o caput do art. 4º-B já diz que se presumem atendidas as condições de emergência.

Destarte, a lei acima trouxe novas adaptações ao instituto da dispensa de licitação, entre elas uma forma menos burocrática e mais ágil para contratar e enfrentar as dificuldades do cotidiano dentro do contexto de extrema necessidade e dificuldade de realizar as atividades.

Podemos citar, dentre outras novidades, que a lei inovou no sentido de:

  1. Em alguns casos não será exigida a elaboração de estudos preliminares (art. 4º-C);
  2. Será admitida a apresentação de termo de referência simplificado ou de projeto básico simplificado; (art. 4º-E);
  3. Excepcionalmente será dispensada a estimativa de preços nos casos, justificadamente pela autoridade competente, (§ 2º do art. 4º-E);
  4. Na hipótese de haver restrição de fornecedores ou prestadores de serviço, a autoridade competente, excepcionalmente e mediante justificativa, poderá dispensar a apresentação de documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista.

A justificativa do preço, em que pese a possibilidade de ser dispensada a sua estimativa, primeiramente deve-se observar a regra geral contidas no inciso IV do art. 4º-E, com os seguintes parâmetros:

“Art. 4º-E  Nas contratações para aquisição de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da emergência que trata esta Lei, será admitida a apresentação de termo de referência simplificado ou de projeto básico simplificado:

(...)

VI - estimativas dos preços obtidos por meio de, no mínimo, um dos seguintes parâmetros: 

Portal de Compras do Governo Federal; 

pesquisa publicada em mídia especializada; 

sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo; 

contratações similares de outros entes públicos; ou  

pesquisa realizada com os potenciais fornecedores;”

Nessa linha, ressalta-se o raciocínio exarado no douto Parecer nº 1.429/97, do Ministério Público de Contas da Paraíba, no Processo nº 3.137/97, nestes termos:

“A pesquisa de preço antes da realização de qualquer certame mostra-se imprescindível, uma vez que é o meio pelo qual se pode conseguir dados capazes de subsidiar uma avaliação eficaz das propostas a serem apreciadas, e, consequentemente, o atingimento daquele fim. (Informativo do MPTC/PB, nº 05, p. 04).

Outra situação inerente é que na dispensa de licitação do art. 24, IV da Lei nº 8.666/93 o contrato será de no máximo 180 (cento e oitenta dias), vedada a sua prorrogação, como diz o próprio texto do inciso IV do art. 24.

Destarte, no caso de se fundar o processo na emergência de saúde pública,  na nova lei (lei 13.979/2020), o contrato teriam prazo de até 06 (seis) meses, podendo ser prorrogados por períodos sucessivos, enquanto perdurar a necessidade, vejamos:

“Art. 4º-H  Os contratos regidos por esta Lei terão prazo de duração de até seis meses e poderão ser prorrogados por períodos sucessivos, enquanto perdurar a necessidade de enfrentamento dos efeitos da situação de emergência de saúde pública.”

Assim, fica a critério do gestor escolher a fundamentação da dispensa de licitação inerente ao caso, contudo, observados sempre os princípios consagrados da isonomia e economicidade, bem como, quando faltar a certeza da lisura do processo, recorra aos requisitos da lei nº 8.666/93.


III – CONCLUSÃO

O instituto da licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração, porém, a lei mesmo acena para as exceções, dentre elas a dispensa de licitação.

A Lei nº 8.666/93 traz a hipótese já consagrada do art. 24, IV c/c o art. 26 da mesma lei.

A nova Lei nº 13.979/2020 traz nova hipótese no art. 4º, porém deixa claro que é uma regra temporária, enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.

Diante do exposto, cabe ao gestor decidir a fundamentação legal junto com sua assessoria jurídica, visando o fim maior, que é de que chegue o produto contratado na sociedade que tanto precisa e padece mais do que nunca nesse momento de pandemia.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm;

LEI Nº 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1993. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm;

LEI Nº 13.979, DE 06 DE FEVEREIRO DE 2020 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Lei/L13979.htm

MEDIDA PROVISÓRIA Nº 926/2020 DE 20 DE MARÇO DE 2020 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv926.htm#art1

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 573;

Informativo do MPTC/PB, nº 05, p. 04.

Sobre o autor
Júlio Cesar Lopes Serpa

Advogado e Perito Contador; Doutor em Ciências Jurídicas; Especialista em Direito Tributário, Auditoria e Perícia Contábil; Sócio do Di Lorenzo Serpa Advogados Associados; Coordenador Jurídico da Controladoria Geral do Estado da Paraíba.

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