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Bolsonarismo: licantropia e virologia política.

Agenda 26/10/2021 às 14:10

Apenas sociopatas sentam e assistem placidamente ao genocídio, sem nada fazer, a não ser regozijar-se com a morte do povo.

Por efeito direto do absenteísmo político de 2018, numericamente falando, o cidadão do sofá, o capitão do sofá, o conjunto de eleitores inúteis, bem sentados no colo do capitão do mato, de hoje e de sempre, nos trouxeram o fascismo retumbante em nossa história como uma lembrança que precisa ser enxertada na carne viva do povo.

Porém, morta ou moribunda, a carne viva do povo seguirá sendo devorada pelos cães raivosos, lobos depravados e lobisomens doentios que foram soltos em 2016. Portanto, em nova fase da Licantropia Política, mais aguda, cínica, milhões poderão ser abatidos impiedosamente – se for decretado o fim do isolamento horizontal, como mecanismo mais eficaz de contenção da pandemia.

O que revelaria mais um ponto de cinismo político, se é que se falar assim, uma vez que o pandemônio político só prospera com o andar profundo da pandemia, uma vez que o quadro caótico só se alimenta da carne viva dos pobres.

Ao contrário do Panda Chinês que se alimenta de brotos de bambus, e somente alguns tipos muito bem selecionados dentre os melhores, o lobisomem político brasileiro prefere a medula dos mais pobres.

A virulência que nos embolsou provém, biologicamente falando, do novo corona vírus, por sua vez, a bactéria é estimulada à enésima potência pelo capital insensível à vida humana, capaz de corromper qualquer traço da coisa pública e devorar a vida humana – de pobres e de negros, idosos e indígenas – na mesma velocidade com que atua a cadaverina projetada pelo mercado devorador de qualquer princípio ético.

Historicamente, num marco recente e a partir de um exemplo específico, diremos que, em 2016-2018, inventamos a Licantropia Política – velhos lobos e lobisomens da política vestiram a capa preta para legalizar as famosas “pedaladas fiscais”, tudo depois do golpe, é claro.

Em 2020, por sua vez, em mais um contributo político-jurídico à Humanidade, seguindo-se ao golpe de 2016, fabricamos a Virologia Política, capaz de abater seletivamente negros e pobres, nesta nova onda da necropolítica e da perversa guerra biológica seletiva.

A Cepa Política é inesgotável, na medida exata da hipocrisia nacional e do imaginativo saco de maldades aberto sistematicamente por nossas elites. Esta Cepa Política que só parece nova, recente, coisa do mundo pós-moderno, remonta ao escravismo que continua secretando chorume por onde passa.

Se houver o final do isolamento, as próximas semanas irão esclarecer o avanço da necropolítica – afinal, esta é a única linguagem conhecida pelo poder no neocolonialismo. Por outro lado, nosso esforço – e é digno de conquistar uma montanha, o Everest, e várias vezes, como nos diz Mészáros – está em construir bases mínimas de sustentação à vida com dignidade: autopreservação social. Aqui, invertemos o Absolutismo de Hobbes, retirando esse Direito do Estado e transferindo-o para a vida civil.

Isto teria efeito prático, por sua vez, se entrasse na agenda política o impedimento, a renúncia forçada ou a interdição de direitos públicos e civis. Cada um desses remédios jurídicos de contenção, defenestração política e civil, teria efeitos diversos, tanto para o abatido quanto para a sociedade civil e o Estado.

Entretanto, como bem divisado pela “presidência operacional”, nenhuma dessas tipologias políticas parece desenhada neste dia: 17.04. 2020. Já estiveram, todos os tipos políticos penais, porém, a intervenção militar, impondo-se como “presidência operacional” parece ter dormitado o Direito Público.

Deste modo, continuamos com o mais do mesmo, nesta luta política e biológica frente ao capital antropofágico, notadamente quando observamos que o cidadão desempregado e moribundo recebe 600 reais e os bancos mais de um trilhão de reais.

Nosso desafio, enorme como o Pico do Everest, está em construir alguma base para a Cosmopolítica. Uma visão, perspectiva política que reconstrua o Direito, o Processo Civilizatório – livrando-se dos lobisomens da política –, acordando todas as baratas para que se tornem cidadãos políticos.
Não é tarefa fácil, por evidente; sobretudo se pensarmos que a metamorfose política degenerativa, no Brasil, encontrou seu ápice no absenteísmo e nos ardorosos defensores do bolsonarismo.

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Portanto, inventar uma fórmula política em que baratas se transformem em pessoas será uma tarefa hercúlea. E mesmo assim, com toda boa vontade política, não é de se assustar se os messias de hoje não vestirem a carapuça de Hércules.

Ainda é preciso dizer, em respeito à metodologia política, que a vida humana não comporta metáforas, é por demais real e perene. Temos o direito sim de usar figuras de linguagem (necropolítica, por exemplo), mas isto só é permitido porque a linguagem é muito pobre, diante da complexa dimensão da vida humana.

E quando pensamos que a vida de milhões de brasileiras e de brasileiros vale menos do que um tostão furado, o quadro de desprezo humano garantido pelos donos do mercado é revelado sem nenhuma desfaçatez.

O genocídio está aí na frente, só não vê quem não quer, bem ao gosto dos piratas e corsários que usam tapaolho esquerdo. Pois a visão necrófila do olho descoberto só enxerga o campo da direita. O brasileiro, excluindo-se as exceções, não tem visão periférica.

Alguns ruminam velhos dogmas liberais, típicos do absenteísmo político e do “deixe tudo passar”, evidente, porque passam longe de seu campo de visão as vidas dos pobres, desempregados e abatidos, sem dó e nem piedade, pelos adoradores de carneiros de ouro.

 Não é à toa que milhões de pessoas sintam aversão, nojo, asco, pela política. Porque, salvo os que se sentem bem vivendo entre as baratas, ninguém suporta tanto lixo em sua cabeça – com exceção dos necrófilos da política nacional. Por isso, mas sem que valha como justificativa política, a obrigação do cidadão incomodado, de modo algum, repousa sentada num sofá ou dentro de pijamas.

Inversamente, é justamente nesta hora que mais se precisa de ação política transformadora e, por conseguinte, é o quanto mais se exige o fim do abstencionismo político. Quem pode sentar e apenas assistir ao cometimento do genocídio do povo brasileiro, sem mexer um músculo em sua defesa, se não for psicopata ou sociopata?

A comodidade política não vinga no caos, é inadmissível sob o fascismo, exatamente porque não há meio termo onde prevalecem os meios de exceção, é imposto o Princípio do Terceiro Excluído: ou se é amigo ou inimigo. Logo, quem julga nada fazer contra o fascismo é amigo de longa data dos abusadores do poder.

 Por fim, a questão permanece: o que fazer para derreter o carneiro de ouro sem que o povo seja violado outra vez? Como desconstituir o poder que degera qualquer traço da dignidade humana?

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Bolsonarismo: licantropia e virologia política.: Para uma (anti)metodologia política. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6691, 26 out. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81361. Acesso em: 21 nov. 2024.

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