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Ilegalidade de presumir-se depósitos bancários como enriquecimento ilícito do agente público para fins de improbidade administrativa

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Agenda 28/04/2006 às 00:00

IV.- ILEGALIDADE DE PRESUMIR-SE DEPÓSITO BANCÁRIO COMO RENDA PARA FINS DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO

Na tentativa de caracterizar o enriquecimento sem causa do agente público, mesmo que não seja demonstrado um ato ilícito, ou prejuízo ao erário, tem sido muito comum para algumas Comissões de Processos Disciplinares quebrarem o sigilo bancário e fiscal, sem autorização judicial, agindo ilegalmente e maculando a prova, por colidir com o art. 5º, LVI, da CF, para que seja possível a utilização de valores correspondentes a depósitos ou saldos bancários a fim de configurar o indevido enriquecimento do investigado. Praticando inclusive desta forma a Comissão Disciplinar crime previsto na legislação.

A finalidade desse ilegal ato é caracterizar o depósito bancário como se fosse renda, mesmo que tal conclusão não possua suporte na legislação de regência.

O tributo em causa, como notoriamente sabido, possui como fato gerador, única e exclusivamente a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica, de renda ou proventos de qualquer natureza (Código Tributário Nacional, art. 43) ou seja, a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: "Art. 43 (...) I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior".

Neste sentido é pacífica a jurisprudência, seja no âmbito administrativo, seja no judicial.

Descabe, por conseguinte, cogitar-se da aquisição de disponibilidade jurídica ou econômica, de renda ou de proventos de qualquer natureza, pela simples constatação da realização de depósito em conta bancária pertencente ao contribuinte.

Os depósitos bancários, quando muito, podem, conforme já asseverado e demonstrado, em determinadas circunstâncias, configurar meros indícios da auferição de rendas ou de proventos de qualquer natureza. Inconcebível, entrementes, que tais depósitos, à falta da necessária análise, da indispensável e convincente prova por parte do Fisco, sejam, por si só, presumidos como renda ou proventos para efeito de exigência de Imposto de Renda.

Ademais, a realização de depósito bancário pode advir de incontáveis fontes, sem que qualquer delas represente aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos.

E justamente por isso, a lei não ampara e jamais amparou a tributação pura e simples dos depósitos bancários, como quer fazer crer algumas Comissões Disciplinares.

Ausente de substrato legal, de há muito vêm sendo anulado pelo Poder Judiciário procedimentos que se baseiam única e exclusivamente em extratos bancários, originando a Súmula 182 do extinto TRF: "É ilegítimo o lançamento do imposto de renda arbitrado com base apenas em extratos ou depósitos bancários".

Por outro lado, o próprio Poder Executivo promulgou o Decreto Lei nº 2.471, de 01.09.88, que em seu art. 9º prevê o cancelamento e arquivamento de procedimentos administrativos, que tomaram como base valores constantes de extratos ou de comprovantes de depósitos bancários. "Art. 9º. Ficam cancelados, arquivando-se, conforme o caso, os respectivos processos administrativos, os débitos para com a Fazenda Nacional, inscritos ou não como Dívida Ativa da União, ajuizados ou não, que tenham tido origem na cobrança: (...) VII - do imposto de renda arbitrado com base exclusivamente em valores de extrato ou de comprovante de depósitos bancários.

A jurisprudência é pacífica no sentido de se anular lançamentos, arbitrados em extratos de contas bancárias, como se verifica no Acórdão nº 89.01.20986-1 do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que é assim ementado: "Decreto-Lei 2.471, VII, do art. 9º, Súmula 182 do TRF. 1 – O imposto de renda arbitrado, exclusivamente, com suporte em extratos de contas bancárias, já não encontra qualquer suporte legal após a edição do Decreto-Lei nº 2.471, de 01.09.88, que com seu artigo 9º do inciso VII, proibiu o lançamento do IR com base exclusiva nos extratos bancários. 2 – Anteriormente o TRF, na súmula nº 1832, decidira: "É ilegítimo o lançamento do Imposto de Renda arbitrado com base apenas em extratos ou depósitos bancários. 3 – Remessa prejudicada por perda o objeto." [41]

Ives Gandra da Silva Martins, [42] com precisão, não deixou margem para qualquer dúvida sobre a matéria, acrescentando, in verbis: "[...] ainda hoje a Receita Federal autua pessoas com base nas contas bancárias, apesar da clareza da Súmula 182 do TRF que declara: É ilegítimo o lançamento do Imposto de Renda arbitrado com base apenas em extratos ou depósitos bancários." "Ref.: Lei 4.729, de 14.7.65, art. 9º, Decreto 58.400, de 10.5.66, art. 55, e 58 e 106, EAC 72.975-RJ (2ª S 14.9.82 – DJ 4.11.82), EAC 80.623 – pr (2ª s 4.9.84), AC 41.984–RJ (4ª T 14.10.81 – DJ 5.11.81), REO 49.124-MG (5ª T 16.8.82 – DJ 7.10.82), AC 51.591-SP (4ª T 24.11.82 – DJ 4.4.83), REO 78.948-SP (4ª T 30.11.83). Segunda Seção 1.10.85"

A chamada omissão de receita decorrente de movimentação bancária sempre foi examinada com bastante cautela: porque deduzir de meros depósitos bancários – cujas origens podem ser mais variadas – não significa dizer que houve aumento de renda, ganho real de capital, ou seja, que um agente público teve rendimentos, cuja existência omitiu, sendo à toda evidência, mera presunção.

É evidente que o fato de ter o contribuinte depósitos em sua conta-corrente bancária poderia ad argumentandum dar ensejo à apuração pelo fisco, mas o que não se pode admitir é que tal fato, por si só, seja bastante para constituir o crédito tributário, por se presumir tratar-se de rendimentos sem a efetiva comprovação. [43]

Portanto, os saldos ou os depósitos bancários em conta corrente de agentes públicos até 27.12.96, não se prestam ao fim de possibilitar a subsunção de suas condutas no disposto do presente artigo 9º, VII, da Lei em comento. Sucede que, independentemente do período de investigação, se anterior a janeiro/97 ou posterior, para que ocorra a responsabilidade administrativa do agente público é necessário o nexo de causalidade entre a função exercida e o recebimento de vantagem indevida. O sinal exterior de riqueza ou a renda a descoberto, sem o liame necessário, como dito, com a função pública, gera indícios de responsabilidade tributária, diferentemente da responsabilidade administrativa.

Na esfera tributária houve alteração do estabelecido no Decreto-Lei nº 2.471/88, com a entrada em vigor da Lei nº 9.430, de 27.12.96.

O art. 42 da aludida norma estabeleceu a presunção juris tantum de caracterização de omissão de receita ou de rendimento ou depósito bancário em relação ao qual o contribuinte não comprove a origem dos recursos através de documentação hábil e idônea. "Art. 42. Caracterizam-se também omissão de receita ou de rendimento os valores creditados em conta de depósito ou de investimento mantida junto a instituição financeira, em relação aos quais o titular, pessoa física ou jurídica, regularmente intimado, não comprove, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações. § 1º O valor das receitas ou dos rendimentos omitido será considerado auferido ou recebido no mês do crédito efetuado pela instituição financeira. § 2º Os valores cuja origem houver sido comprovada, que não houverem sido computados na base de cálculo dos impostos e contribuições a que estiverem sujeitos, submeter-se-ão às normas de tributação específicas, previstas na legislação vigente à época em que auferidos ou recebidos. § 3º Para efeito de determinação da receita omitida, os créditos serão analisados individualizadamente, observado que não serão considerados: I - os decorrentes de transferências de outras contas da própria pessoa física ou jurídica; II - no caso de pessoa física, sem prejuízo do disposto no inciso anterior, os de valor individual igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais), desde que o seu somatório, dentro do ano-calendário, não ultrapasse o valor de R$ 12.000,00 (doze mil reais). (Alterado pela Lei nº 9.481, de 13.08.97). § 4º Tratando-se de pessoa física, os rendimentos omitidos serão tributados no mês em que considerados recebidos, com base na tabela progressiva vigente à época em que tenha sido efetuado o crédito pela instituição financeira. § 5º Quando provado que os valores creditados na conta de depósito ou de investimento pertencem a terceiro, evidenciando interposição de pessoa, a determinação dos rendimentos ou receitas será efetuada em relação ao terceiro, na condição de efetivo titular da conta de depósito ou de investimento. (Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002). § 6º Na hipótese de contas de depósito ou de investimento mantidas em conjunto, cuja declaração de rendimentos ou de informações dos titulares tenham sido apresentadas em separado, e não havendo comprovação da origem dos recursos nos termos deste artigo, o valor dos rendimentos ou receitas será imputado a cada titular mediante divisão entre o total dos rendimentos ou receitas pela quantidade de titulares. (Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)".

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Por essa nova sistemática legal operou-se uma significativa mudança no tratamento tributário concernente à movimentação bancária dos contribuintes de imposto de renda, invertendo-se, com isto, o ônus da prova, visto que o titular da conta bancária passou a ter o ônus de provar que valores creditados em suas contas correntes-bancárias não se referem a receitas omitidas, sob pena de sujeitarem a autuação do fisco por acréscimo patrimonial a descoberto.

Sucede que as pessoas físicas estão desobrigadas de escrituração contábil, o que por si só gera um complicador para o contribuinte, que geralmente faz a sua declaração levando em consideração as correspondentes informações anuais de renda fornecidas pelas instituições bancárias.

O destaque de um ou de mais valores depositados em determinados períodos na conta do contribuinte, acarreta na necessidade do depositante encontrar a boa vontade e presteza do banco depositário, visto que o mesmo (contribuinte) não é obrigado a guardar estes dados em seu poder, por já ter apresentado, em seu ajuste na declaração anual de imposto sobre renda os valores relativos aos respectivos saldos globalmente.

Portanto, para que o depósito bancário se transforme em renda tributável, é necessário que seja comprovada a utilização dos valores depositados como renda consumida (ex: aplicações em imóveis, carros e outros bens próprios ou benefício pessoal do contribuinte).

Terá que ficar comprovado o nexo de causalidade entre o depósito e o fato que represente omissão de rendimentos. [44]

No procedimento fiscal tributário para haver a autuação, com base em depósito bancário, nos termos do artigo 42, da Lei nº 9.430/96, como já dito alhures, "não basta a simples presunção legal de que os depósitos constituem renda tributável, é imprescindível que seja comprovada a utilização dos valores depositados como renda consumida, evidenciando sinais exteriores de riqueza, visto que, por si só, depósitos bancários não constituem fato gerador do imposto de renda pois não caracterizam disponibilidade econômica de renda e proventos. O lançamento assim constituído só é admissível quando ficar comprovado o nexo causal entre o depósito e o fato que represente omissão de rendimentos." [45]

Assim, o depósito bancário, mesmo após o advento da Lei nº 9.430/96, não constitui-se, por si só, fato gerador da aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos de qualquer natureza, pois é necessária a prova cabal e robusta de que ele foi utilizado como renda consumida. Isto porque, a posse de numerário alheio, como por exemplo, descaracteriza a respectiva presunção de disponibilidade econômica.

Para ser tributado pelo imposto sobre renda, a disponibilidade econômica deve ser adquirida pelo contribuinte, não se cogitando, sob o prisma legal, a sua incidência se houver apenas a potencialidade de se adquirir a respectiva disponibilidade, ou se ela pertence a terceiros. Continua eficaz juridicamente o preceito que não se pode irrogar a presunção de que o cidadão é infrator de leis, sem que haja amparo em sólidas razões, precedidas de robustas provas, sobre fatos e dados bancários do contribuinte, que caracterizem a aquisição de renda tributável. Pois, "não há, no Estado de Direito, culpados por presunção." [46]

Nem todo o ingresso financeiro constitui-se em acréscimo patrimonial, sendo necessário se verificar cada caso concreto.

Corroborando o que foi dito, o eminente Leandro Paulesen [47] aduz: "Sendo o acréscimo patrimonial o fato gerador do Imposto de Renda, certo é que nem todo o ingresso financeiro implicará a sua incidência. Tem-se que analisar a natureza de cada ingresso para verificar se realmente se trata de renda ou proventos novos, que configurem efetivamente acréscimo patrimonial."

Pois bem, no caso da improbidade administrativa há que se fazer um divisor entre a presunção de omissão de receita na área tributária e a presunção de enriquecimento ilícito defendida por alguns doutrinadores e aplicada por inúmeras Comissões Disciplinares de Inquérito.

Na primeira situação legal, presunção de omissão de receita, basta para o fisco a aparência de "sinais exteriores de riqueza" que o procedimento tributário é instaurado para que o contribuinte demonstre que a investigação é improcedente ou são compatíveis com os seus rendimentos os respectivos "sinais".

Antonio Airton Ferreira, [48] louvando-se das lições de Aires Fernandino e Cléber Giardino, com perfeição esclarece que "a caracterização do sinal de riqueza, para fins de descoberta do sinal exterior de riqueza, depende de vários requisitos, que os depósitos bancários, por si só, não satisfazem, a saber: perfeita identificação do sinal; fixação da renda tributável relacionada com o sinal; demonstração da natureza tributável do rendimento; demonstração de que tal renda já não foi tributada."

Com o mesmo brilho, o Ministro Carlos Velloso, [49] em sede doutrinária, reforça a opinião que o sinal exterior de riqueza verificado pelos depósitos bancários, representam o marco inicial da investigação tributária, devendo evidenciar a renda consumida pelo contribuinte: "É que o sinal exterior de riqueza – os depósitos bancários, que evidenciariam a renda auferida ou consumida pelo contribuinte – deve ser o marco inicial da investigação do Fisco, com vistas a comprovar que o contribuinte teve o seu patrimônio aumentado sem a necessária declaração dos rendimentos, não sendo possível aceitar-se aquilo que deve ser o marco inicial da investigação com o seu ato final. Noutras palavras, não é possível acolher o procedimento do Fisco, que, diante dos depósitos bancários, tem como finda a investigação e faz incidir a tributação sobre tais depósitos. Se esse procedimento fosse aceito, o ponto inaugural da investigação fiscal acabaria se transformando no ato final, o que não é admissível."

Se na esfera tributária existe a discricionariedade ampla do fisco em promover a devida investigação partindo da premissa de uma presunção de variação patrimonial a descoberto através dos "sinais exteriores de riqueza", no direito administrativo tal presunção, vinculada a depósitos bancários não é absoluta, pois não há a inversão do ônus da prova neste ramo do direito, visto que nesta situação jurídica a Administração Pública deverá provar que o agente público enriqueceu-se, com o aumento do seu patrimônio, de forma ilícita decorrente do exercício do seu cargo, emprego ou função pública. [50]

Aliás, este nexo de causalidade do enriquecimento ilícito é uma condicionante do próprio caput do art. 9º, da Lei nº 8.429/92, como já grafado anteriormente, que exige a auferição de qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida vinculada diretamente ao exercício do munus público. Tal exigência legal retira a interpretação açodada de parte da doutrina de que no presente caso concreto pode-se presumir o enriquecimento ilícito com a simples verificação de uma evolução desproporcional do patrimônio ou da renda do agente público (inc. VII, do art. 9º), desatrelada do exercício do cargo, emprego ou da função pública.

Seria o mesmo que permitir que o inc. VII, alterasse o caput do art. 9º, ao qual ele está sistematicamente atrelado.

Sem o nexo de causalidade citado não há como transportar a presunção tributária para a lei de improbidade administrativa, ainda mais quando se verifica que na primeira situação legal poderá ocorrer um equívoco resultante de um ato culposo, ao passo que na derradeira situação (improbidade administrativa) ninguém se enriquece ilicitamente, senão através de um ato doloso, vinculado a uma conduta desonesta, através de má-fé praticada no exercício da função pública.

O que é defeso na Lei de Improbidade Administrativa é a auferição de vantagem patrimonial indevida, recebida através da prática de um ato de ofício ou de um ato omissivo, por parte do agente público. Se o agente público recebe valores ou possui aumento em seu patrimônio por ter auferido dividendos de ações, aplicações, distribuição de lucros em empresa que ele é cotista ou qualquer outro motivo que não se vincule ao exercício de sua função pública não se configura o tipo em questão, visto que ele é fechado.

Tudo que não estiver contido nesse tipo não pode ser considerado como elemento integrante do que vem estabelecido no enriquecimento ilícito a que aduz o art. 9º, VII, da Lei nº 8.429/92.

Além do mais, a presunção legal estabelecida na Lei nº 9.430/96 só pode gerar efeitos previstos na esfera tributária, pois o artigo 110, do CTN, cujos preceitos são dirigidos primordialmente ao legislador ordinário, veda à legislação tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas do direito privado para definir ou limitar competência da mesma.

Assim sendo, prevalece a ficção legal da hipótese do enriquecimento injusto nas disposições estabelecidas nos artigos 884 e seguintes do Código Civil, que claramente condicionam a restituição de valores recebidos indevidamente desde que eles sejam correlatos ao empobrecimento de outrem.

Aliás, a teoria do enriquecimento injusto foi incluída embrionariamente em texto do Digesto, atribuído a Pomponius (Lib. L, Tit. XVII, fra. 206) que dizia: Jure naturae aequun est neminem cum alterius detrimento et injuria fieri locupletiorem (Por direito da natureza é justo que ninguém se enriqueça com prejuízo e injúria de outrem). [51]

Portanto, também pela dicção do art. 110, do CTN, a presunção contida no art. 42, da Lei nº 9.430/96 não pode alterar o conceito de renda ou de provento para neles incluir depósitos bancários. Pode, quando muito, autorizar a tributação de tais depósitos por presunção, desde que verificado caso a caso, bem como se ocorreu a renda consumida.

Conseqüentemente, o CTN não autoriza que lei tributária amplie o conceito de renda e que este conceito ampliado seja aplicado em matéria vinculada ao direito administrativo.

O disposto no artigo 110, do CTN explicita "que o legislador não pode expandir o campo de competência tributária que lhe foi atribuído, mediante o artifício de ampliar a definição, o conteúdo ou alcance de institutos de direito privado utilizados para definir aquele campo." [52]

Por igual, Henry Tilbery [53] também reforça a posição da doutrina que estabelece as limitações da aplicação na base de cálculo do imposto de renda pelo montante arbitrado ou presumido, quando ele afirma: "De um lado a lei formal prevê a apuração do quantum tributável pelo imposto de renda como procedimento normal, com a colaboração do contribuinte, pela declaração dele, controlada pelo Fisco, porém permite, como método auxiliar, em determinados casos excepcionais (principalmente inadimplemento das obrigações acessórias pelo contribuinte), o processo indiciário. De outro lado, correspondendo fielmente a essas alternativas, a lei material autoriza a tributação por esse imposto, além da base de cálculo normal, que é o montante real da renda ou dos proventos tributáveis, também para auxiliar a Fazenda – sobre a base do montante arbitrado ou presumido. Vigora, todavia, uma limitação importante: jamais poderá o uso dos métodos complementares – presunção ou arbitramento – desvirtuar a natureza do imposto de renda! Portanto inadmissível qualquer interpretação da lei, que conduziria à fixação da matéria tributável pelo imposto de renda, por montante arbitrado ou presumido, em tal grandeza que ultrapassaria os limites do conceito do imposto de renda. José Luiz Bulhões Pedreira, como teste da constitucionalidade da lei ordinária do imposto de renda, coloca em relevo a compatibilidade com o conceito de renda tributável, e ao mesmo tempo salienta que esse critério vincula não somente o legislador na construção da lei, mas também o intérprete na exegese."

A seguir, o citado publicista [54] tece os seguintes comentários sobre os freqüentes casos de tributação pelo imposto de renda de depósitos bancários: "Os freqüentes casos de tributação pelo imposto de renda de depósitos bancários são um outro exemplo, que deve ser mencionado no presente contexto. Quando os saldos bancários compõem um acréscimo patrimonial sem cobertura seja pelos rendimentos declarados seja por rendimentos não tributáveis, é legítima a imposição da Cédula H, letra c do RIR. Porém já houve casos, quando depósitos bancários foram utilizados pelo Fisco como motivo de arbitramento a título de ‘sinais exteriores de riqueza’, como fundamento de tributação na Cédula H, letra e, do RIR. Casos dessa natureza devem ser solucionados conforme os fatos específicos, porém, em princípio, ‘depósitos bancários devidamente comprovados pela repartição fiscal’ não são, por si, rendimento tributável; podiam ter outra origem, como transferência de capital e outros. E exatamente em casos desta natureza, quando no arbitramento dos rendimentos com base de sinais exteriores de riqueza, deve ser vigiada a obediência ao conceito de renda. (...) O dispositivo legal, introduzido como instrumento de combate, por meio de tributação por presunção, não deve conduzir nunca à ampliação do campo de incidência do imposto de renda, para incluir matéria estranha ao conceito de renda tributável, e sem qualquer correspondência econômica à distribuição de lucros." [aspas no original].

Portanto, verifica-se dois institutos de direito totalmente diversos, onde a área tributária admite a possibilidade jurídica da presunção de omissão de receita, ao passo que o direito administrativo para permitir que se presuma a hipótese de enriquecimento ilícito do agente público, com base em depósitos bancários não justificados ou desproporcionais à respectiva renda, tem que estar atrelado ao exercício irregular da função pública.

Assim, não há como se transportar à presunção tributária para a improbidade administrativa, pois nesta última situação jurídica vigoram justamente conceitos distintos e opostos àquela, visto que é aplicada a presunção de inocência, onde a Administração Pública possui o dever legal de demonstrar a ilicitude do acusado/investigado, através de ato desonesto, praticado no exercício da função pública.

Além do mais, a guisa de ilustração, se não fossem distintas as situações jurídicas narradas, seria ferido o princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, da CF) entre agentes públicos e os contribuintes, visto que o indivíduo, ao obter acréscimos patrimoniais não justificados, não está sujeito ao perdimento dos bens assim adquiridos, e sim autuado para pagar o imposto de renda correspondente. Já não ocorre este tratamento com o agente público, que é obrigado a ressarcir integralmente o erário, apesar da origem jurídica ser a mesma (omissão de receita ou sinais exteriores de riqueza), tendo em conta que parte da doutrina estabeleceu a esdrúxula hipótese do enriquecimento ilícito presumido, por interpretar isoladamente a redação do inc. VII, sem conjugá-lo sistematicamente com o caput do seu artigo 9º, da Lei nº 8.429/92. O raciocínio do enriquecimento ilícito presumido está totalmente incorreto apesar de ser defendido por ilustres doutrinadores ao qual nutrimos o maior respeito e admiração, visto que é defeso pelo caput do art. 9º, da Lei de Improbidade Administrativa tal interpretação.

O enriquecimento ilícito foi discorrido, anteriormente, tanto na doutrina, como na legislação nacional, por Bilac Pinto, com análises sobre a intervenção do Estado na ordem econômica e suas repercussões, ocasião em que foi grafada a área sujeita à corrupção. Sendo estabelecido um parâmetro entre a corrupção e o enriquecimento ilícito no âmbito da política e na administração pública.

E coube à Constituição de 1946 estabelecer sanção para a corrupção política e administrativa (§ 31, do art. 141, CF/1946), correspondente ao seqüestro e à perda dos bens e valores auferidos através de enriquecimento ilícito dos servidores públicos e dos empregados autárquicos.

A Lei nº 3.502, de 21 de dezembro de 1958, em complemento ao texto constitucional, estabeleceu que: o servidor público, ou dirigente, ou empregado de autarquia, que, por influência ou abuso de cargo ou função se beneficiar de enriquecimento ilícito, ficará sujeito ao seqüestro e perda dos respectivos bens ou valores. [55]

Desde o início, como não poderia deixar de ser, a doutrina dominante estabeleceu a necessidade do nexo de causalidade do enriquecimento ilícito com o exercício do cargo ou do emprego público.

Ao tratar do enriquecimento ilícito ou enriquecimento sem causa, no início do século XX o professor Valle Ferreira estabeleceu a essencialidade da relação de causalidade entre o aumento patrimonial e a diminuição do outro: [56] "Não basta o aumento de um patrimônio e a diminuição de outro. É preciso que se verifique uma relação mútua entre os dois fenômenos, isto é: que o enriquecimento tenha resultado do empobrecimento. Esta correlação entre os dois fatos é essencial e constitui um dos pontos mais discutidos pelos autores. (...) A relação causal é indispensável para que se possa decidir se o aumento de um patrimônio foi devido à diminuição do outro; estabelecida tal relação, só se caracteriza o enriquecimento se, por sua vez, a transferência de valores ocorreu sem causa, vale dizer: sem razão, sem justificação."

No mesmo sentido, o professor José Alfredo de Oliveira Baracho, [57] em belíssimo estudo sobre o tema sub oculis, expõe com acerto: "A aplicação do enriquecimento injusto, no âmbito das relações administrativas começou pelo reconhecimento de ações que visavam a conter abusos da Administração Pública. Como pressuposto do enriquecimento injusto, podemos entender que: configura-se o enriquecimento, quando surge uma vantagem patrimonial, que pode levar ao aumento do patrimônio (lucrum emergens) ao lado da diminuição do patrimônio (damnum cessans), ocorre o empobrecimento, representado por um dano, que se constitui em um damnum emergents e um lucrum cessans, de onde decorre o enriquecimento, sem causa justificadora do mesmo; inexiste preceito legal que exclua a aplicação do enriquecimento sem causa. Consagra a jurisprudência a aplicação de normas de eqüidade e proporcionalidade, proibidoras do enriquecimento à custa de outrem." [Itálico no original].

Especificamente sobre o inc. VII, do artigo 9º, da Lei de Improbidade Administrativa, Benedicto de Tolosa Filho [58] enaltece a necessidade do nexo de causalidade entre o enriquecimento ilícito e a prática de um ato administrativo irregular: "A inversão do ônus da prova, embora possa parecer claro pela redação do inciso analisado, deve ser afastada em homenagem ao próprio fundamento do Estado Democrático de Direito. O nexo causal do ato de aumento patrimonial indevido pelo exercício de mandato, cargo emprego ou função pública, deve ser demonstrado cabalmente pelo autor da ação civil pública."

Desta forma, a presunção de enriquecimento ilícito por aumento patrimonial injustificado viola a própria literalidade do inc. VII, do art. 9º, da Lei nº 8.429/92, em razão da necessidade do nexo de causalidade com o exercício do mandato, cargo, emprego ou função pública, expressamente determinado.

Interpretar de forma diversa imporia a conclusão de que, no caso do agente público, presume-se, implicitamente, ainda que sem efeito penal, que tal acréscimo patrimonial teve origem em algum crime contra a Administração Pública (peculato, corrupção, etc.) enquanto que, no caso do contribuinte do imposto de renda não existe a ilação que o acréscimo patrimonial teve origem em algum ilícito criminal (furto, estelionato ou outra fraude, etc.).

É muito comum o erro que a instância administrativa/disciplinar tem levado a efeito, inclusive como prática contumaz, pois mesmo ausente uma justa causa, pela falta de uma infração funcional, a Administração Pública, imprudentemente, vem indiciando servidores públicos em Procedimentos Administrativos Disciplinares por enriquecimento ilícito presumido, baseando-se, tão somente em valores constantes de extratos bancários, CPMF, etc.

O patrimônio a descoberto, por igual, também é distorcido, gerando pseuda responsabilidade administrativa funcional indevidamente.

É preciso que se estabeleça um divisor, pois as instâncias são independentes e uma variação patrimonial a descoberto ou até mesmo os depósitos bancários em conta corrente, são, quando muito, ilícitos tributários, que deverão ser apurados a nível da Receita Federal, pois esta é que possui competência legal pela constituição e lançamento do crédito tributário e não a instância administrativa/disciplinar ou até mesmo o Poder Judiciário.

Em assim sendo, não existindo um ato funcional ilícito, praticado no exercício do vínculo público, não configura-se a açodada subsunção no que vem descrito no art. 9º, VII, da Lei de Improbidade Administrativa.

Desta forma, a simples demonstração de depósitos bancários não dá azo a equivocada presunção de enriquecimento ilícito, visto ser necessário o devido nexo de causalidade [59] entre o aumento patrimonial e a função pública, através de um ato de ofício comissivo ou omissivo. Sem esse imperioso requisito (nexo de causalidade), não há como se sustentar a prática do delito previsto no art. 9º, VII, da Lei de Improbidade Administrativa.

Isto porque, para que ocorra a subsunção no referido artigo, é necessário o elemento subjetivo do tipo, no caso o dolo, ao passo que a não inclusão como rendimentos tributários, na declaração do imposto de renda, de valores depositados em contas correntes ou em investimentos do contribuinte caracteriza fato simples de presunção de omissão de rendimentos, com o afastamento do dolo e sem a aplicação da multa qualificada.

A fraude não se presume, ela terá que ser provada, [60] através dos meios legais próprios.

Sendo certo que a própria Receita Federal afasta o dolo da presunção legal dos depósitos bancários, sendo indevida a aplicação de multa qualificada de 150% aplicada de ofício. [61]

Não havendo a caracterização do dolo na instância tributária, e sendo ele necessário para a tipificação do enriquecimento ilícito presumido, não há como subsumir a conduta do agente público no que vem estabelecido no art. 9º, VII, da Lei nº 8.429/92.

Demonstrado, portanto, a grande incoerência jurídica de se transportar a presunção de depósitos bancários (omissão de receita) para a improbidade administrativa, com a inversão da presunção de inocência, como se fosse suficiente para configurar o enriquecimento ilícito, sem a inexistência de ato administrativo comissivo ou omissivo.

Tal presunção no campo sancionatório é terminantemente vedado.

Apesar da natureza da ação de improbidade ser cível, as penalidades cominadas na Lei nº 8.429/92 possuem "nítida natureza penal ou punitiva", conforme afirmou o Min. Nelson Jobim em seu voto na RCL nº 2138-6, no sentido de que o Ministro de Estado e outras autoridades políticas sujeitas ao crime de responsabilidade não podem estar sujeitas à Lei de Improbidade Administrativa, por constituir-se em verdadeiro bis in idem.

A responsabilidade pela prática de um ato de improbidade administrativa, como não poderia deixar de ser é vinculada ao exercício da função pública. Mesmo que haja indícios de uma irregularidade tributária, capaz de demonstrar sinais exteriores de riqueza ou uma evolução patrimonial desproporcional, para que ocorra o devido reflexo na Lei nº 8.429/92 é necessário que a origem seja a atividade pública do agente investigado/acusado.

Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Ilegalidade de presumir-se depósitos bancários como enriquecimento ilícito do agente público para fins de improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1031, 28 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8224. Acesso em: 23 dez. 2024.

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