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Antifascistas podem ser considerados terroristas?

Agenda 03/06/2020 às 10:26

O Deputado Daniel Silveira criou um projeto de lei para classificar os antifas - grupo de ativistas que defende princípios democráticos - como terroristas. Porém, é necessário uma análise mais profunda.

INTRODUÇÃO

As manifestações em prol da democracia, que ocorrem no atual cenário político, levaram à criação do Projeto de Lei 3019/2020, criado pelo Deputado Daniel Silveira, que altera a Lei Antiterrorismo, tipificando o grupo antifas como terroristas. O Deputado destacou que os manifestantes antifascistas praticam o ódio perante um falso viés de defesa da democracia. Todavia, é necessário exemplificar a definição de terrorismo na norma nacional e internacional, para poder entender se o referido grupo pode ser classificado como terrorista. Esse questionamento se torna necessário para entender se um grupo que defende o Estado Democrático de Direito pode ser considerado de viés terrorista.

1 - Definição de Terrorismo

1.1 - Definição da Organização das Nações Unidas

Após a Guerra Fria, o ambiente de segurança global ficou marcado por guerras internas, diante do surgimento do terrorismo como uma nova ameaça global. Assim sendo, no ano de 1994, a Assembleia Geral da ONU adotou a Declaração de Medidas para Eliminar o Terrorismo Internacional, o que, no futuro, levou à criação da Resolução 49/60 da Assembleia Geral, que define o terrorismo como:

“Atos criminosos pretendidos ou calculados para provocar um estado de terror no público em geral, num grupo de pessoas ou em indivíduos para fins políticos são injustificáveis em qualquer circunstância, independentemente das considerações de ordem política, filosófica, ideológica, racial, étnica, religiosa ou de qualquer outra natureza que possam ser invocadas para justificá-los. “ [1]

1.2 - Definição na Legislação Brasileira

A Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016, conhecida como Lei do Terrorismo, regulamenta o disposto no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, que prevê o terrorismo como crime inafiançável:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem “ [2]

Assim, a definição de terrorismo é elencada na Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016, conhecida como Lei do Terrorismo, que regulamenta o disposto no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, onde trata de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização terrorista. A referida legislação traz a definição de terrorismo em seus dois primeiros artigos:

“Art. 1º Esta Lei regulamenta o disposto no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização terrorista.

Art. 2º O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública. “ [3]

2 - Entendimento da doutrina

O doutrinador Valerio de Oliveira Mazzuoli destaca que o terrorismo é marcado por atos violentos de uma pessoa ou grupo, que geram surpresa ou terror, por sua principal característica ser a imprevisibilidade:

“Por terrorismo se entendem os atos violentos de uma pessoa ou de um grupo de pessoas, praticados de surpresa e geradores de terror, contra pessoas inocentes ou alvos normalmente sem interesse militar, voltados à demonstração de insatisfação para com os poderes constituídos, a fim de modificar ou substituir por outro o regime político existente. Pode também ser praticado para chamar a atenção da opinião pública sobre determinado ponto de interesse ou, ainda, para manter um regime (normalmente antidemocrático) vigente em determinado Estado e em vias de ser alterado. Trata-se de uma forma extrema de ação política, normalmente ligada a conflitos regionais, em que se busca “o avanço de uma determinada causa e o restabelecimento do equilíbrio perdido no quadro do conflito em que se insere”. Sua principal característica é a imprevisibilidade, que impede que as autoridades estatais e a população civil em geral se defendam dos ataques cometidos. Daí a sua dessemelhança com a guerra, que tem início normalmente com uma declaração formal de um Estado a outro sobre o início das hostilidades e, em princípio, sem ataques contra alvos neutralizados. “ [4]

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Ainda, conforme é citado pelo jurista, Gilbert Guillaume elenca três requisitos para se considerar uma atividade criminosa como terrorista: 1) a prática de atos de violência destinados a causar a morte de pessoas ou gerar graves danos corporais; 2) a realização da empreitada por meio de uma pessoa ou grupo de pessoas; e 3) o objetivo de causar terror em pessoas determinadas, em grupos de pessoas ou no público em geral.

3 - Os Antifas

O grupo antifascista chamado de antifa, ou os antifas, é um movimento de ativistas sem a formação de organização, que compartilham princípios e táticas. Mesmo que a polícia afirme que alguns ativistas antifascistas estão ligados a células em nível local, o Antifa não é um grupo com liderança, uma cadeia de comando e uma estrutura definida [5]. Não é possível então, saber o número de membros e nem mesmo definir quando alguém é membro. Não existe nenhum manifesto ou doutrina específica aceita em comum entre os manifestantes, mas o grupo compartilha causas como a defesa da democracia, a luta contra o racismo, a homofobia, a xenofobia, e, em geral, a proteção dos setores mais marginalizados e desfavorecidos da população.

A palavra antifa, de acordo com o dicionário Merriam-Webster, foi utilizada pela primeira vez em 1946, diante do fim do nazismo, após o final da Segunda Guerra Mundial. Contudo, nos EUA a expressão começou a ser mais usada nos últimos anos, para destacar os movimentos antifascistas que surgiram após a eleição de Donald Trump, em razão da ascensão da chamada direita alternativa, que contribuiu para sua eleição do atual Presidente dos Estados Unidos.

4 - Do Projeto de Lei 3019/2020

O deputado Daniel Silveira, propôs através do Projeto de Lei 3019/2020, a tipificação do grupo antifas como organização terrorista, conforme é observado no referido Projeto de Lei:

“Art. 1° Esta lei altera Lei Antiterrorismo nº 13.260, de 16 de março de 2016, a fim de tipificar os grupos denominados “antifas” (antifascistas) como organizações terroristas. Art. 2° A Lei n° 13.260, de 16 de março de 2016, passa a vigorar com a seguinte alteração:"Art.1°.......................................................................... .................................................................................... ..................................................................... Parágrafo único. Considera-se organização terrorista os grupos denominados antifas (antifascistas) e demais organizações com ideologias similares”.

Art. 3° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. “

O Deputado diz que os antifas praticam ódio e incitação à violência sob falso viés democrático, onde existe a necessidade da tipificação do grupo como terrorista:

“A inclusão expressa na presente Lei dos denominados “grupos antifas” e similares se faz premente tendo em vista as flagrantes e ilegítimas manifestações públicas de prática de ódio, incitação à violência e prática de violência propriamente dita sob o falso viés da defesa da democracia, mas que na verdade geram anarquia, dano ao Patrimônio Público e risco a integridade individual e coletiva da Sociedade Civil. “

“A Lei Antiterrorismo (Lei Federal n°13.206/16) é considerada um marco histórico em prol da Segurança Pública no Brasil. O dispositivo legal é de suma importância para o enfrentamento de organizações terroristas. Porém, não obstante seu valioso contributo, é imperioso registar que a Lei em comento, precisa passar por adequações, a fim de corroborar ainda mais com o estabelecimento da Segurança Pública no território Nacional. “ [6]

5 - Conclusão

De forma geral, a atividade terrorista pode ser definida como atos voltados para a geração de terror, por diversas formas. O terrorismo é tipificado em várias normas internacionais, inclusive na Organização das Nações Unidas, conforme exposto. Contudo, na Lei brasileira, mais especificamente, o terrorismo é classificado como a “prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado”. O que é perceptível, é a forma como o terrorista age, de maneira contrária ao estado, atacando a democracia ou a forma de governo que é estabelecida nos lugares atacados.

Portanto, a organização antifa, ou os antifas, não podem ser caracterizados como grupo terrorista, uma vez que a sua luta é a favor do Estado Democrático de Direito, que é a forma do Estado brasileiro, e seu apoio a minorias, como a luta contra a xenofobia, homofobia e racismo. Desse modo, é observado no texto que a caracterização de terrorismo está muito mais ligada àqueles que estão contra a democracia, que praticam atos que diminuem as minorias e vão contra os ideais da Constituição da República Federativa do Brasil.


REFERÊNCIAS

[1] https://nacoesunidas.org/acao/terrorismo/

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13260.htm

[4] Curso de Direito Internacional Público / Valerio de Oliveira Mazzuoli. – 12. ed. – Pág 1075 - Rio de Janeiro: Forense, 2019.

[5]https://brasil.elpais.com/internacional/2020-06-01/antifa-nem-terrorista-nem-organizacao.html

[6]https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1899405&filename=PL+3019/2020

Sobre o autor
Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ABREU, Pedro Vitor Serodio. Antifascistas podem ser considerados terroristas?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6181, 3 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/82771. Acesso em: 24 dez. 2024.

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