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Análise acerca da (in) aplicabilidade do princípio da co-culpabilidade face a aplicação da pena

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3 O PRINCÍPIO DA COCULPABILIDADE E SUA APLICAÇÃO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

É de conhecimento geral que o Direito Penal atua como regulador das relações sociais, através da prevenção e punição de crimes consoante seus ditames legais, exercendo assim, um sistema que impõe regras e normas para a pacífica convivência em sociedade e sua civilização, tornando-se, portanto, um mecanismo de controle social.

Entretanto, na atualidade, diante dos fatos presenciados diariamente nos meios de comunicação, percebe-que o Direito Penal não cumpre totalmente sua função com a sociedade, visto que, é inegável que as normas ou leis não são aplicadas da mesma forma para todos, sendo usado muitas vezes como instrumento de divisão de classes.

Como elucidado por Grégore Moreira de Moura (2016, p. 145):

Tendo em vista o sistema penal brasileiro, os detentores do poder econômico agem de duas formas: a) criminalizam condutas que atingem seus bens jurídicos mais importantes, para que haja segurança e tranquilidade no acúmulo de capitais; b) tentam se furtar ao máximo da incidência do sistema penal, deixando em segundo plano crimes do colarinho branco, lavagem de dinheiro, crimes contra o sistema financeiro, dentre outros. Assim com o auxílio dos meios de comunicação de massa, cria-se o criminoso padrão- pessoa pobre, sem formação cultural, que vive nos subúrbios das grandes cidades.

Isto posto, faz-se necessário compreender que, apesar de convivermos em uma sociedade capitalista, o Direito Penal deve prevalecer e ser executado para todos, bem como, os direitos fundamentais preconizados na Constituição Federal de 1988 e nos Direitos Humanos.

Assim sendo, o sistema penal se torna cada vez mais seletivo, colaborando para a desigualdade social quando exclui, gradativamente, os menos favorecidos, ou hipossuficientes, os quais, na maioria das vezes, não possuem pressupostos básicos para sua sobrevivência, vivem na miséria, sem acesso a uma educação de qualidade, ou aos serviços básicos de saúde.

Percebe-se que a inexistência desses direitos fundamentais, bem como a ineficácia do Direito Penal, ocasiona uma grande injustiça social. Basta ver que um indivíduo amparado pelo Estado tem maior facilidade de escolha e maiores chances de viver em condições favoráveis, enquanto os cidadãos desfavorecidos - ou na linguagem costumeira, "os pobres" - não possuem as mesmas oportunidades sociais.

Em consequência disso, um indivíduo que praticamente vende sua dignidade para sobreviver, estará mais propício a incorrer na prática de algum crime, donde se depreende que o meio social termina por influenciar, diretamente, na personalidade e nas escolhas do ser humano.

Logo, diante da realidade, torna-se imprescindível que o Direito Penal esteja diretamente ligado à sociologia, resultando em um direito mais humano e solidário. Outrossim, há a necessidade de mudança em sua legislação, que parece estar em incongruência com o que seu próprio sistema estabelece, uma vez que - percebe-se assim - o princípio da coculpabilidade não fora positivado.

A coculpabilidade surge como um princípio que estabelece a divisão da responsabilidade entre o indivíduo que comete a prática criminosa e o Estado/sociedade, em circunstâncias que comprovam que as falhas estatais fatalmente acarretaram o cometimento do fato criminoso: para esses indivíduos, o âmbito de determinação é diminuído em razão das suas condições econômicas e sociais.

Como salientado por Zaffaroni e Pierangeli (2009, p.610-611):

Todo sujeito age numa circunstância dada e com um âmbito de autodeterminação também dado. Em sua própria personalidade há uma contribuição para esse âmbito de autodeterminação, posto que a sociedade – por melhor organizada que seja – nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas oportunidades. Em consequência, há sujeitos que têm um menor âmbito de autodeterminação, condicionado desta maneira por causas sociais. Não será possível atribuir estas causas sociais ao sujeito e sobrecarregá-lo com elas no momento da reprovação de culpabilidade. Costuma-se dizer que há, aqui, uma ‘co-culpabilidade’, com a qual a própria sociedade deve arcar.

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O princípio da coculpabilidade é o início para a busca de um Direito Penal que mais se aproxime da realidade vigente, tratando-se de um princípio constitucional implícito, e, embora não se encontre expressamente previsto na Lei, a doutrina tem permitido sua aplicação.

Verifica-se que a jurisprudência tem invocado o princípio da coculpabilidade. Todavia, ainda é tema que causa divergência no ordenamento jurídico, havendo resistência clara em sua aplicação. Vejamos um exemplo em que o princípio foi invocado:

APELAÇÃO – FURTO – PROVAS SUFICIENTES DA AUTORIA E MATERIALIDADE – CONDENAÇÃO MANTIDA – INVOCAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE – NÃO APLICABILIDADE DE PENA EXACERBADA – DIMINUIÇÃO DA PENA BASE – AUMENTO MÁXIMO DE 1/6 SOBRE A PENA BASE. É de se reconhecer as circunstâncias atenuantes inominadas, descrita no artigo 66 do Código Penal, quando comprovado o perfil social do acusado, desempregado, miserável, sem oportunidade de vida, devendo o Estado, na esteira da co-culpabilidade citada por Zaffaroni, espelhar a sua responsabilidade pela desigualdade social, fonte inegável dos delitos patrimoniais, no juízo de censura penal imposto ao réu. Tal circunstância pode e deve, também, atuar como instrumento da proporcionalidade na punição, imposição do Estado Democrático de Direito. (TJMG, 1ª Turma Criminal, Rel. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO, julgamento em 27/03/2007).

Não obstante, vejamos um exemplo em que o mesmo não foi reconhecido:

ROUBO. DECLARAÇÕES DA VÍTIMA E RECONHECIMENTO PESSOAL - PROVAS VÁLIDAS. ATENUANTE GENÉRICA - CO-CULPABILIDADE IMPOSSIBILIDADE. As declarações da vítima e o reconhecimento pessoal, ratificados em juízo, são suficientes para a configuração do crime contra o patrimônio, quando seguros e em sintonia com os demais elementos probatórios, dentre eles, a apreensão da res furtiva em poder da acusada. Incabível, ainda, o reconhecimento da atenuante da co-culpabilidade, sob pena de desvirtuar o real do reconhecimento das atenuantes, bem como de se justificar as infrações intoleráveis e reprimidas pela sociedade. (TJSP, 4° Câmara de Direito Criminal, Rel. WILLIAN CAMPOS, julgamento em 01/09/2011)

Como dito, a aplicação do princípio da coculpabilidade busca responsabilizar a mea culpa do Estado e da sociedade, pelas consequências de não oferecer oportunidades sociais iguais e econômicas para todos os cidadãos, impulsionando-os indiretamente ao cometimento de crimes. No entanto, como aludido por Grégore Moreira de Moura, (2016, p. 61) ‘’tendo, porém, como limite o cuidado para não transformar o criminoso em vítima e o Estado em criminoso, invertendo erroneamente as posições jurídicas de ambos.’’

Portanto, apesar de o princípio buscar a diminuição da pena, ou até mesmo a absolvição do indivíduo, dependendo da situação de exclusão social que o caso apresente, nem sempre essa miserabilidade poderá servir como escusa para prática de condutas ilícitas, dado que, ainda que seja um princípio geral, deve ser analisado caso a caso. A relação causal supostamente havida entre a situação de miserabilidade e a prática do crime deverá ser cabalmente comprovada para que o princípio possa ser aplicado.

Ademais, acerca do princípio da coculpabilidade, afirma Grégore Moreira de Moura (2016, p.148):

A diminuição do poder de autodeterminar-se deve ser reconhecida por meio da co-responsabilidade do Estado e da sociedade. Acentua-se, no entanto, que o princípio da co-culpabilidade não elimina a seletividade do sistema penal, mas atua como princípio corretor dessa seletividade, diminuindo sobremaneira seus impactos, dando ensejo ao desenvolvimento de um espírito crítico e responsável que oriente toda a sociedade. Além disso, aproxima o Direito Penal da culpabilidade material e, por conseguinte, da igualdade material.

Por todos esses aspectos, entende-se que o princípio da coculpabilidade seria um critério corretor da seletividade do Direito Penal, objetivando uma mudança no âmbito legislativo, visto que, quem legisla no Brasil é a própria classe dominante, que acaba sendo favorecida pelas leis. Portanto, é necessária a positivação desse princípio para que sua aplicação na prática ocorra de forma obrigatória.

Esse princípio é reconhecido pela legislação de diversos países. Dentre eles, temos como exemplo a Argentina, que prevê expressamente a coculpabilidade, nos artigos 40 e 41 do Código Penal, como circunstância legal agravante ou atenuante da pena. Na maioria dos casos, todavia, é aplicada como circunstância atenuante.

Do mesmo modo, o Direito Penal Mexicano também reconhece a coculpabilidade em seu art.52, sendo uma circunstância judicial, existente na primeira fase da aplicação da pena, diante disso, defende MOURA (2016, p.104):

A globalização e o neoliberalismo causam ainda mais exclusão social e desigualdade social, tanto no México como no Brasil, no entanto, o México já se adiantou na tentativa de minorar as perversas consequências que o novo modelo econômico internacional causa, com a previsão expressa da co-culpabilidade no art.52. Agora, cabe ao legislador brasileiro trilhar os mesmos passos, na esteira de um Direito Penal mais consentâneo com a nossa realidade econômica, voltada para a economia de mercado e social.

Em vista dos argumentos apresentados, e da real relevância da aplicação do princípio da coculpabilidade, analisaremos cada uma das possibilidades de inserção no Código Penal pátrio.

A primeira hipótese é como circunstância judicial, prevista no art. 59 do Código Penal, incidindo na primeira fase da aplicação da pena, conforme preconizado por Grégore Moreira de Moura (2016, p.128) "a mais tímida entre as demais, visto que será inócuo o reconhecimento da coculpabilidade se a pena base for fixada no mínimo legal, pois é cediço que as circunstancias judiciais não podem trazer a pena aquém do mínimo legal".

Na segunda opção, sua positivação seria prevista no art. 65 do Código Penal, tratando-se de uma atenuante genérica, sendo mais uma alínea do lll do referido artigo, essa possibilidade, segundo Grégore Moreira de Moura (2016, p.128) "reforçaria a necessidade de sua aplicação, bem como limitaria o poder de liberdade e interpretação do magistrado".

A terceira possibilidade estaria positivada no art. 29 do Código Penal, sendo acrescentado mais um parágrafo, dizendo que, como elucidado Grégore Moreira de Moura (2016, p. 128):

Se o agente estiver submetido a precárias condições culturais, econômicas, sociais, num estado de hipossuficiência e miserabilidade sua pena será diminuída de um terço (1/3) a dois terços (2/3), desde que estas condições tenham influenciado e sejam compatíveis com o crime cometido.  Assim, quanto pior as condições elencadas no supracitado parágrafo maior seria a redução da pena. É, a nosso sentir, a melhor hipótese para a positivação da co-culpabilidade, pois é a mais consentânea com o Direito Penal democrático e liberal, na esteira do garantismo penal, uma vez que permite maior individualização da pena aplicada, além de poder reduzir a pena aquém do mínimo legal, dirimindo qualquer dúvida nesse aspecto, com incidência na terceira fase da sua aplicação.

A quarta e última opção seria uma causa de exclusão de culpabilidade, visto que o estado social de miserabilidade e vulnerabilidade do cidadão é tão caótico, proeminente e elevado, que sobre o agente não incidiria qualquer reprovação social e penal. (MOURA, 2016, p.129)

Portanto, segundo essa opção, o comportamento do indivíduo nada mais é do que as consequências da omissão do Estado, frente as desigualdades sociais e as condições de marginalização do meio social em que foi inserido.

Logo, o reconhecimento do princípio da coculpabilidade funcionaria, notadamente, como instrumento que visa à diminuição da exclusão social ao amparar aqueles indivíduos que vivem na miserabilidade, devido à inadimplência do Estado, dentro do ideal de se buscar um Direito Penal que mais se aproxime da realidade existente.

Sobre os autores
Roberto Metzker Colares Pacheco

Professor no Centro Universitário Doctum (UniDoctum). Graduado em Ciências Sociais pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro – Fenord (1998). Graduado em Direito pelas Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni – Doctum (2011). Ex-Coordenador Acadêmico nas Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni. Ex-Membro do Conselho Superior Acadêmico e do Núcleo Docente Estruturante (NDE), das Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni. Membro do Núcleo Docente Estruturante do curso de Direito do Centro Universitário Doctum de Teófilo Otoni. Especialista em História do Brasil - Faculdades Simonsen. Especialista em Elaboração e Gestão e Gestão de Projetos Internacionais com Ênfase no Terceiro Setor - PUC MG. Especialista em Ciências Penais e Segurança Pública - Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni - Rede Doctum de Ensino. Especialização em Ciências Forenses: Medicina Legal e Perícia Criminal - Faculdade Supremo. Especialização em Criminologia - Faveni. Especialização em Direito Constitucional - Faveni. Capacitação em Direitos Humanos e Segurança Pública.

Letícia Gomes Lemes

Estudante de Direito da Unidoctum Teófilo Otoni-MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PACHECO, Roberto Metzker Colares; LEMES, Letícia Gomes. Análise acerca da (in) aplicabilidade do princípio da co-culpabilidade face a aplicação da pena. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6203, 25 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83377. Acesso em: 24 dez. 2024.

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