11. Credores Retardatários e Credores Sem Título
Como estudado em linhas retro, somente os credores com título executivo podem habilitar-se na execução do insolvente, devendo fazê-lo no prazo legal (art. 761, II), sob pena de não serem admitidos ao rateio, ainda que gozem de direito real ou de algum privilégio especial. [32]
Permite, porém, o Código que o credor que, dentro do prazo, não apresen-tar sua declaração de crédito, acompanhada do respectivo título, participar do rateio, como credor retardatário. [33]
Realizado o rateio, nenhum direito contra os concorrentes terá o credor retardatário que permaneceu inerte, mesmo que seu crédito gozasse de privilégio legal (supra). [34]
Mas, enfim, se a ação direta for considerada procedente antes do rateio, o retardatário terá assegurada sua participação na massa, tendo seu crédito incluído (art. 784). A mesma situação se aplica ao credor não munido de título executivo, não gozando de acesso ao concurso universal.
12. Quadro Geral de Credores
Findo o prazo das declarações de crédito, necessário que sejam definidos os credores que têm direito de participar da execução coletiva. Para tanto, torna-se necessário a elaboração do Quadro Geral de Credores, pelo qual será homologado por sentença. Portanto, como bem aponta Humberto Theodoro, a execução coletiva depende de dois títulos judiciais sucessivos: a sentença de abertura com que se declara a insolvência do devedor, cuja força é de título executivo geral; e a sentença do Quadro Geral, que opera como título executivo especial e particular de cada credor habilitado, de molde a legitimar a respectiva atuação dentro da execução coletiva. [35]
Conhecido o quantum cabível aos diversos credores, será expedida ordem de levantamento à medida que cada um for requerendo.
Humberto Theodoro [36], citado por Câmara (2002, p. 325) apresenta a seguinte ordem de preferência para realização dos pagamentos. A saber :
1.créditos trabalhistas;
2.custas do processo de insolvência e mais débitos da massa;
3.créditos resultantes de acidentes de trabalho;
4.créditos tributários federais;
5.créditos tributários estaduais;
6.créditos tributários municipais;
7.créditos com garantia real;
8.créditos com privilégio especial;
9.créditos com privilégio geral;
10.créditos quirografários.
E, partindo daí, Câmara afirma que aprovado o quadro de credores, e com-pletada, assim, a atividade conhecida como verificação e classificação dos créditos, passa-se a expropriação dos bens arrecadados. [37]
Nessa orientação, o processualista Frederico Marques, aduz, por fim, que contra as decisões sobre o quadro geral de credores cabe o recurso de agravo de instrumento – o mesmo devendo ser dito da que resolver qualquer incidente relativo à fixação de percentagens. [38]
13. Pagamento aos Credores
No tangente ao pagamento aos credores, Humberto Theodoro [39], citado por Araken de Assis (2002, p. 1105) diz que após a aprovação do quadro geral, precedida da alienação parcial ou do total do ativo, já constando a percentagem a favor de cada credor, e uma vez transitada em julgado a sentença, liberará o juiz as importâncias respectivas. Mas, conforme se constata no art. 773, a realização do ativo pode ocorrer posteriormente ao ato decisório do art. 771, cujo fim precípuo, de resto, não reside na simples distribui-ção do produto da alienação dos bens arrecadados. Ela, visa fundamentalmente, a classificar os créditos habilitados, situando cada um deles na posição que lhes toca por direito. [40]
Por sua vez, o art. 770 admite expressamente a possibilidade de ter a arrematação ocorrido antes da elaboração do quadro geral de credores. Essa controvérsia se dá em vista que o Código não fixa um momento certo e determinado para a alienação.
Vale a pena retornar a Theodoro, nas considerações que faz sobre a arrematação, para dizer que ela nada mais que é um ato de administração da massa, que não se subordina à resolução de questões jurídicas a serem solucio-nadas no curso do processo. Terminada a arrecadação e alienação dos bens, se nada a contra-indicar, estará o administrador preparado para realizar a apuração do ativo. Obtida a anuência do juiz, poderá realizar a hasta pública, segundo a sistemática das arrematações (arts. 686 a 707) e alienações judiciais (arts. 1.113 a 1.119). [41]
14. Encerramento e suspensão do processo
O processo de insolvência poderá terminar de três maneiras diversas: [42]
1.sem chegar à execução coletiva, quando os embargos do devedor são acolhidos, na primeira fase do processo;
2.pelo cumprimento do acordo de pagamento ajustado entre o devedor e credores, na forma do art. 783;
3.por ter atingido o seu fim próprio e específico que é a liquidação total do ativo e rateio de todo o produto apurado entre os credores concorrentes
Prossegue Humberto Theodoro no seu ponto de vista, esclarecendo que, qualquer que seja a forma de término da insolvência, há sempre uma sentença de encerramento, cujo trânsito em julgado, nos casos de incompleta satisfação de credores, funcionará como marco do reiní-cio do curso das prescrições (art. 777) e como ponto de partida do prazo de extinção das obrigações do insolvente (art. 778). [43]
Anota, ainda, o referido autor que a suspensão da execução do processo também se dá em três situações diferentes, todas elas caracterizadas pela suspensão momentânea do processo, com possibilidade de reinício posterior do respectivo curso, quais sejam: [44]
4.quando ocorre a convenção entre devedor e credores para estabeleci-mento de um plano de pagamento (art. 783);
5.em regra, quando o produto da realização do ativo não é suficiente para a solução integral dos créditos concorrentes, dada a possibilida-de de reabertura da execução, caso o devedor venha a adquirir novos bens penhoráveis (arts. 775 e 776);
6.quando não se encontram bens a arrecadar ou o ativo da massa não se mostra suficiente sequer para atender os gastos processuais da insolvência (arts. 659, §2º, e 791, III).
15. Saldo Devedor. Extinção das Obrigações
Segundo lembra e analisa Afirma Frederico Marques, o pagamento efetuado aos credores, no processo concursal, não libera o devedor quanto ao pagamento dos créditos rateados, razão pela qual esclarece o art. 774 que "liquidada massa sem que se tenha sido efetuado o pagamento integral a todos os credores, o devedor insolvente continua obrigado pelo saldo". [45]
Por isso mesmo, o credor pago parcialmente não perde, por força do rateio concursal, o direito de ser pago integralmente, razão pela qual continua sendo credor do saldo. Diante do princípio de que o devedor responde pelas obrigações com todos os seus bens presentes e futuros (art. 591), dispõe o Código que pelo pagamento do saldo insatisfeito responderão os bens que o insolvente vier a adquirir enquanto não declarada a extinção de suas obrigações, na forma do art. 778, desde que sejam bens penhoráveis (art. 775). [46]
O mesmo Frederico Marques comenta que, desde que novos bens sejam adquiridos, qualquer credor (se os bens foram penhoráveis), incluído no quadro geral aprovado no processo concursal, poderá requerer que sejam arrecadados nesse mesmo processo, atuando, para esse fim, o administrador que nele funcionará (art. 776). [47]
Nessa linha de raciocínio feita a arrecadação, o contador do juízo fará o cálculo do rateio. A seguir, vendidos os bens que foram arrecadados, será feita a distribuição proporcional de seu produto aos credores.
Cumpre dizer que, não se organiza novo quadro de credores. O que fora antes aprovado continua a vigorar. Mas, se houver credor retardatário haverá necessidade de se propor ação direta, decidida após o rateio havido no concurso universal de credores (supra, n. 13), com seu nome acrescido naquele quadro.
Esclarecendo, de forma sucinta e muito apropriada, Wambier disserta, sobre a extinção das obrigações da seguinte forma:
"Em cinco anos, contados do trânsito em julgado da sentença de encerra-mento do processo de insolvência, consideram-se extintas todas as obri-gações do devedor [grifo nosso]. Tal extinção abrange todos os créditos (art. 778), inclusive os que poderiam ter participado do concurso, mas nele não foram incluídos.
Feito o requerimento pelo devedor da extinção das obrigações, o juiz man-dará publicar edital, com prazo de trinta dias (art. 779), abrindo a oportuni- dade a qualquer credor de opor-se à extinção (art. 780). Na oposição, o credor poderá alegar que ainda não decorreu o prazo de cinco anos e que o devedor adquiriu novos bens penhoráveis (art. 780, I e II).
Depois de produzidas as provas que se reputem necessárias, proferir-se-á a sentença (art. 781).
A sentença que declarar extintas as obrigações será publicada por edital, ficando o devedor habilitado a praticar todos os atos da vida civil (art. 782)." [48]
16. Concordata Civil. Pensão para o devedor
Afirma Câmara que a concordata é um instituto regulado pela Lei de Falências e, aplicável, apenas, em benefício do devedor comerciante. A concordata seria, então, segundo o posicionamento do mestre, um instituto jurídico destinado a proteger o devedor, evitando a falência (concordata preventiva) ou a suspendendo (concordata suspensiva). [49]
Note-se que, o Código de Processo Civil criou para o devedor civil instituto análogo à concordata suspensiva, em seu art. 783.
O devedor deverá, por outro lado, apresentar proposta em juízo, o que pode ser feito nos próprios autos do processo executivo, por tratar-se de incidente não complexo que se decide quase que de plano. Os devedores serão intimados para falarem sobre o pedido e a respectiva proposta. [50]
Não havendo oposição, "o juiz aprovará a proposta por sentença" (art. 783) e ordenará que se extinga a arrecadação e se desenvolvam os bens arrecadados ao devedor. A oposição de qualquer credor (um que seja) impede a homologação do acordo. Mas não se considera oposição o silêncio ou omissão do credor intimado. [51]
Deve ter-se em conta que, o art. 785 traz a regra de que "o devedor que caiu em estado de insolvência sem culpa sua, pode requerer ao juiz, se a sua massa o comportar, que lhe arbitre uma pensão, até a alienação dos bens". Os credores serão ouvidos sobre este pedido e, poderão impugnar apontando que a massa não comporta pagamento de tal verba ou que a insolvência deu-se por culpa do devedor. Em qualquer caso, caberá ao juiz decidir.
Humberto Theodoro esclarece, enfim, a questão apontando que a "pensão será cabível apenas quando a massa possuir capacidade de produzir frutos e rendimentos, dos quais se possa destacar a ajuda para o devedor, sem diminuição efetiva dos bens arrecadados. [52] [grifo nosso]
17. Conclusão
Traçados os lineamentos básicos da Insolvência Civil, podemos concluir este trabalho-científico em inteira consonância com a observação de Pietro-Castro [53], citado por Humberto Theodoro (2003, p.290), "que por meio do processo concursal, impõe-se um princípio de ordem, fazendo com que todos os bens do devedor comum se integrem numa massa para responder pelo conjunto de créditos, até onde alcance o produto da execução, de modo a assegurar a observância de regras eqüitativas de distribuição, capazes de evitar que o patrimônio do insolvente seja dilapidado inútil ou nocivamente, com desigualdade e prejuízos à ordem econômica geral".
Através da resenha de todas as opiniões citadas nesse estudo, entendemos que a insolvência civil é um mecanismo que possui duas finalidades: a primeira é impedir que credores, no intento de receber seus créditos, absorvam a integralidade dos bens do devedor, de tal forma que, os demais credores venham a submergir com o prejuízo total de seus créditos; a outra, é a de prestar ao devedor que está em uma condição econômica deficitária a possibilidade de adimplir, pelo menos parcialmente, com a universalidade de seus credores.
No âmago dessas duas conseqüências, está num primeiro estágio, permitir o concurso de credores, a fim de impedir o prejuízo de uns em detrimento dos outros; por outro, possibilitar ao insolvente, vale lembrar, assim declarado por sentença, a possibilidade de após ter expropriado todos os seus bens, e transcorridos o prazo legal, voltar a praticar todos os atos da vida civil, reabilitando-se então para construir novamente sua vida e acumular patrimônio, sem aquela insegurança de ver seus bens penhorados para saldar dívidas. [54]
Por este último efeito, poderia se vislumbrar que a insolvência não seria algo justo com os credores, caso pensássemos na possibilidade de enriquecimento indevido do devedor às custas de terceiros de boa-fé.
Segundo nos parece, por fim, que, incumbirá ao juiz, e ao mesmo tempo aos credores, evitar tal manobra do devedor. Não obstante, sabemos que se fará necessária uma prestação jurisdicional diligente.
18. Referências
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WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. Processo de Execução. Vol II, 5ª ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002
Notas
01 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol II, 6ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2002, p. 307
02 MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. Vol III, 9ª ed., Campinas, Millenium, 2003, p. 272
03 CARNELUTTI, Francesco. Instituições de Processo Civil; tradução: Adrián Sotero De Witt Batista, vol III, Campinas, Servanda, 1999, p. 25
04 CÂMARA, op. cit., p. 154
05 Idem, ibidem, p. 307
06 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol II. 34ª ed. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2003, p. 293
07 Idem, ibidem, p. 294
08 Idem
09 Comentários ao Código de Processo Civil. Vol VII, 1975, p. 269
10 THEODORO, op. cit., p. 298
11 Idem
12 GHIDINI, Mario. La legittimazione alla richiesta del proprio fallimento dap arte della societa personale. In: Studi in memória di Túlio Ascarelli. 1969, Vol II, pp. 883 e segs.
13 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. Processo de Execução. Vol II, 5ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 366
14 WAMBIER, op. cit., p. 366
15 THEODORO, op. cit., p. 299
16 THEODORO, op. cit., pp. 302 e 303
17 THEODORO, op. cit., p. 303
18 Idem
19Curso de Falência e concordata. São Paulo: Saraiva, 1998, p.63-64. O ilustre autor afirma que "a autofalência, como facilmente se constata da leitura do art. 8º da Lei Falimentar, não é, no direito brasileiro, obrigatória, mas ‘facultativa’, ao contrário do que sucede nas legislações francesa e italiana".
20Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, vol. VII, 1999, p.253.
21 THEODORO, op. cit., p. 308
22 Idem
23 THEODORO, op. cit., p. 309
24 WAMBIER, op. cit., p. 370
25 WAMBIER, op. cit., p. 370
26 THEODORO, op. cit., p. 310
27 WAMBIER, ibidem
28 MARQUES, op. cit., p. 306
29 WAMBIER, op. cit., p. 371
30 Idem
31 WAMBIER, op. cit., p. 372
32 THEODORO, op. cit., p. 314
33 MARQUES, op. cit., p. 315
34 THEODORO, ibidem
35 THEODORO, op. cit., p. 315
36 THEODORO JÚNIOR, Humberto. A Insolvência Civil. 4ª ed. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1997, p. 320
37 CÂMARA, op. cit., p. 325
38 MARQUES, op. cit., p. 315
39 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Insolvência Civil, p. 433
40 ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. 8ª ed. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2002, pág. 1105
41 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil , p. 317
42 Ibidem
43 Ibidem
44 Ibidem
45 MARQUES, op. cit., p. 319
46 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil , p. 319
47 MARQUES, ibidem
48 WAMBIER, op. cit., p. 372
49 CÂMARA, op. cit., p. 330
50 MARQUES, op. cit., p. 316
51 Ibidem
52 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil , p. 323
53 PIETRO-CASTRO. Derecho Concursal. 1ª ed., Madrid, 1974, p. 21
54 ARMANI, Anderson Mangini. Insolvência Civil. In: "A priori", INTERNET. Disponível em http://www.apriori.com.br/artigos/insolvencia_civil.shtml Acesso em : 20/Nov/2003