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A importância da aprovação do Projeto de Lei n. 548/2019 e seus regulares efeitos durante e após a pandemia da Covid-19 nas relações condominiais

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Agenda 23/09/2020 às 12:22

DA APLICAÇÃO EM DELIBERAÇÕES ORDINÁRIAS EM FACE DA COVID-19

Realizada a demonstração da importância da aprovação do projeto de lei e de como a adoção das medidas previstas no dispositivo normativo irá influenciar positiva e significativamente nas situações internas dos condomínios, principalmente no que tange à necessidade de quórum especial para deliberações, há no ano de 2020 uma nova situação experimentada por toda a população global que, como era de se esperar, acabaria gerando consequências nas deliberações necessárias e ordinárias dos condomínios, qual seja, a pandemia da Covid-19, originária do alto poder de virulência e contágio do vírus Sars-Cov-2.

Tendo em vista as medidas de recomendação sanitárias impostas pelo Poder Público para se evitar a aglomeração de pessoas, por ser esse um fator determinante para a expansão do vírus, os condomínios foram diretamente atingidos no que diz respeito à realização de assembleias que não poderão ser concretizadas, o que importaria, assim, em descumprimento da norma insculpida no artigo 1.350 do Código Civil pelos síndicos em todo o território nacional.

Art. 1.350. Convocará o síndico, anualmente, reunião da assembleia dos condôminos, na forma prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno.

§ 1 o Se o síndico não convocar a assembleia, um quarto dos condôminos poderá fazê-lo.

§ 2 o Se a assembleia não se reunir, o juiz decidirá, a requerimento de qualquer condômino.

Em que pese a previsão legislativa para que a assembleia seja convocada independente de ato convocatório do síndico, podendo ser realizada por parte dos condôminos ou por decisão judicial desde que requerido o pleito, em que a adoção destas medidas por falta de convocação ordinária pelo representante legal da massa condominial poder gerar responsabilização por ato ilícito desse, uma vez que se configura como sua competência nos termos do artigo 1.348, inciso I do Códex, não seria razoável que ocorresse a situação acima transcrita, nem da convocação por outros meios e nem a responsabilização do síndico. Isso porque, ante o fator determinante da pandemia, não há possibilidade para a realização de quaisquer reuniões que sejam, inclusive as assembleias condominiais, hipótese que se configura a força maior, tendo em vista que a pandemia se trata de um evento imprevisível da natureza, pois ainda não é possível pela ciência a antecipação de questões biológicas, tais como nascimento de vírus e sua grande virulência e, ainda que fosse possível a previsão do surgimento do referido agente patológico, o alto grau de contágio deste mostrou que todas as medidas adotadas, de maneira tardia pelos Estados ao redor do globo, tornou o problema inevitável, de modo que não há como considerar a manutenção das relações em seu estado ordinário por se tratar de temas atípicos, razão pela qual devem ser adotadas medidas que busquem diminuir os impactos trazidos pela nova situação.

Tal realidade impacta tanto as relações de direito privado que se fez necessária a adoção de medidas para regular tais ocorrências que se encontravam com elevado grau de insegurança jurídica ante a situação trazida pela Covid-19, estando estas reunidas na Lei n. 14.019 de 2020 que, dentre todas as medidas adotadas, à medida que mais interessa ao presente trabalho é a contida no artigo 12.

Art. 12. A assembleia condominial, inclusive para os fins dos arts. 1.349 e 1.350 do Código Civil, e a respectiva votação poderão ocorrer, em caráter emergencial, por meios virtuais, caso em que a manifestação de vontade de cada condômino por esse meio será equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à sua assinatura presencial.

Tal medida possibilita a realização de assembleias pela modalidade virtual, qualquer quórum seja exigido, para que possam ser regularizadas as situações relativas as relações internas do condomínio, tais como apresentação e aprovação de contas, reajuste de taxas condominiais, supressão de arrecadação de taxas de obras aprovadas anteriormente à pandemia, eleição de síndico e conselho e, até mesmo, a votação de matérias que exigem a aprovação por quórum especial, as quais foram fartamente expostas no tópico anterior. A situação que mais se permeia por questões polêmicas é a relativa à eleição de síndico e conselho fiscal ou consultivo dos condomínios, isso porque diversos são os condomínios que realizariam eleições de novos representantes no período em que ocorre a pandemia do Coronavírus. O entendimento majoritário das decisões judiciais e jurisprudenciais é de que o mandato do síndico se estende até o fim do estado de calamidade pública que, ante a previsão de que esse perdurará por muito tempo, se fez necessária as medidas previstas no Projeto de Lei alhures por diversos motivos.

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No entanto, cabe pontuar que a lei carece de ajustes no que diz respeito as mais variadas conjunturas que poderão e, certamente, irão acontecer. Qual o modo virtual deverá ser utilizado para as deliberações? Como e quais serão os procedimentos para a deliberação virtual? Qual o prazo máximo para a realização das deliberações e eventuais debates? A primeiro momento, não parece ser um problema de tamanha relevância quando se pensa em condomínios com poucas unidades, mas torna-se uma monstruosidade jurídica quando se observa pelo prisma de condomínios com mais de centenas e, até mesmo, milhares de unidades com direito a voto.

Cumpre lembrar que ao convocar referida assembleia, deve ser possibilitado a presença de todos os condôminos, ou então com base na média de pessoas presentes nas últimas assembleias, sendo que esse último não pode ser usado como indicativo, ante a nova situação, pois há grandes chances de mais pessoas presentes ante a facilidade experimentada. Os aplicativos de teleconferência como Whatsapp, Zoom, Telegram se mostram com falhas que não seriam interessantes, tais como limite de pessoas, tempo máximo de funcionamento, dentre outras. De igual modo, uso de meio de aplicativo de mensagens para deliberar parece pouco apropriado, pelo motivo de falta de meios que possam otimizar os assuntos, bem como falta de controle adequado de limites de fala, quer seja por áudio, quer seja por palavras, além do fato de poder estender o debate sem necessidade por dias fio. Esse último ponto, por sinal, acaba atingindo caso as deliberações se deem por meio de formulários e/ou e-mail, até que todos os condôminos sejam atendidos em seu questionamento. Por fim, seriam necessários alguns ajustes pela lei a ser sancionada, a fim de prever as situações experimentadas pelos condomínios de maior porte e todas as nuances possíveis.

Feita a ressalva, embora a lei tenha sido sancionado pela Presidência da República, este somente vigorará enquanto o país estiver na condição de estado de calamidade, uma vez que findo este, se pressupõe que a propagação esteja controlada e as pessoas poderão retornar ao seu cotidiano normal em seus ambientes de trabalho, reuniões, festas e, no caso, podendo se realizar assembleias normalmente de maneira presencial.

Ante o cenário apresentado, questiona-se: se faz necessária a manutenção de assembleia em maneira física? Situação essa que expõe as pessoas a contágio por quaisquer tipos de doença. Poderia o artigo 1.353-A a ser introduzido no Código Civil ser aplicado de maneira análoga para que, no caso de número extremamente baixo de condôminos a comparecer na assembleia, serem realizadas as assembleias no meio virtual? Parece razoável que a resposta seja positiva, para ambos os questionamentos, embora haja ressalvas sobre o assunto.

A necessidade de que a assembleia seja mantida em sua forma física, tendo em vista as especificidades de cada causa, onde determinado assunto seja conveniente a manutenção da reunião em espaço físico para exposição de ideias, argumentos, justificativas e até mesmo interpelação das medidas adotadas pela administração do condomínio, sendo exemplo dessa situação a prestação de contas por parte do síndico e proposta de reajuste da taxa condominial. A deliberação virtual desses assuntos, por ambiente virtual restaria prejudicada, mesmo que fosse adotada a criação de aplicativo especifico para isso, em que os debates poderiam se estender por dias a fio com a exposição de ideias dos condôminos e administração e as devidas réplicas a tréplicas, tendo em vista que nessa forma seria mais dificultoso o controle do tempo. De igual modo, as reuniões em plataforma de videoconferência também se mostram de difícil aplicação prática quando se fala em condomínios de grande porte em que o número de condôminos ultrapassa a casa das centenas e até mesmo, em alguns casos, de milhares. Deliberar sobre assuntos de natureza ordinária em que não se exige quórum especifico pela forma atual utilizada parece ser razoável, caso não haja nenhum tipo de impeditivo para a reunião nos espaços físicos.

Importante pontuar, ainda, que embora a norma trazida pelo legislador abarque apenas a possibilidade de realização das assembleias por modo virtual no caso de o quórum especial não for atingido em reunião presencial, parece ser razoável a aplicação por meio de analogia do novo artigo para a realização de assembleia virtual mesmo em situações que não se circundam de tanta especificidade. Em caso de a assembleia não atinja um número habitual alcançado nas que a antecederam, bem como diante da nova situação trazida à sociedade pelo novo Coronavírus, a aplicação do dispositivo, possibilitando a realização da assembleia de maneira virtual parece bastante fungível de ser atingida. Isso porque, considerando a hipótese de condomínios de grande porte onde, por muitas vezes, a assembleia recebe menos de um décimo de total dos condôminos para as deliberações, por diversos motivos, deixar assuntos importantes como eleição de representantes e aprovação de contas na mão de poucos, em detrimento da grande maioria que não pode comparecer não é nem pode ser considerado como razoável de ser mantido.

A nova realidade trazida à sociedade global irá influenciar as relações das próximas décadas, assim como se sucedeu ao longo da história pelas demais pestes experimentadas pela humanidade como a peste negra, gripe espanhola, dentre outras, que impactaram a maneira de se relacionar dos seres humanos. De igual modo, certamente se dará com a expansão do Coronavírus, que já vem impactando as relações comerciais, trabalhistas e as pessoais.

Diante desse novo cenário, mister se faz a adaptação das relações jurídicas de direito privado previstas na legislação vigente, no que se refere às questões condominiais tendo em vista que a necessidade de se adaptar para cumprir as exigências legais, restou bastante claro que em casos específicos, não só nos que serão abarcados pelo artigo 1.353-A, se aprovado, é possível realizar as deliberações sem a necessidade de reunião em determinado espaço físico, cabendo ao legislador adaptar os dispositivos vigentes, os condomínios alterarem seus regramentos internos a fim de possibilitar a realização de reuniões virtuais ou, na ausência destas previsões, cabe ao profissional do direito interpretar a lei e aplicar, no caso concreto, a melhor solução para o conflito gerado pelas diversas situações que poderão ocorrer.


CONCLUSÃO

Com a entrada da nova década e suas alterações nas relações humanas se mostra de extrema importância a constante atualização da legislação, com o devido fito de regular as situações experimentadas pela sociedade em seu cotidiano. De tal modo que, ante o binômio criado pelo aumento da população nos grandes centros em que se originaram os condomínios de grande porte, bem como pela facilitação trazida pela tecnologia, a alteração da legislação civilista trazida no Projeto de Lei 548/2019, incluindo o artigo 1.353-A no Código Civil, se mostra de extrema relevância e necessidade.

A inclusão de tal previsão na lei civil tem por objetivo possibilitar que os condomínios possam deliberar e aprovar questões de interesse da coletividade condominial que, por diversos motivos, não podem ou não conseguem comparecer nas reuniões de maneira física, bem como também tem o fito de diminuir a aprovação de matérias realizadas sem o quórum especificado pela lei. Importa dizer que a inclusão da matéria na previsão legislativa acarretará na diminuição das demandas judiciais, tendo em vista que com essa medida, o índice de matérias que demandam aprovação por quórum especial diminuirá drasticamente, principalmente nos condomínios de grande porte.

Não é razoável a manutenção do atual cenário experimentado, com o advento da tecnologia e com uma série de benefícios que serão alcançados com a medida, os quais ficam cada vez mais claros pela nova experiência experimentada por toda a população mundial em face dos efeitos trazidos pela pandemia da Covid-19. Os efeitos do isolamento social necessário têm demonstrado que diversas situações cotidianas não são imperativas que sejam realizadas com a presença física das pessoas, justamente pelas possibilidades trazidas pelas melhorias nas tecnologias de web aplicativos.

Tanto é verdade o que se afirma no parágrafo alhures que o Poder Legislativo pátrio teve a sensibilidade de realizar um projeto de lei a fim de regular as relações jurídicas de direito privado, prevendo a possibilidade de se realizar atos que antes eram dotados de extrema burocracia e com necessidade de realização física, fossem realizados por meio virtual, no que diz respeito às deliberações de condomínios e que, ainda que existam críticas quanto à alguns pontos da lei, se mostram de extrema necessidade e importância. Cumpre ressaltar que, embora a previsão se dê pelo período enquanto perdurar o estado de calamidade pública experimentado pelo país, os pontos positivos podem e devem ser mantidos pelo bem daqueles beneficiados com a medida, podendo ser aplicado sobre qualquer deliberação.

Mister, portanto, a aprovação e o lobby a ser feito pelos profissionais da área a fim de que facilitem a condução de assuntos de relevância para os condomínios que se encontram, atualmente, parados e submetendo condôminos a regras internas em desacordo com as suas necessidades, impossibilitados de realizarem obras de fachada ou que melhorem a sua utilização, por não conseguirem o quórum necessário, ainda que seja da vontade da maioria que, no entanto, não podem comparecer as deliberações.

De igual modo, cabe ao operador do direito aplicar a legislação de modo que possa trazer as melhores soluções para as situações de direito privado experimentadas durante e os efeitos irradiados após o fim do surto da pandemia do Covid-19. É fato que as relações futuras não serão as mesmas após o nefasto ano de 2020, em que as pessoas terão experimentado conjunturas antes não possíveis, ante a adoção de medidas de isolamento, trazendo novas situações jurídicas em que cabe a nós, profissionais da área do Direito, trazer segurança jurídica nas mais variadas searas.

Sobre o autor
Guilherme de Camargo Medelo

Advogado graduado pela Faculdade de Direito de Sorocaba (FADI), especializado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito (IBIJUS), pós-graduando em Direito Tributário e Constitucional pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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