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Prática indevida no mercado imobiliário: IPTU e condomínio

Agenda 03/10/2020 às 14:15

Existe uma prática em que as despesas condominiais e impostos do imóvel não adimplidos são repassados indevidamente para o comprador, sem que este seja previamente esclarecido.

O mercado imobiliário tem apresentado facilidades para obtenção da casa própria, ainda mais com os incentivos oferecidos pelos governos através dos planos habitacionais e também diante das condições especiais oferecidas pelas instituições financeiras na oferta de financiamentos.

Todas estas medidas movimentam o mercado imobiliário, surgindo assim empresas especializadas na construção e oferta de imóveis, ou seja, realizam a construção de grandes empreendimentos com muitas unidades passando por todos os procedimentos burocráticos municipais e conseguindo os alvarás necessários, chegando assim na realização das vendas diretas através de campanhas, feiras e também dos corretores de imóvel.

Em se tratando de prédios com muitas unidades, havendo a normalização de sua utilidade, estas começam a gerar alguns efeitos, como impostos e taxas condominiais. Algumas incorporadoras e construtoras não conseguem vender todas as unidades antes que gerem estes custos, tornando-se assim uma despesa para o imóvel de responsabilidade do proprietário, no caso a incorporadora ou a construtora.

Por esta razão, antes de comprar o imóvel, importa verificar no contrato se estas despesas são repassadas. Isso mesmo, por incrível que pareça, tem situações que as despesas condominiais e impostos não adimplidos são repassados indevidamente para os compradores do respectivo imóvel, sem que isso fique evidenciado e entendido pelo consumidor.

Muitas das vezes esta prática não é observada no momento da compra, vez que nem todos os consumidores passam seus contratos para um advogado analisar antes da assinatura, mas concluído o negócio é possível obter judicialmente a reparação diante da prática indevida, porém vamos entender a razão deste tipo de ilegalidade.

Como já salientado, o imóvel depois de regularizado gera efeitos no mundo jurídico, como o imposto (IPTU – Imposto Predial Territorial Urbano no caso para prédios urbanos) e também o condomínio, que é constituído pelas despesas geradas nas áreas comuns dos prédios e rateado entre as unidades prediais. São despesas intituladas como propter rem ou própria da coisa, existe em função do imóvel e não do proprietário.   

No caso das construtoras e incorporadoras é de praxe a realização de um compromisso de compra e venda da unidade para o consumidor, onde se prevê a forma de pagamento e a previsão de ingresso no imóvel. Entre a assinatura do compromisso e o ingresso no imóvel pode resultar em um grande espaço de tempo. É nesse intervalo que o vendedor passa as despesas geradas pelo imóvel ao comprador de forma indevida, mas o artigo 20 da Lei nº 4.591/64 afirma que as despesas do imóvel pertencem ao ocupante, ou seja, somente será devida quando o consumidor ingressar no imóvel.

“Art. 20. Aplicam-se ao ocupante do imóvel, a qualquer título, tôdas as obrigações referentes ao uso, fruição e destino da unidade.”

A comprovação da ocupação do consumidor no imóvel comprado da incorporadora ou construtora ocorre através do “termo de entrega da chave”, sendo que da data deste termo é que surge a obrigação do consumidor com os impostos e taxas condominiais.

O Tribunal de Justiça de São Paulo possui decisões com este entendimento, como o descrito abaixo:

“COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. Ação de declaração de nulidade de cláusula contratual c.c. repetição de indébito. Improcedência. Irresignação dos autores. Cobrança de IPTU e taxa condominial antes da entrega das chaves do imóvel. Abusividade. Encargos atrelados à efetiva posse do imóvel. Irrelevância do fato de tratar-se de obrigação propter rem. Precedentes. Valores despendidos com o pagamento de IPTU e taxas condominiais antes da entrega das chaves que devem ser restituídos aos autores, de forma simples, com correção monetária a partir do desembolso e juros de mora a partir da citação. Sentença reformada. Recurso provido.” (TJSP; Apelação Cível 1040432-45.2017.8.26.0100; Relator (a): Nilton Santos Oliveira; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 35ª Vara Cível; Data do Julgamento: 07/01/2019; Data de Registro: 07/01/2019)

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 Tal prática trata-se de cobrança indevida que, se paga, gera ao consumidor o direito a devolução por valor igual ao dobro do que pagou, conforme parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.” (Grifo Nosso)

A cobrança indevida objeto deste estudo pode ser interpretada como ilegalidade passível de indenização por danos sofridos, como dispõe o artigo , inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 6º - São direitos básicos do consumidor: (...) VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos;“

Igualmente, há decisões no Tribunal de Justiça de São Paulo sobre o tema. Vide abaixo:

Promessa de compra e venda – Cessão de direitos e obrigações sobre bem imóvel – Ação de obrigação de fazer c/c pedido de indenização – Processual – Agente financeiro que figurou em contrato como credor fiduciário – Ausência de responsabilidade pelo inadimplemento do contrato firmado entre vendedora e compradora – Ilegitimidade passiva bem reconhecida – Legitimidade passiva das rés integrantes do mesmo grupo econômico configurada – Retenção das chaves – Exceção de contrato não cumprido rejeitada – Alegação de inadimplemento da parte autora pelo não pagamento de ITBI e falta de liberação do crédito oriundo de contrato de financiamento – Correspectividade e simultaneidade entre as obrigações não configuradas – Retenção das chaves indevida – Fixação de lucros cessantes pela impossibilidade de fruição do imóvel – Despesas condominiais e de IPTU exigíveis da cessionária somente após a efetiva imissão na posse – Ressarcimento cabível – Dano moral configurado – Recurso de apelação não provido, e provido em parte o recurso adesivo. (TJSP;  Apelação Cível 1014536-56.2015.8.26.0007; Relator (a): Augusto Rezende; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VII - Itaquera - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/09/2019; Data de Registro: 03/09/2019)

Como visto, é necessário ficar alerta na aquisição de imóveis pelas incorporadoras e construtoras, lembrando que nem todas agem da forma descrita neste estudo, mas é necessário sempre analisar as propostas e, antes da assinatura dos contratos, consultar sempre um advogado. Caso já tenha concluído o negócio em que foi apurada esta prática indevida, saiba que é possível pleitear a devolução dos valores pela via judicial.

Apesar de ser relação de consumo, para a devolução dos valores aplica-se o prazo prescricional de 3 (três) anos, contados da data do pagamento dos valores, conforme o art. 206, § 3°, incisos IV e V do Código Civil:

“Art. 206. Prescreve:

(...)

§ 3o Em três anos:

IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;

V - a pretensão de reparação civil;”

Tal entendimento é confirmado pela jurisprudência:

“STJ. 3ª T. Consumidor. Hermenêutica. Prazo prescricional. Ação de repetição de indébito. Cobrança indevida de valores. Incidência das normas relativas à prescrição insculpidas no Código Civil. Prazo especial. Prescrição trienal. Pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa. Hipótese que consumidor pede restituição de valores cobrados indevidamente por fornecedor de serviços, in casu, instituição particular de ensino superior. Considerações da Minª. Nancy Andrighi sobre a definição do prazo prescricional aplicável na espécie. Precedente do STJ. CDC, art. 27. CCB/2002, arts. 205, 206, § 3º, IV, 884 e 2.028. CCB, art. 177.”

Já o Código de Defesa do Consumidor prevê prazo de 5 (cinco) anos para a prescrição, contados da data do conhecimento do dano, como descrito no art. 27:

“Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.”

No entanto, o artigo fala de reparação pelos danos causados. Como o pedido principal é a devolução de valores pagos indevidamente, na dúvida, é melhor ajuizar a ação antes dos três anos contados dos pagamentos indevidos, para se evitar problemas na defesa dos direitos.

Como visto, a complexidade das formas de trato no mercado imobiliário pode levar o consumidor a prejuízos na relação. O que parece ser um bom negócio, pode ser que não seja. Por esta razão, consulte sempre um advogado para analisar os contratos antes da assinatura e evitar maiores problemas como os descritos neste estudo.


Fontes:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4591.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm

Sobre o autor
Rogério Alves

Advogado Graduado no Centro Universitário Nove de Julho. Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito. Advogado parceiro da Buratto Sociedade de Advogados e Shilinkert Sociedade de Advogados. Palestrante do Departamento de Cultura e Eventos da OAB Seção São Paulo. Assessor do 2º Tribunal de Ética e Disciplina da OAB Seção São Paulo. Membro do Instituto de Desenvolvimento Educacional e Assistência Social - IDEAS. Articulista dos Sites Jus Brasil, Jus Navigandi, Conewsnity e Blog do Werneck. Administrador do Blog "Discussões por rogerioalvesadvblog"

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Rogério. Prática indevida no mercado imobiliário: IPTU e condomínio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6303, 3 out. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85748. Acesso em: 22 dez. 2024.

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