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A defesa dos direitos e dignidade dos animais não-humanos do ordenamento jurídico brasileiro

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4. A TUTELA JURISDICIONAL

Enfrentam-se diversas questões indefinidas ou mal resolvidas referentes à tutela dos animais não humanos no Brasil que impedem a evolução da matéria do país. A primeira delas trata da própria (in)adequação destes seres no direito brasileiro, ou a forma desordenada na qual isto foi feito durante os anos.

A própria definição de animal, conforme Castro (2009, p. 160) é um termo metajurídico e causa confusões pelas inúmeras espécies que abarca. No tópico seguinte demonstrar-se-ão as diversas mudanças legislativas concernentes ao status jurídico dos animais no Brasil, desde o século XX, que demonstram a total incerteza do legislador quanto à designação e ao tratamento coerentes àqueles, por vezes excluindo espécies de certos dispositivos e, em outras, abrangendo os seres em sua totalidade.

Buscando aproximar-se da definição dos cenários legislativo e constitucional brasileiro no que tange à tutela dos animais não humanos atualmente, analisar-se-ão os principais textos legais referentes à temática, bem como as decisões judiciais de maior importância para a definição de uma linha interpretativa dessas legislações.

A tutela dos direitos dos animais vem com a constituição de 1988, primeiro momento que se introduz a proteção ao meio ambiente engloba a esta os animais, como direito fundamental, não pelo viés da saúde ou econômico, mas como um fim em si mesmo. O meio ambiente como sujeito autônomo a ser tutelado pelo Estado e pela comunidade, assegurado pela carta magna, acompanhando uma tendência não apenas jurídica, mas uma mudança de percepções éticas, incluindo o meio ambiente e todos que nele habitam como detentores de direitos constitucionalmente protegidos. (SILVA, 2009).

A dignidade da pessoa humana está prevista no artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos e diz que “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”. Na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 1°, inciso III, diz que a dignidade da pessoa humana é elevada à condição de princípio constitucional fundamental do Estado.

A intenção do constituinte ao inserir esse artigo como direito fundamental assegurado na lei maior, era de garantir que a dignidade de todos os seres humanos fosse protegida, principalmente das pessoas pobres e menos favorecidas, pois só assim poderemos viver um Brasil justo e digno para todos os seus habitantes.

Além do mais, é muito cômodo se utilizar de um atributo exclusivo da sua espécie para hierarquizar os sujeitos que devem ser protegidos pelo campo do direito. Vários são os atributos de outras espécies que nós seres humanos não possuímos, como a capacidade de voar com o próprio corpo, de respirar debaixo da água, de suportar baixas temperaturas, entre vários outros atributos do mundo animal que a nossa espécie não possui. (SPAREMBERGER e LACERDA, 2009).

A problemática é considerar como critério a ser pertencente ao grupo dos sujeitos que profundamente carregam a dignidade e a racionalidade. A simples capacidade de pensar de forma racional não deve ser o parâmetro que define quem pode e quem não pode ser explorado.

Seres capazes de sentir dor, medo, amor, de terem consciência de quem são e do mundo ao seu redor, bem como de terem o interesse em não serem explorados, torturados e mortos, carregam, intrinsecamente, o direito a terem sua dignidade tutelada, porque só assim a dignidade abrangerá a todos que dela tem o direito.

Estamos ainda arraigados a ideias retrógradas que nos fazem crer que os animais não humanos sejam desprovidos de capacidades cognitivas e sensitivas, da mesma forma que era ao tempo da escravidão.

Urge que mudemos conceitos jurídicos como a visão tradicional civilista que classifica animais como bens móveis, o que já vem sofrendo restrições legais em muitos países, conforme Prof. Daniel Lourenço muito bem explica:

Além do exemplo alemão, o Código Civil austríaco, de junho de 1811, modificado pela lei federal BGBI nº 97/1986, fez constar em seu § 285-a: "Os animais não são coisa; eles serão protegidos por meio de leis especiais. As prescrições normativas em vigor destinadas às coisas não são aplicáveis aos animais [...]". Em maio de 1992, a Constituição da Suíça introduziu o art. 120-2, o qual prevê expressamente a proteção da "integridade dos organismos vivos". Nesta esteira, o Código Civil suíço de 1907, no recém incorporado art. 641, determinou que "os animais não são coisa". O art. 2.2. da Lei de Proteção Animal da Catalunha, datada de 4 de julho de 2003, estabelece que "os animais são seres vivos dotados de sensibilidade física e psíquica". O Código Civil da Moldávia afirma em seu art. 287 que "Os animais não são coisa, devendo ser protegidos por meio de leis especiais". O mesmo fenômeno pode ser observado na Lei de Proteção Animal da Polônia (1997) que reza: "Os animais são criaturas vivas capazes de sofrer. Não são coisa". O Código Civil francês foi igualmente modificado pela lei de 6 de janeiro de 1999 que modificou seus arts. 524 e 528. O novel art. 528 distingue os animais dos corpos inanimados, e o art. 524 separou os animais dos objetos destinados à exploração agrícola.

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Na realidade o que devemos atingir é uma igualdade material, por se tratar de que os seres humanos são iguais entre si, se tratando do princípio de que todos os indivíduos são iguais perante a lei, igualar os animais aos humanos não traria proporcionalidade ao ordenamento, reconhecer as diferenças é o correto a se fazer, reconhece-las entre capacidades humanas e não humanas, e assim de uma forma plausível e consciente adaptar a lei de uma maneira autentica, reconhece-los como sujeito de direito.


5. PROTEÇÃO JURÍDICA DA DIGNIDADE DOS ANIMAIS

A natureza foi explorada durante anos pelos humanos, tirando dela todo o tipo de recursos, sem se preocupar com o futuro, sem compromisso com o meio ambiente, sempre pensando que recursos seriam inacabáveis, florestas foram devastadas, animais extintos, muitos sumiram do planeta, seus habitats naturais foram extintos, mandados para outros lugares, sem ter a preocupação de transportes, sem controle, causando sofrimento e dor aos animais, extinguindo várias espécies dessa forma.

Ainda hoje, infelizmente, a fauna bem como a flora, é objeto de ignorância e ganância de muitos. O homem esquece que é parte da natureza, que é ele próprio uma espécie animal, sobrepõe valores econômicos, e apenas o seu bem-estar acima das demais espécies, julga-se superior e mais evoluído. As crenças religiosas, judaicas, cristãs, islamismo, contribuíram para as ideias de apropriação da natureza, há distorção de valores, preocupação com a economia dos povos, com a propriedade.

No cenário internacional, alguns movimentos são observados quanto a proteção dos animais, tais como: Em 1822 na Inglaterra o British Cruelty to Animal Act, algumas normas foram editadas na Alemanha em 1838 e na Itália em 1848, com normas contra mau trato e 1911 com o Protection Animal Act. Posteriormente em 1940 é promulgada uma Convenção Americana para proteção da fauna e da flora e em 1966 os Estados Unidos editam o Welfare Animal Act.32 No Brasil, pode ser citado o Decreto 16.590 de 1924 em defesa dos animais (proibição de rinhas de galo ...) e o Decreto 24.645 de 1934 definindo diversas figuras típicas de maus tratos aos animais, entre outras leis tais como o Código de Pesca Decreto lei 221/67, Código de Caça ou Lei 5.197/67, posteriormente alterada pela Lei 7653/88, que conceituou a fauna silvestre como propriedade do Estado, entre outros. (RODRIGUES, 2012).

No Brasil, a maior inovação adveio com a Constituição Federal de 1988, dedicando capítulo inteiro ao meio ambiente, e considerando em seu artigo 225 o meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito fundamental, e em seu parágrafo 1º inciso VII, proteção aos animais, dando-lhes natureza difusa e coletiva, portanto bem socioambiental de toda a humanidade, com imperativo moral que demonstra preocupação ética de vedar práticas cruéis contra os animais. Assim o direito conferido aos animais, torna-se a dever do homem e verdadeiro exercício de cidadania. Conforme Luis Sirvinskas:

“A fauna é um bem ambiental e integra o meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no art. 225 da CF. Trata-se de bem difuso. Esse bem não é público nem privado. É de uso comum do povo. A fauna pertence à coletividade. É bem que deve ser protegido para as presentes e futuras gerações.”

O marco da proteção legalista no Brasil, em favor dos animais, ocorreu em 1924, com o Decreto nº 16.590, que introduziu as "Casas de Diversões Públicas" e impediu, dentre outras ações, as de crueldade, brigas de galos e de pássaros silvestres.

Depois, vieram novas legislações, como o Código Florestal (Decreto nº 23.792/1934); a Lei de Proteção aos Animais (Decreto nº 24.645/1934), que conferia medidas protetivas aos animais. Em seguida adveio a Lei de Contravenções Penais, (Decreto-Lei nº 3.688/1941), proibindo a crueldade contra os animais e a classificando como contravenção penal - delito considerado de menor potencial ofensivo. Também foram promulgados: o Decreto 50.620/1961, que vetou a prática de rinhas de "brigas de galo"; o Código de Pesca (Decreto-Lei nº221/1967); Lei de Proteção à Fauna (Lei Federal nº 5.197/1967); Lei da Vivissecção (Lei Federal nº Lei nº 6.638/1979); Lei Federal nº 7.173/1983, que regula o estabelecimento e funcionamento de jardins zoológicos; Lei dos Cetáceos (Lei Federal nº 7.643/1987); Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1991), dentre outras legislações.

Saliente-se que a Constituição Federal de 1988 trouxe a maior inovação, estatuindo a proteção do meio ambiente, fauna e flora, proibindo práticas cruéis contra os animais. Assim, a tutela jurídica dos animais passou a ter status constitucional:

Art. 225, - caput, C.F.: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:[...]

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. [...]

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos [...]

Ao realizar uma leitura mais atenta do dispositivo, nota-se que a palavra "vida", significa "vida da espécie humana", ou seja, o meio ambiente e os animais são "bens fundamentais do homem" para que se exerça a dignidade da pessoa humana. Portanto, em nossa constituição, as demais espécies animais da fauna brasileira ainda não são consideradas como seres merecedores de proteção por terem um valor próprio, mas sim como bens difusos, administrados pelo Estado (conforme artigos 23,VII e 24,VI da CFBR/1988), e necessários para a preservação da existência digna da espécie humana. (LOURENÇO.op.cit.p.54).

Já há Delegacias de Polícia em alguns Estados, especializadas sobre o tema. Em São Paulo, inclusive, há a Delegacia Eletrônica de Proteção dos Animais (DEPA), bem como também existe a Divisão de Investigação sobre Infrações e Maus-Tratos a animais e demais crimes contra o Meio Ambiente.

Contudo, houve significativos avanços na tutela jurídica ambiental, o novo texto constitucional ainda não conseguiu de maneira eficaz incorporar um modelo ideal para melhor proteção da natureza, sendo esta como um ser vivo que requer tratamento especial e levando em conta as suas mais variadas formas. Não podemos desmerecer nossa Constituição, pois estamos avançando muito para a proteção dos animais não humanos.

Sobre os autores
Antonio Cesar Mello

Graduado em Direito pela Universidade Ritter dos Reis (Canoas-RS). Especialista em Direito e Estado pela Universidade do Vale do Rio Doce (Governador Valadares-MG). Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Belo Horizonte). Mestre, em Ciências do Ambiente pela Universidade Federal do Tocantins-UFT. Professor do Centro Universitário Luterano de Palmas, da Universidade Estadual do Tocantins e da Faculdade Católica do Tocantins

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELLO, Antonio Cesar; CAVALCANTE, Maria Mariana Souza. A defesa dos direitos e dignidade dos animais não-humanos do ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6384, 23 dez. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86774. Acesso em: 5 nov. 2024.

Mais informações

Artigo elaborado como requisito para obtenção do título de bacharel em Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins.

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