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A competência relativa dos juizados especiais criminais

Agenda 14/12/2020 às 15:50

O STF declarou a constitucionalidade de dispositivos legais que permitem o deslocamento de causas da competência dos juizados especiais criminais para a justiça comum ou para o tribunal do júri. Entenda como.

O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a constitucionalidade de dispositivos legais que permitem o deslocamento de causas da competência dos Juizados Especiais Criminais para a Justiça Comum ou para o Tribunal do Júri, em casos de situação processual de conexão e continência. Na sessão virtual encerrada em 4/12, o Plenário, por unanimidade, julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5264, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

O objeto da ação eram os artigos 1º e 2º da Lei 11.313/2006, que alteraram o artigo 60 da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/1995) e o artigo 2º da Lei dos Juizados Especiais Federais (Lei 10.259/2001). A PGR argumentava que os dispositivos violavam o princípio do juiz natural e o inciso I do artigo 98 da Constituição da República, que trata do julgamento, pelos Juizados Especiais Criminais, de infrações de menor potencial ofensivo (contravenções penais e crimes com pena máxima não superior a dois anos).

Para a PGR, o dispositivo constitucional confere aos Juizados Especiais Criminais “competência material absoluta” para esses casos, e essa regra não poderia ser modificada por causas legais, como a conexão ou a continência, que permitem a reunião de ações propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente.

A relatora ministra Cármen Lúcia ponderou que para os defensores da competência absoluta do JECrim, em razão da matéria, os institutos despenalizadores (transação penal e composição civil dos danos) apenas podem ser aplicados pelo JECrim e, nessa medida, a falta de oportunidade garantida ao réu dos benefícios processuais conciliatórios ofenderia o devido processo legal.

"Pelo princípio do juiz natural a competência para o processo dá-se em previamente designado na Constituição ou na lei, vedando-se, no sistema jurídico, juiz de exceção. Entretanto, não se determinou a exclusividade dos Juizados Especiais Criminais para o julgamento das infrações de menor potencial ofensivo, mas a observância do procedimento célere e dos institutos despenalizadores previstos na Lei n. 9.099/1995."

S. Exa. explicou que a especialização dos JECrim objetiva tornar o procedimento célere e informal, com a possibilidade de transação penal e composição dos danos a serem observados, não sendo definida aquela competência em razão do direito material tutelado.

"Os institutos despenalizadores dos juizados constituem garantia individual do acusado. As garantias fundamentais é que devem ser asseguradas, independente do juízo em que tramitarem as infrações penais."

A relatora afirmou que no inciso I do art. 98 da CF tem-se que, aos processos nos quais julgadas infrações de menor potencial ofensivo, devem ser observadas as peculiaridades procedimentais e a incidência de institutos despenalizadores; mas que não há, na norma constitucional, determinação de exclusividade aos Juizados Especiais Criminais para o julgamento dos crimes de menor potencial ofensivo.

"Se praticada infração penal de menor potencial ofensivo em concurso com outra infração penal comum e deslocada a competência para a Justiça Comum ou Tribunal do Júri, não há óbice, senão determinação constitucional, à aplicação dos institutos despenalizadores da transação penal e da composição civil dos danos quanto à infração de menor potencial ofensivo, em respeito ao devido processo legal."

De acordo com o voto, não se deve somar a pena máxima da infração de menor potencial ofensivo com a da infração conexa (de maior gravidade), para excluir a incidência da fase consensual e isso ser invocado como fator impeditivo para a transação penal ou composição civil dos danos.

"Dota-se, portanto, os Juizados Especiais Criminais de competência relativa para julgamento das infrações de menor potencial ofensivo, pela qual se permite que essas infrações sejam julgadas por outro juízo com vis atractiva para o crime de maior gravidade, pela conexão ou continência, observados, quanto àqueles, os institutos despenalizadores, quando cabíveis."

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Tem-se a lição de Eugênio Pacelli de Oliveira (Curso de Processo Penal . 9. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2012. p. 599):

“A referida lei, cumprindo, aliás, o comando do art. 98, I, da CF, deve ser interpretada no contexto de um movimento despenalizador, ou, ainda mais especificamente, desencarcerizador (tais são os seus propósitos). Esse movimento, cujo ápice resultou na Lei n. 9.714/98, que amplia a aplicação das chamadas penas alternativas, procura afastar, quanto possível, a imposição da pena privativa da liberdade. Na realidade, o problema penitenciário e prisional não é uma característica dos países denominados periféricos ou em desenvolvimento. O drama causado pela superpopulação de encarcerados e pelas condições desumanas de cumprimento das penas demonstra o desencanto com as prometidas funções destinadas às sanções penais e consequente falência de todo o sistema punitivo de privação da liberdade”

Colho ainda a lição de  Eugenio Pacelli (Curso de Processo Penal . 9. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2012. p. 563 e 571) que, em obra doutrinária, assevera sobre a competência dos Juizados Especiais Criminais: “(...) a) nenhuma privatividade dos Juizados para o julgamento dos crimes de menor potencial ofensivo, como facilmente se percebe da leitura do art. 98, I, CF; b) qualquer competência material, rigorosamente falando, isto é, em razão do direito material, que pudesse exigir a criação de uma Justiça especializada. O que é especializado nos Juizados é o rito procedimental e a possibilidade de transação penal, consoante os termos do art. 98, I, da Constituição. (...) É bem de ver, porém, que nos Juizados Criminais, pelo menos no que diz respeito à conceituação das espécies de jurisdição, não se exerce jurisdição especial, uma vez que o seu objeto é o Direito Penal comum, ao contrário do que ocorre, por exemplo, com a jurisdição eleitoral e a jurisdição militar. Naquela (a eleitoral), ainda que não se possa falar rigorosamente em Direito Penal especial, o fato é que o objeto e sua tutela é inegavelmente específico, o que, a nosso aviso, permite, ao lado das especificidades ocorridas também na formação de seus órgãos jurisdicionais, a denominação de jurisdição especial. Em razão disso, quando presente o concurso de infrações, a reunião de processos ocorrerá fora dos Juizados, segundo os critérios do citado art. 78 do CPP. E se já pensávamos assim desde as primeiras edições deste Curso, agora ficamos na confortabílissima companhia da Lei. De fato, a Lei 11.313/06, como vimos, alterando a redação do art. 60, parágrafo único, da Lei 9.099/95, e, também, do art. 2 º , parágrafo único, da Lei 10.259/01, ressalva expressamente a (in)competência dos Juizados Criminais quando as referidas infrações forem conexas e/ou continentes om outras, da competência do juízo comum ou do tribunal do júri. E, acrescentaríamos nós: também de qualquer outra jurisdição ressalvada em Lei ou na Constituição da República. Nessas situações, nada impedirá a aplicação das normas mais favoráveis previstas na Lei n. 9.099/95, adotando-se, se for o caso, a unidade apenas do juízo e não do processo. Assim, reunidos diversos e diferentes procedimentos (e crimes), nada obstará, no mesmo juízo, a adoção da transação penal, se for o caso, para o processo originariamente da competência dos Juizados”.

No mesmo sentido, tem-se o que disse Renato Lima Brasileiro (Competência Criminal. Salvador: Editora JusPodvim. 2010, p. 526):

“Da análise que foi feita dessas três hipóteses de modificação da competência, previstas na Lei n. 9.099/95, forçoso é concluir que a competência dos Juizados Especiais Criminais tem natureza relativa. De fato, fosse ela de natureza absoluta, não poderia ser modificada pela lei. Nem tampouco pela vontade das partes. E, como vimos, não é isso que ocorre. Imaginando-se a primeira hipótese de modificação da competência dos Juizados - impossibilidade de citação pessoal do acusado - basta que ele se oculte para não ser citado pessoalmente. E, por consequência, os autos serão remetidos ao juízo comum. Ora, se a competência dos Juizados possui natureza absoluta, como então se admitir que o acusado possa provocar a modificação da competência para o Juízo Comum? Se assim o é, temos que se trata de uma competência relativa”.

Portanto, a competência dos Juizados Especiais é relativa, e não absoluta.

Daí porque pode ser modificada e prorrogada.

Será o caso dos crimes em que haja a conexão, continência, e ainda no caso do Tribunal do Júri, em que os crimes dolosos contra a vida atraem a competência para tal órgão jurisdicional.

Tal é o entendimento de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (Curso de Direito Processual Penal, 2012, pág. 279): “Se um crime doloso contra a vida for conexo a outro crime comum, ambos serão apreciados pelo Tribunal Popular, pois este é o prevalente. O júri aprecia os crimes dolosos contra a vida, e além deles, os crimes que lhe sejam conexos. Com o advento da Lei n. 11.313 /2006, alterando o art. 60 da Lei n. 9.099/95, havendo concorrência entre crime doloso contra a vida e infração de menor potencial ofensivo, ambos irão a júri, devendo-se, contudo, quanto a esta última, oportunizar-se a transação penal e a composição civil dos danos. Acreditamos que neste caso, antes do processo se iniciar regularmente, deve ser realizada audiência preliminar, para que a tentativa de composição civil e de transação penal seja efetivada em prol da infração de menor potencial ofensivo. Se a audiência for frustrada, malogrando a composição civil ou transação, é que as infrações tramitarão juntas no processo”.

Creio ser esta a posição a seguir.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A competência relativa dos juizados especiais criminais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6375, 14 dez. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87384. Acesso em: 24 nov. 2024.

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