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Sociedades limitadas ou sociedades anônimas?

Agenda 13/08/2006 às 00:00

Superado o período da vacatio legis, e passados mais de seis meses de vigência do novo Código Civil, observamos o surgimento de debates acerca de diversos dispositivos do diploma legal. A nova lei trouxe inovações para todos os níveis da vida civil no Brasil, desde a redução da idade em que se observa a maioridade civil e, portanto, a capacidade para contratar, até a morte de uma pessoa e suas respectivas implicações, como por exemplo, a sucessão. Trataremos aqui, em especial, de um assunto pontual referente às mudanças que estão no Livro denominado Direito da Empresa.

Muitos profissionais, que atuam diretamente em assuntos empresariais, têm manifestado suas opiniões e preferências sobre um assunto que pode afetar a grande maioria das empresas regularmente constituídas no país. Isto porque mais de 90% das empresas no Brasil são constituídas sob a forma de Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, reguladas pelo Decreto nº 3708, de 10/01/1919. Este decreto foi revogado integralmente quando o legislador trouxe ao corpo do Código Civil as normas aplicáveis às sociedades, permanecendo apenas as Sociedades Anônimas reguladas por lei específica, qual seja, a Lei nº 6406, de 15/12/1976 e suas sucessivas alterações. Resultou que aquelas sociedades agora são denominadas Sociedades Limitadas, havendo sido introduzidos diversos institutos, que em primeira análise, parecem ter "engessado" este tipo societário, conforme as recentes opiniões.

Um primeiro ponto, antes da análise das possibilidades existentes, encontra-se nas disposições acerca da capacidade para contratar sociedade, fixada no artigo 977. Trata-se de norma aplicável a todas as sociedades, referente a contratação entre cônjuges. O novo Código Civil facultou aos mesmos contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória. As empresas existentes nestas condições deverão adaptar-se até o prazo fixado para atualização das sociedades, qual seja, 10 de janeiro de 2004. Contudo, este dispositivo legal levantou inúmeras vozes e reclamos de juristas e operadores do direito, tendo em vista que um grande número de pessoas jurídicas tem em seu quadro de sócios cônjuges casados sob o regime da comunhão universal de bens. Assim, poder-se-ia afirmar que estamos diante de uma norma econômica e juridicamente ineficiente, pois cria dificuldades evidentes ao impor às sociedades já existentes, assim como as que venham a ser criadas, restrição quanto à composição do quadro de sócios. O impacto econômico deverá ser mais sensível nas empresas de pequeno ou médio porte, acarretando custos adicionais. A imposição legal poderá criar, ainda, a figura do "laranja legalizado", caso os sócios não manifestem vontade de optar, como permitido pelo novo ordenamento jurídico, pela alteração judicial do regime de casamento. Assim, seria necessário trazer para o seio da sociedade figura estranha à mesma, forçando a mudança de uma situação verdadeira e saudável para uma ficção, o que não parece eficiente. Cabe indicar que grande parte dos projetos de lei, que atualmente tramitam na Câmara do Deputados com o intuito de modificar dispositivos do Novo Código Civil, visam alterar esta norma, simplificando a sua redação e apenas facultando-se aos cônjuges contratar sociedade, sem restrições.

Quanto ao suposto "engessamento" das Sociedades Limitadas, é possível elencar alguns pontos principais, a saber: a forma de deliberação, convocação para reuniões e assembléias, o quorum de deliberação, a existência de conselho fiscal, a publicação de demonstrações financeiras e a forma de tributação. Trataremos brevemente cada ponto a seguir, traçando um comparativo com institutos semelhantes das Sociedades Anônimas, enquadradas nos termos do parágrafo abaixo.

Cumpre lembrar que as comparações feitas recentemente entre as vantagens e desvantagens de manutenção da estrutura societária como Sociedade Limitada, ou uma eventual transformação em Sociedades Anônimas, tem se baseado na faculdade destas últimas, prevista no artigo 294 da Lei 6404/76, que dispensa as companhias fechadas, com menos de 20 acionistas e patrimônio líquido inferior a R$1.000.000,00, de algumas formalidades típicas, referentes aos temas indicados no parágrafo anterior. Desta forma, a modificação de quaisquer dos dois requisitos eliminará os benefícios auferidos, tornando as referidas sociedades muito mais onerosas e complexas, dificultando a comparação.

O Código Civil estabelece que os sócios das Limitadas deverão deliberar sobre determinados assuntos formalmente, ou seja, através de reunião ou deliberação. Segundo o artigo 1072, as assembléias são obrigatórias para as empresas que possuirem mais de 10 quotistas, aplicando-se, assim, as reuniões quando existentes menos. Nas Sociedades Anônimas, as deliberações são sempre tomadas em assembléia geral dos acionistas. Contudo, esta suposta recente formalidade refere-se às matérias elencadas no artigo 1071, são tradicionalmente objeto de alterações contratuais das empresas, com previsões expressas no próprio corpo do contrato social. A grande novidade parece ser o fato do legislador importar para o seio das Sociedades Limitadas um instituto semelhante à Assembléia Geral Ordinária, das Sociedades Anônimas. Refiro-me a obrigação de realizar, se for aplicável ao caso, uma assembléia anual, nos quatro meses seguintes ao término do exercício social, cujos objetivos principais são: a) tomar as contas dos administradores, deliberando acerca do balanço e resultado econômico; b) designar, quando aplicável ao caso, administradores; c) deliberar a respeito de outros assuntos fixados na ordem do dia.

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Nas Sociedades Limitadas, o quorum para aprovação das deliberações tomadas pelos quotistas é variado, fixado no artigo 1076 do código. Para alterações no contrato social e nos casos de incorporação, fusão, e dissolução da sociedade, ou ainda, a cessação do estado de liquidação, faz-se necessário 75% dos votos correspondentes ao total do capital social. Outros casos observarão o disposto no referido artigo, variando entre maioria absoluta e simples. Nas Sociedades Anônimas, o quorum para aprovação das deliberações é de maioria absoluta de votos, observadas as exceções previstas no Estatuto da companhia ou em lei.

A convocação para reuniões e assembléias deve ser através de anúncio publicado por três vezes, no mínimo, com intervalo entre a primeira e data fixada para a assembléia de oito dias. Contudo, a presença de todos os sócios dispensa estas formalidades, assim como a declaração, por escrito, de ciência da mesma, do local, data, hora e ordem do dia. Pode, ainda, ser dispensada a reunião ou assembléia na hipótese de todos os sócios decidirem, por escrito a matéria que deles seria objeto. Nas Sociedades Anônimas, a convocação deve ser feita através de anúncio entregue aos acionistas, devendo ser firmado recibo de entrega. Da mesma forma que nas Limitadas, presentes todos os acionistas, fica dispensada a comunicação formal.

Com relação ao conselho fiscal, nas Sociedades Anônimas ele é obrigatório, mas seu funcionamento pode não ser permanente, podendo ser instalado pela assembléia geral. Na regulamentação das Sociedades Limitadas, fixada pelo Novo Código Civil, o conselho fiscal poderá ser instituído, mas não é obrigatório. Se os sócios deliberarem instituí-lo, deverão alterar o contrato social e prever expressamente a sua existência e funcionamento, nos termos do artigo 1066 do regulamento civil.

A publicação das demonstrações financeiras para as Limitadas não é obrigatória. Contudo, determinadas demonstrações devem ser entregues aos quotistas, até trinta dias antes da realização da assembléia que deverá julgar contas dos administradores e outros assuntos, nos quatro primeiros meses do ano, quando não dispensada nos termos do § 1 do artigo 1072. Os documentos deverão ser disponibilizados por escrito, com prova de recebimento aos sócios que não exercem a administração. As Sociedades Anônimas, em contrapartida, são dispensadas da elaboração e publicação da demonstração das origens e aplicações de recursos, mas deve elaborar as demais (balanço patrimonial, demonstração de lucros ou prejuízos acumulados e demonstração de resultado de exercício).

Nos termos da legislação vigente, as Sociedades Anônimas são obrigadas ao regime tributário completo, enquanto as Limitadas poderão optar, dependendo de suas condições e competente enquadramento.

Conforme tratado no presente artigo, observamos que o suposto benefício com a transformação das Sociedades Limitadas em Sociedades Anônimas parece não muito claro. Ora, muitos dos elementos "engessadores" já são utilizados nas empresas existentes, constituindo-se prática difundida, seja no tocante às matérias de deliberações obrigatórias, seja na forma de deliberações. Desta forma, a nova legislação veio coroar certas medidas já consagradas, incorporando ao tipo societário regras coerentes visando uma conduta sadia, que atualmente exige-se das empresas no meio empresarial. Em última instância, alguns formalismos impostos pela nova legislação podem trazer benefícios às Sociedades Limitadas, considerando a eventual divulgação de informações importantes a investidores, parceiros, clientes, enfim, a universo de relacionamentos empresariais. Esta transparência da empresa com o mercado pode chegar, até mesmo, a importar alguns conceitos de governança corporativa, cujo estudo e aplicação tem grande receptividade junto a investidores.

Um argumento que não pode ser levantado é o fato de que as novas regras reduzem a informalidade, que era típica das limitadas. A informalidade que era permitida pelo Decreto nº 3708/19 justificava-se à época, no início do século passado, quando as relações civis e comerciais eram outras. Hoje, em 2003, as obrigações e exigências de uma empresa são muito diferentes daquelas, ainda mais se considerarmos os critérios adotados pelo atual código civil, com destaque para o principio da função social dos contratos e das Sociedades. Não se deve confundir informalidade com não formalidade. A nova legislação fixou um mínimo de regras, para uma transparente e eficaz condução dos negócios, garantindo aos sócios e àqueles que se relacionam com a empresa uma segurança jurídica maior.

Coloco, por fim, que os entendimentos são diversos quanto à aplicabilidade e alcance das normas e disposições do novo Código Civil, sendo o mesmo objeto de sensíveis alterações nos projetos de lei que tramitam atualmente no Poder Legislativo, principalmente o de autoria do deputado Ricardo Fiúza. Não podemos nos esquecer que, além dessas possíveis mudanças, o tempo e nossos tribunais deverão tratar de elucidar a matéria, da mesma forma que quando da entrada em vigor do código civil ora revogado, a construção de teorias sobre os institutos é, tanto gradativa quanto evolutiva.

Sobre o autor
Luís Rodolfo Cruz e Creuz

advogado, pós-graduando em Direito Societário, LLM - Legal and Law Master em Direito Societário - Fusões e Aquisições pelo Ibmec/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CREUZ, Luís Rodolfo Cruz. Sociedades limitadas ou sociedades anônimas?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1138, 13 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8765. Acesso em: 22 nov. 2024.

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