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A irrelevância do princípio do devido processo legal e dos princípios adjacentes para o Supremo Tribunal Federal

Os princípios constitucionais são esvaziados quando do bem entender dos Excelentíssimos Senhores Ministros

Agenda 20/01/2021 às 14:00

Trata-se de uma análise do Tema 660 do STF, cuja decisão da Egrégia Corte Suprema denotou que nem mesmo os princípios que garantem a legalidade e, consequentemente, a constitucionalidade de um processo judicial serão protegidos/guardados pelo STF.

INTRODUÇÃO:

O presente texto fará uma breve análise do Tema 660 do STF e suas consequências em um sistema jurídico civil law de direito, porém cada vez mais common law quando da vontade e interesse dos juízes togados.

Partimos de uma visão finalística do Direito, cujo axioma buscado, ao menos em maior grau, é a Segurança Jurídica e a defesa da Liberdade, por prestações estatais positivas e negativas. Explicaremos.

O Direito é eminentemente uma ciência social e jurídica que serve de baliza e de balizador para as relações interpessoais e as relações entre pessoas fictícias (leia-se Pessoas Jurídicas) de Direito Público e Privado entre elas, ou entre uma delas com pessoas físicas.

Temos direitos expostos e finalísticos para a consecução da vontade da Carta Política de 5 de Outubro de 1988. Não por menos, a vontade emanada pela Constituição Federal é materializada por diversos princípios expressos e implícitos, e assim, regulando todo o ordenamento jurídico, caso em que, se não observado, é passível de retirada do arcabouço legal.

Esses princípios representam um aspecto tanto quanto subjetivo, e dependem de um caso concreto para verificação da sua aplicabilidade. Não por menos, há um conjunto de julgadores responsáveis pelo cuidado da Constituição, a fim de não inibir sua eficácia e dar sentido prático àquilo que se tornou controvertido na prática.

Neste sentido, entende-se que ao Supremo Tribunal Federal cabe a guarda da Constituição ¹.

Pois bem. Passado por estes aspectos introdutório, iremos agora adentrar ao Tema 660 do STF.

Trata-se de uma decisão do eminente Excelentíssimo Senhor Ministro Gilmar Mendes, em sede de Agravo em Recurso Extraordinário distribuído sob o número 748371 RG/MT, em que a discussão permeiou acerca de uma eventual afronta ao princípio do contraditório e ampla defesa – cerceamento de defesa – referente a falta de intimação do autor da purgação da mora por parte do réu.

Em síntese, o réu devia parcelas de uma locação e, após a judicialização e a regular citação da ação, purgou a mora e, então, o Douto Juízo a quo extinguiu a obrigação e a ação, pela satisfação do crédito, sem intimar o autor para verificação do valor da purgação.

Estamos claramente diante de um caso de falta de observância ao princípio do contraditório e da ampla defesa, imprescíndiveis ao Devido Processo Legal.

O artigo 401 do Código Civil é claro ao afirmar que há purgação da mora quando o devedor oferece a prestação mais a importância dos prejuízos². Em outros termos, há purgação da mora quando o devedor paga o valor mais os prejuízos, devidamente corrigidos e em acordo com o que devido.

Ora, se somente nesse caso há purgação da mora, há necessariamente um dever do juízo em intimar o autor da ação, credor da obrigação, para que este possa infirmar estar pago a prestação devida acrescida dos danos.

Mas não só.

O artigo 62, III da Lei de Locações é ainda mais clara ao afirmar a possibilidade do locador alegar que a oferta não é integral e, portanto, caber ao locatário acrescer o valor para assim purgar a mora³.

Então, para que tenha a chance do locador em afirmar que a oferta não é integral, é imprescíndivel a sua intimação da purgação da mora.

Creio que o Sr. Leitor que prossegue na leitura do presente artigo já compreendeu que trata-se de um direito incontroverso do credor/autor em ser intimado de uma purgação da mora para que não tenha prejuízos insanáveis.

O que me parece ainda mais complexo em relação ao que será abordado no tópico posterior, é que o referido caso concreto percorreu um juízo natural e um tribunal até se findar na corte suprema, permanecendo a falha grotesca, por parte dos julgadores e consequentemente da ciência jurídica, em face de um direito tão elementar.

TEMA 660 DO STF:

O Supremo Tribunal Federal como uma corte constitucional, em que sua principal tarefa é a guarda da Constituição, e portanto não exerce essencialmente uma função de revisão de julgados, tem como atribuição solificar temas e controvérsias que atentem diretamente a Carta Magna.

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Em outras palavras, ofensas reflexas à Constituição Federal não são analisadas quando provenientes de um Recurso Extraordinário, por extrapolar a função precípua da corte.

Neste sentido, temos o §3º do artigo 102 da Constituição Federal dispondo ser necessário ao recorrente demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais4.

Pois bem.

No caso, não houve a admissibilidade do Recurso Extraordinário, uma vez que, no entender do tribunal a quo e do Excelso Ministro Gilmar Mendes, ter ocorrido apenas, e tão somente, uma ofensa reflexa à Constituição Federal, mesmo cientes de estar consignado o direito à ampla defesa e contraditório no artigo 5º, LIV e LV 5  da CRFB/88 e artigo 7º do Código de Processo Civil6.

Escreveu o Douto Ministro.

Sobre o tema, relembro que a ampla defesa possui densidade constitucional, portanto admite, em situações excepcionais de manifesto esvaziamento do princípio, o acesso à jurisdição desta Suprema Corte, por meio de Recurso Extraordinário.

(...)

(...) procura o Tribunal formular um critério que limita a impugnação das decisões judiciais mediante recurso constitucional. Sua admissibilidade dependeria, fundamentalmente, da demonstração de que, na interpretação e aplicação do direito, o juiz desconsiderou por completo ou essencialmente a influência dos direitos fundamentais, que a decisão se revela grosseira e manifestamente arbitrária na interpretação e aplicação do direito ordinário ou, ainda, que se ultrapassaram os limites da construção jurisprudencial.

(...)

(...) verifico que a controvérsia no caso sob exame limita-se à suposta má aplicação da legislação infraconstitucional, sobretudo do Código de Processo Civil.

(...)

Verifico, ainda, que o mesmo raciocíno acima apresentado se aplica às questões em que se invocam violações aos princípios do contraditório e do devido processo legal, bem como aos limites da coisa julgada.

A jurisprudência desta Corte é uníssona no sentido de que a suposta afronta a tais postulados dependente de prévia violação de normas infraconstitucionais, configura ofensa meramente reflexa ao texto constitucional7. [grifo nosso]

Em síntese, o Excelentíssimo Senhor Ministro Gilmar Mendes, entendimento encampado pelos julgados dos Excelentíssimos companheiros de Corte em outros processos, entendeu que o cerceamento de defesa não configura, por si só, uma afronta à Constituição Federal suficiente para “tomarem” o tempo dos juízes togados no exercício de suas funções.

E então fixou a seguinte tese referente ao Tema 660, do STF:

Violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa quando o julgamento da causa depender de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais. Extensão do entendimento ao princípio do devido processo legal e aos limites da coisa julgada. 8

Entende-nos, Srs leitores e eventuais aplicadores do Direito, o quão grave nos parece e que faz a nós temermos desta irrestrita “escolha” discricionária dos Ministros do Supremo Tribunal Federal em entender ou não um princípio ou regra estampada na Constituição Federal ser ou não passível de guarda. Ou seja, mesmo que previsto como um DIREITO FUNDAMENTAL ainda sim o Supremo Tribunal Federal possui a liberalidade de escolher ser ou não constitucional para fins de repercussão geral e afronta direta CF/88.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Teríamos ainda mais temas para serem debatidos no presente artigo, mas julgamos que o digníssimo leitor esteja um tanto quanto cansado do tom irônico e perplexo que buscamos expressar com as palavas aqui trazidas.

Mas o fato é que os princípios são conceitos vagos e abstratos, porém não podem possuir conceituações infinitas. Em outros termos, apesar de poder ser argumentado, o Direito ao Devido Processo Legal, ou mesmo o Direito à ampla defesa ou ao contraditório são discorridos pela legislação infraconstitucional e não dependem, ao menos em tese, de uma noção hermenêutica para ser aplicável. São aplicáveis quando obedecidas as regras impostas pelo Código processualista.

Neste ponto, entendemos razão assistir ao Excelentissímo Senhor Ministro Gilmar Mendes, pois realmente as normas práticas atinentes ao princípio do contraditório e ampla defesa estão contidas em normas infraconstitucionais. Porém este fato não afasta que os referidos direitos são de alçada constitucional e possuem, ainda mais em tempos de disvirtuamento de direitos que estamos inseridos, necessidade de guarda pela corte constitucional.

Percebam, senhores, não trata apenas da decisão estampada no Tema 660 do STF, apesar de ser este o motivador da elaboração do presente artigo, mas sim um conjunto de decisões reiteradas semelhantes. Uma verdadeira jurisprudência.

Portanto, contrários ao que vem decidindo os ínclitos julgadores da Corte Suprema, e cientes do perigo ao próprio axioma estampado na Constituição Federal, a não verificação de afrontas ao Direito ao Devido Processo Legal pela Corte Constitucional é uma verdadeira e irrestrita omissão da função atribuída, e digna de cada vez mais olhares atentos, por parte de nós, operadores do Direito. Conto com Vossa Excelência, caro leitor.


REFERÊNCIAS:

1.   “ Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:”
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Brasília, 5 de outuro de 1988, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acesso em 08/01/2021;

2. “Art. 401. Purga-se a mora:

I - por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta;” 
BRASIL, Lei 10.046 de 10 de Janeiro de 2002. Código Ci vil, Brasília, 10 de janeiro de 2002, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm, acesso em 08/01/2021;

3. “Art. 62.  Nas ações de despejo fundadas na falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação, de aluguel provisório, de diferenças de aluguéis, ou somente de quaisquer dos acessórios da locação, observar-se-á o seguinte:

III – efetuada a purga da mora, se o locador alegar que a oferta não é integral, justificando a diferença, o locatário poderá complementar o depósito no prazo de 10 (dez) dias, contado da intimação, que poderá ser dirigida ao locatário ou diretamente ao patrono deste, por carta ou publicação no órgão oficial, a requerimento do locador;”

BRASIL, Lei 8.245 de 18 de Outubro de 1991. Lei de Locações, Brasília, 18 de outubro de 1991, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm, acesso em 08/01/2021;

4. “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:”

§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.”
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Brasília, 5 de outubro de 1988, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acesso em 08/01/2021;

5. “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados ocontraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Brasília, 5 de outubro de 1988, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acesso em 08/01/2021;

6. “Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.”

BRASIL, Lei 13.105 de 16 de Março de 2015. Código de Processo Civil, Brasília, 16 de março de 2015, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm, acesso em 08/01/2021;

7 e 8. STF. “Tema: 660 – Violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa quando o julgamento da causa depender de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais. Extensão do entendimento ao princípio do devido processo legal e aos limites da coisa julgada.”, Leading Case: ARE 748371, Relator Min. Gilmar Mendes, Brasília, publicado acórdão em: 01/08/2013, disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4402220&numeroProcesso=748371&classeProcesso=ARE&numeroTema=660, acesso em 08/01/2021;

Sobre o autor
Pedro Henrique Silva Bacaro

Caros leitores. Estagiei 1 ano e 11 meses na Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, seccional de Araraquara/SP, no setor das Execuções Fiscais da Fazenda Nacional, sob a instrução do Dr. Felipe Augusto Vilela de Souza - Procurador da Fazenda Nacional; Estagiei em escritório de Advocacia LCBV, em Araraquara, pelo período de 3 meses. Escrevo pareceres e estou iniciando a escrita de artigos nas plataformas jurídicas. Atuo com maior fluência no campo do Direito Tributário, desde o consultivo, Recuperação de créditos e contencioso. Advogo desde maio/2021, com ênfase em consultivo administrativo; também atuando no contencioso em relações de consumo e locações imobiliárias. Sou de Araraquara/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BACARO, Pedro Henrique Silva. A irrelevância do princípio do devido processo legal e dos princípios adjacentes para o Supremo Tribunal Federal: Os princípios constitucionais são esvaziados quando do bem entender dos Excelentíssimos Senhores Ministros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6412, 20 jan. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88034. Acesso em: 26 dez. 2024.

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