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A ação monitória no direito brasileiro (Lei 9079/95)

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Agenda 01/06/2000 às 00:00

"Trata-se de uma ação de conhecimento, porque sua finalidade é fazer com o que o judiciário tome conhecimento do título que possui e o reconheça seu caráter de executável. Tem fins condenatórios porque o objetivo do autor é a condenação do réu, e consequentemente proporcionar a interposição de execução sem as delongas naturais do procedimento ordinário. E por fim, é procedimento de cognição sumária, porque o juiz mediante a prova escrita apresentada pelo autor, se for a mesma suficiente para convencê-lo acerca de sua legalidade, defere a expedição do mandado inaudita altera parts, ou seja sem ouvir a parte contrária."

ÍNDICE: Introdução / Capítulo I - Conceito de ação monitória / Capítulo II - Objetivo e Alcance da Ação Monitória / Capítulo III - Condições da Ação Monitória - 1) Legitimidade "ad causam" - 1.1) Legitimidade passiva da Fazenda Pública - 2) Interesse de agir - 3) Possibilidade jurídica do pedido / Capítulo IV - Requisitos da Ação Monitória - 1) Prova escrita - 2) Fungibilidade e liquidez do crédito - 3) Do pedido / Capítulo V - Citação na Ação Monitória / Capítulo VI - Procedimento da ação monitória - 1) Cumprimento da obrigação - 2) Interposição de embargos - 3) Inércia do devedor / Capítulo VII - Fase executiva da ação monitória / Conclusão.


Introdução

Este pequeno trabalho tem como finalidade abordar alguns pontos importantes surgidos com o advento da Lei 9079/95, que introduziu na nossa legislação, a ação monitória, integrada ao Livro IV , Título I do Código de Processo Civil..

Será apresentada a definição do que seja ação monitória, sua finalidade e alcance, requisitos, condições de admissibilidade, procedimento, modalidade de citações possíveis de serem realizadas na ação monitória e por fim a fase executiva do procedimento monitório.

Conquanto, será demonstrado também, dentro do possível, posições doutrinárias e jurisprudenciais sobre as questões abordadas neste trabalho.

Com relação a divergência existente nos tribunais quanto a possibilidade ou não se ser realizada a citação ficta no procedimento monitório, este trabalho visará apenas as decisões proferidas pelo Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, apenas para tentar focalizar a questão no Tribunal Mineiro.

Após vários clamores por parte de grandes processualistas brasileiros que proclamavam a necessidade da inclusão da Ação Monitória no Código de Processo Civil, tendo como sustentação o sucesso de sua existência na Itália e Alemanha, finalmente foi reintroduzido na nossa legislação pátria, a tão esperada Ação Monitória.

Antes da aprovação do projeto de lei nº 3805/93, que foi alterado pela nº 9.079, de 14 de julho de 1995, aqueles que possuíam documentos sem eficácia de título executivo, eram obrigados a valer do processo de conhecimento, cujas estruturas procedimentais são mais lentas e menos eficientes, para obter uma sentença de mérito para posteriormente utilizar a via executiva.

A lei 9.079/95, teve como principal escopo facilitar àqueles que possuem documentos sem eficácia de título executivo, a oportunidade de satisfação de seu crédito o mais rápido possível, sem as delongas do procedimento comum.

A introdução da Ação Monitória no Código de Processo Civil, se deu no livro IV, título I, o capítulo XV, sob a rubrica "Da Ação Monitória´´, tendo sido reservando a esta ação os artigos 1102a, 1102b e 1102c, tendo entrado em vigor, segundo o artigo 2º da lei 9.079/95, sessenta dias após a sua publicação no Diário Oficial de União, que se deu no dia 17/07/1995. Portanto a partir do dia 15/09/1995, a ação monitória já poderia ser manejada pelos operadores do direito.


CAPÍTULO I - CONCEITO DE AÇÃO MONITÓRIA

Segundo nosso mais famoso filólogo, Aurélio Buarque de Holanda, a palavra monitória significa, advertência, repreensão, admoestação, aviso com que se convida o público a ir dizer o que souber a cerca de um crime.

No Direito, o seu significado não é muito diferente. Ao que tudo indica, tem origem na expressão latina, como observa Plácido e Silva quando define a palavra monição: "do latim monitio, de monere (advertir, avisar), na significação jurídica, e em uso antigo, era o aviso ou convite para vir depor a respeito de fatos contidos na monitória. A monitória, assim, era carta de aviso ou intimação para depor. Monição. Na terminologia do Direito Canônico, é a advertência feita pela autoridade eclesiástica a uma pessoa, para que cumpra certo dever ou não pratique um ato, a fim de que evite sanção ou penalidade a que está sujeita, pela omissão ou ação indicadas."(1)

A Ação Monitória é um procedimento de cognição sumária, possui um rito especial, e tem como principal escopo alcançar o título executivo, de forma antecipada, sem a demora natural do processo de conhecimento que necessita de sentença de mérito transitada em julgado para que o processo executivo se inicie.

Trata-se de uma ação de conhecimento, porque sua finalidade é fazer com o que o judiciário tome conhecimento do título que possui e o reconheça seu caráter de executável. Tem fins condenatórios porque o objetivo do autor é a condenação do réu, e consequentemente proporcionar a interposição de execução sem as delongas naturais do procedimento ordinário. E por fim, é procedimento de cognição sumária, porque o juiz mediante a prova escrita apresentada pelo autor, se for a mesma suficiente para convencê-lo acerca de sua legalidade, defere a expedição do mandado inaudita altera parts, ou seja sem ouvir a parte contrária.

"A sumariedade da cognição constitui o instrumento estrutural por meio do qual a lei busca esse desiderato, naqueles casos em que é provável a existência do direito, seja pela natureza e objeto do direito, seja pela particular atendibilidade da prova que serve de fundamento dele." (2)

José Rogério Cruz e Tucci, conceitua a ação monitória da seguinte forma: "consiste no meio pelo qual o credor de quantia certa ou de coisa determinada, cujo o crédito esteja comprovado por documento hábil, requerendo a prolação de provimento judicial consubstanciado, em última análise, num mandado de pagamento ou entrega de coisa, visa obter a satisfação do seu direito." (3) Para o mesmo doutrinador, "o procedimento monitório é recomendado para litígios que não contenham questões de alta indagação, vale dizer, para aqueles em que a matéria contenciosa seja relativamente simples, como, e.g., a cobrança de honorários por profissionais liberais; a cobrança fundada em extratos autênticos de livros contábeis, ou em títulos cambiais que, dado carecerem de um requisito formal ou por estarem prescritos, não ostentam eficácia executiva; etc." (4)

Já Antônio Carlos Marcato, conceitua a ação monitória como sendo "um processo misto, integrado por atos típicos de cognição, em alguns aspectos parecidos com tantos outros que permeiam o sistema processual, bastando lembrar, a título de ilustração o processo de despejo e os processos possessórios, no quais, esgotada a fase de cognição e obtida a sentença de mérito, passa-se imediatamente à execução (execução lato sensu), sem a necessidade de instauração de um novo processo. Trata-se, em suma, de um processo que se desenvolve segundo a postura assumida pelo réu." (5)

A Ação Monitória não é estranha a nossa legislação, pois a nossa prática processual já contemplou procedimento semelhante, qual seja, a ação de assinação de dez dias, por força das Ordenações Filipinas, Título 25 do Livro III e pela Consolidação das Leis do Processo Civil, arts. 719 e seguintes, e, outrossim, Regulamento 737, que continha procedimento monitório, adotado na maioria dos Códigos estaduais, como por exemplo Códigos de São Paulo e Bahia. Foi, no entanto eliminada pelo Código de Processo Civil de 1939, e pelo Código de 1973, vindo o procedimento ser reinstaurado novamente no Brasil com a aprovação da Lei 9079/95.

Antes de sua introdução no Código de Processo Civil, aquele que possuía em mãos documento desprovido de certeza, liquidez e exigibilidade, caso pretendesse assegurar o direito de recebê-lo, era obrigado a movimentar o aparelhamento jurisdicional com ação de conhecimento de rito comum, ordinário ou sumário, objetivando a obtenção de um pronunciamento judicial (sentença condenatória), para posterior propositura da via executória.

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Com o objetivo de acelerar a prestação jurisdicional, é que a Lei 9.079/95, introduziu no Direito Brasileiro o Procedimento Monitório, regulamentado pelos artigos 1102 a, 1102b e 1102c do Código de Processo Civil, permitindo ao credor abreviar o caminho para a constituição de um título executivo, abrindo mão das delongas que, normalmente, seriam necessárias num processo de conhecimento para sua obtenção.

Sobre os artigos que regulamentam a ação monitória, que são acompanhados por letras (a, b e c), Ronaldo Brêtas Carvalho Dias, manifestou-se dizendo que "isto se deve à inteligente metodologia empregada pelos mentores intelectuais das reformas introduzidas no CPC. É digno de encômios, porque não desfigurou a estrutura normativa codificada."

Com o advento deste novo diploma legal, aquele que possui prova escrita representativa de um crédito mas que não possui eficácia executiva, utilizando do princípio de disponibilidade do rito, tem a opção de se valer desta ação monitória, requerendo a satisfação de seu crédito, seja através de pagamento de soma de dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.

Portanto, como se vê a Ação Monitória é um misto de ação executiva em sentido lato e cognição, onde ocorre a inversão do contraditório, na sua fase preliminar, competindo ao réu, descaracterizar o documento escrito apresentado pelo autor como representativo de seu crédito.


CAPÍTULO II - OBJETIVO E ALCANCE DA AÇÃO MONITÓRIA

O principal objetivo da ação monitória, como se vê pelo artigo 1102a do Código de Processo Civil, é conseguir através de um caminho mais rápido a satisfação do credor, seja com pagamento de soma em dinheiro, ou através da entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.

Artigo 1102a - A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.

O Ministro Sálvio de Figueiredo, com a finalidade de elucidar os objetivos da introdução do procedimento monitório no sistema processual civil brasileiro, transcreveu em artigo doutrinário sobre a reforma implementada no Código de Processo Civil: "Introduz-se no atual direito brasileiro, com este projeto, dentro de um objetivo maior de desburocratizar, agilizar e dar efetividade ao nosso processo civil, a ação monitória, que representa o procedimento de maior sucesso no Direito europeu, adaptando o seu modelo à nossa realidade e às cautelas que a inovação sugere. A finalidade do procedimento monitório, que tem profundas raízes no antigo Direito luso-brasileiro, é abreviar, de forma inteligente e hábil, o caminho para a formação do título executivo, contornando-o geralmente moroso e caro procedimento ordinário." (6)

Para Humberto Theodoro Júnior, "a finalidade do procedimento monitório (ou injuncional) – assim chamado por conter um mandado (ou ordem) ao devedor – é evitar perda de tempo e dinheiro, na formação de um título executivo que o devedor, muitas vezes, não tem interesse em obstaculizar". (7)

O procedimento monitório, como se verifica no disposto no artigo 1102 do Código de Processo Civil, não se aplica a todas as ações, está dele excluída as ações relativas às prestações de fazer e de não fazer e de dar coisa imóvel, restringindo-se assim somente àquelas ações que tem por objeto mediato o pagamento de uma soma de dinheiro, a entrega de uma coisa fungível ou de determinado bem móvel (coisa certa).

Coisa certa é o bem da vida determinada pelo gênero, quantidade e qualidade, enquanto que coisa incerta é a indicada pelo gênero e pela quantidade.

"Em doutrina a noção de bem é mais ampla do que a de coisa, entendendo-se por bem tudo quanto possa ser objeto de um direito, mesmo sem conteúdo econômico; coisa é o bem que possui valor pecuniário, compreendendo tanto a coisa móvel, um bem corpóreo, como um bem incorpóreo. O artigo 1102 do Código de Processo Civil fala em coisa fungível, o móvel que pode substituir-se por outro da mesma espécie, qualidade e quantidade, e bem imóvel, suscetível de movimento próprio, ou de remoção por força alheia." (8)


CAPÍTULO III - CONDIÇÕES DA AÇÃO MONITÓRIA

O juiz, assim como nas demais ações, antes de proferir o despacho mandado expedir o mandado de citação do devedor, verificará se encontram-se presentes as condições da ação e os pressupostos processuais.

Se no juiz acolhe a inicial, mandado expedir o mandado citatório, e esta encontra-se carente, seja porque falta interesse processual do autor; legitimidade de uma das partes ativa ou passiva ou ainda o pedido do autor é juridicamente impossível, o único meio que o devedor terá para alegar tais fatos é através dos embargos monitórios, pois contra este despacho não existe recurso.

Se o réu deixa de apresentar embargos, seja porque perdeu o prazo para sua interposição, ou porque não tinha interesse para tal, perderá a oportunidade para requerer o reexame das condições da ação, pois o mandado inicial converterá automaticamente em título executivo judicial.

1 – Legitimidade "ad causam"

Com relação à legitimidade para interposição da ação monitória, poderá figurar no pólo ativo, todos aqueles que se intitule como credor, ou seja, todos aqueles que possuírem documento idôneo que comprove seu crédito.

Terá legitimidade para figurar no pólo passivo, aquele que estiver obrigado a pagar a soma em dinheiro ou a entregar a coisa fungível ou o bem móvel determinado. É o devedor, reconhecido como tal pelo documento que o juiz apreciou prima facie.

Tratando-se de obrigação de pagar soma em dinheiro e existindo solidariedade ativa, ou seja mais de um credor, qualquer um dos credores estão legitimados a postular em juízo, isoladamente, ou através de litisconsórcio ativo facultativo (artigo 898 do Código Civil). Neste caso, convertendo o mandado em título executivo judicial, este valerá para todos.

Sendo, porém, mais de um devedor, ou seja, ocorrendo solidariedade passiva, o autor poderá ajuizar ação monitória contra um dos devedores, ou contra todos, formando um litisconsórcio passivo facultativo (artigo 904 do Código Civil).

Se o devedor escolhido pelo credor para ser cobrado cumprir o mandado monitório, ocorrerá a sub-rogação, ou seja, podendo após quitado o débito cobrar dos demais devedores a quota parte que lhes competia na obrigação (artigo 913 do Código Civil).

Se a obrigação da qual o autor pretende seja cumprida pelo réu for indivisível, como por exemplo, entrega de determinado bem móvel, e existindo mais de um credor, poderá cada um destes exigir a dívida inteira, ficando o devedor ou devedores desobrigados, somente se efetuar o pagamento a todos conjuntamente, ou a um, dando este caução de ratificação dos outros credores (artigo 892 do Código Civil).

1.1 – Legitimidade Passiva da Fazenda Pública:

Tema que vem suscitado acirrado debate em sede doutrinária é quanto a possibilidade de ser interposta ou não ação monitória em desfavor da Fazenda Pública, ou seja, se pode ou não a Fazenda Pública figurar no pólo passivo da ação monitória, mormente quando se refere a prestação pecuniária.

Sustenta-se de um lado, a total inviabilidade da ação monitória contra a Fazenda Pública para a obtenção de título executivo, pois contra o mesmo somente é permitido executar com base em título sentencial, conforme dispõe o artigo 100 da Constituição Federal, e ainda convertendo o mandado em executivo, tal decisão estaria sujeito ao duplo grau de jurisdição, conforme dispõe o artigo 475 do Código de Processo Civil, o que afetaria a celeridade do procedimento monitório e por decorrência, a eficácia da tutela através dele obtida.

Acrescenta-se ainda, como argumento contrário à admissibilidade da ação monitória em fase da Fazenda Pública, o fato de que é vedado à Fazenda Pública, sem expressa autorização legal, voluntariamente cumprir o mandado de pagamento, o que inviabiliza a primeira oportunidade de celeridade vislumbrada pelo procedimento monitório, que é a possibilidade do pagamento voluntário pelo executado. E ainda, de que não se opera, em relação a Fazenda Pública, os efeitos da revelia, fato que inviabiliza a obtenção do título executivo por falta de embargos, e por fim a impossibilidade de alienação dos bens públicos.

O Tribunal de Justiça de São Paulo e do Mato Grosso do Sul, sustentam este entendimento, conforme demonstra algumas decisões proferidas por estes tribunais:

REEXAME DE SENTENÇA – AÇÃO MONITÓRIA CONTRA MUNICÍPIO – FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL – EXTINÇÃO DO FEITO SEM EXAME DO MÉRITO – Não é cabível a propositura de ação monitória em face da Fazenda Pública, contra a qual não se admite ordem de pagamento e nem penhora, dependendo a execução de título judicial, emanado de processo de conhecimento, pois não há como ser expedido, desde logo, contra o Município, mandado para pagamento ou para entrega de coisa, como se sucede no procedimento monitório.

(TJMS – RS – Classe B – XIV – N. 57.424-3 – Bandeirantes – 1ª T.C. – Rel. Des. Elpídio Helvécio Chaves Martins. – J. 03.03.1998)

AÇÃO MONITÓRIA – Interposição contra a fazenda pública. Inadmissibilidade. Inteligência do art. 730 do CPC.

(TJSP – Ap 21.301-5/6 – 2ª C. – Rel. Des. Vanderci Álvares – J. 30.06.1998) (02.758/185).

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO MONITÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA – FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL – PROCESSO EXTINTO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO – FUNDAMENTAÇÃO ALTERADA – RECURSO IMPROVIDO – Descabe a ação monitória contra a Fazenda Pública, contra a qual deve haver título sentencial, com duplo grau de jurisdição, para pagamento por meio de ofício requisitório, tal como previsto no art. 100 da Constituição da República, e dotação orçamentária.

(TJMS – AC – Classe B – XVII – Nº 53.793-7 – Dourados – 2ª T.C. – Rel. Des. Rêmolo Letteriello – J. 17.02.1998).

O Prof. JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI advoga a tese da impossibilidade da propositura da ação monitória em desfavor da Fazenda Pública, anotando que "... verifica-se que o procedimento traçado para a execução por quantia certa contra a Fazenda Pública não se amolda, de modo algum, às particularidades que conotam o da ação ora examinada. Destarte, seria realmente impraticável admitir-se a emissão de uma ordem de pagamento, exarada no bojo do procedimento monitório, dirigida à Fazenda Pública. Basta atentar-se para a regra do inc. II do art. 730 do CPC, impositiva do "pagamento na ordem de apresentação do precatório", para concluir-se pela inadmissibilidade da ação monitória em face da Fazenda Pública. A inadequação desse meio processual, no caso de crédito de quantia certa, resulta flagrante." (9)

ANTONIO RAPHAEL SILVA SALVADOR, em forma de questionamento, argüi: "A Fazenda Pública pode ser parte passiva nesta modalidade de ação?"; e responde: "Entendemos que não é possível esta ação contra a Fazenda Pública, pois impossível expedir-se desde logo contra ela um mandado de pagamento ou para entrega de coisa. Os direitos da Fazenda são considerados indisponíveis, como se vê em RTFR 90/131, 121/133, 1.245/45 e 133/79 e RJTJSP 88/246 e 92/221. Se não se pode nem mesmo em execução por título judicial contra a Fazenda exigir o pagamento em 24 horas ou mesmo a penhora de bens, havendo execução especial na forma dos arts. 730 e seq. do CPC, como, então, exigir-se o pagamento por mandado ou a entrega de coisa antes da sentença judicial e antes de execução especial a que tem direito a Fazenda? Nos casos em que a Fazenda apresentasse seus embargos, ainda teríamos uma sentença que discutiria o direito das partes, e terminaríamos com uma sentença de mérito, ainda que fosse contra a Fazenda. Mas como ficaríamos se não fossem apresentados embargos ao mandado, e como poderíamos aceitar que o mandado expedido initio litis já determinasse à Fazenda que fizesse um pagamento que não poderia fazer, por depender de orçamento e de destinação apropriada da quantia, tudo a exigir o precatório." (10).

HUMBERTO THEODORO JÚNIOR anota que embora seja admitido na Itália o manejo do procedimento injuntivo contra a Administração Pública, tal procedimento não pode ser adotado no ordenamento pátrio. São as seguintes as palavras do autor: "Pensamos que a orientação em tela não pode ser transplantada para o Direito Brasileiro, em face das características de nosso regime de execução contra a Fazenda Pública, que pressupõe precatório com base em sentença condenatória (CF, art. 100), o que não existiria, no caso de ação monitória não embargada. Além do mais, a Fazenda Pública tem a garantia do duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 475, II) e a revelia não produz contra ela o efeito de confissão aplicável ao comum dos demandados (art. 320, II). Com todos esses mecanismos de tutela processual conferidos ao Poder Público, quando demandado em juízo de acertamento, tornar-se inviável, entre nós, a aplicação da ação monitória contra a Administração Pública. Seu único efeito, diante da impossibilidade de penhora sobre o patrimônio público, seria o de dispensar o processo de conhecimento para reconhecer-se por preclusão o direito do autor, independentemente de sentença. Acontece que a Fazenda não se sujeita a precatório sem prévia sentença, e contra ela não prevalece a confissão ficta deduzida da revelia. Assim, nada se aproveitaria do procedimento monitório, na espécie. Forçosamente, o processo teria de prosseguir, de forma ordinária, até a sentença de condenação." (11).

VICENTE GRECO FILHO, também entende descaber ação monitória contra a Fazenda Pública "... contra a qual deve haver título sentencial, com DGJ para pagamento de por meio de ofício, como previsto no art. 100 da CF e por meio de dotação orçamentária. Contra a Fazenda não se admite ordem para pagamento, como não se admite penhora, devendo, pois, haver processo de conhecimento puro, com sentença em DGJ e execução, nos termos do art. 100 da CF e 730 do Código." (12).

Há porém aqueles que sustentam que a necessidade de expedição de precatório para pagamento dos débitos da Fazenda Pública, não representa "óbice para a interposição da via monitória, pois o título executivo através dela obtido é, à evidência, antecedente à sua execução; ademais disso, seria relativa a indisponibilidade do direito da Fazenda Pública, não ficando ela impedida, portanto, quer de cumprir voluntariamente o mandado de pagamento, quer de se sujeitar à execução fundada no título executivo obtido pela via monitória." (13).

JOSÉ EDUARDO CARREIRA ALVIM, entende que "inexiste qualquer incompatibilidade entre a ação monitória e as pretensões de pagamento de soma de dinheiro contra a Fazenda Pública. O procedimento monitório, tanto quanto o ordinário, possibilita a cognição plena, desde que a Fazenda Pública ofereça embargos. Assim, se o credor dispõe de um cheque emitido pela Fazenda Pública, que tenha perdido a eficácia de título executivo, nada impede se valha da ação monitória para receber o seu crédito; identicamente, aquele que dispõe de um empenho ou qualquer documento de crédito que atenda aos requisitos legais, dispõe de documento idôneo para instruir o pedido monitório.".

Caso não haja oferecimento de embargos, anota ainda o tratadista, "forma-se o título executivo "judicial", convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo, prosseguindo-se na forma do Livro II, Título II, Capítulos II e IV, cumprindo distinguir se se trata de execução para "entrega de coisa" (arts. 621 a 631), ou por "quantia certa" (arts. 730 a 731).". [14]

ADA PELEGRINI GRINOVER, em recente comentário sobre o tema, perfilha a mesma opinião. Diz a ilustre professora: "não vejo nenhuma incompatibilidade entre um procedimento que visa exclusivamente a abreviar o caminho para a formação de um título executivo e a execução deste título executivo contra a Fazenda Pública, que virá depois. O que se consegue, através do procedimento monitório, nada mais é do que o título executivo. Se posso fazer valer um título contra a Fazenda Pública, pelas formas próprias, adequadas a execução contra a Fazenda Pública, também posso constituí-lo de forma abreviada contra a mesma Fazenda Pública. Sem dúvida nenhuma há documentos escritos que podem ser utilizados e que não tem força de título executivo contra a Fazenda Pública, como, v.g., o empenho. Tratar-se-á somente de observar as prerrogativas da Fazenda Pública no procedimento monitório, benefício de prazo para embargar (contestar) e talvez, a garantia do duplo grau quando a sentença condicional se consolidar. Apenas em caso de não oposição de embargos, a Fazenda Pública poderá embargar a execução de maneira ampla, mas essa visão não se aplica só a ela, mas a qualquer devedor que não tenha impugnado o mandado inicial. É o que se passa a ver analisando a amplitude maior ou menor, da matéria levantada nos embargos à execução. Trata-se, agora, dos embargos em sentido estrito, dos embargos do executado. Constitui-se o título executivo, porque foram rejeitados os embargos – contestação – ou porque não foram opostos e, agora, começa o processo de execução, através do título necessário, possibilitando a oposição de embargos como ação incidente dentro do processo de execução (...). E, com isso, também a Fazenda Pública, quando revel, terá assegurada a garantia do contraditório nos embargos à execução." (15) .

A questão, como se vê, revela-se complexa e controvertida, existindo posicionamentos doutrinários em vários sentidos, pois o legislador ao inserir a Ação Monitória no ordenamento jurídico brasileiro, foi omisso quanto a possibilidade ou não da interposição da Ação Monitória contra a Fazenda Pública.

Embora seja bem fundamentado a linha de pensamento daqueles que entendem ser cabível a interposição da ação monitória contra a Fazenda Pública, o melhor entendimento deveria ser quanto a sua impossibilidade. Pois se admitido a possibilidade de referida ação contra a Fazenda Pública, com as ressalvas e benefícios que a Fazenda possui, tais como o prazo em dobro para a interposição de embargos, o duplo grau de jurisdição, e o prosseguimento da executivo nos moldes do artigo 730 do Código de Processo Civil quando convertido o mandado inicial em executivo, estaríamos abolindo por completo o objetivo primordial da ação monitória, ou seja a obtenção do título executivo sem as delongas do procedimento ordinário.

Para ANTÔNIO CARLOS MARCATO(16), além da Fazenda Pública, não podem figurar no pólo passivo da ação monitória, o incapaz, o falido e o insolvente. No mesmo sentido posiciona-se Sálvio de Figueiredo Teixeira (Código de Processo Civil Anotado, p. 695) e Humberto Theodoro Júnior (Curso de Direito Processual Civil. Procedimentos Especiais, v. III n.1480, pp.379 e 380)

2 – Interesse de Agir:

Para que o autor interponha a ação monitória é necessário também que esteja presente o interesse de agir, que existirá sempre que o autor demonstrar a existência de seu crédito, fundamentando sua pretensão com a prova documental exigida pela lei.

Possuindo o credor prova documental sem efeito executivo, terá o mesmo a opção de requerer a satisfação de seu crédito através da via ordinária ou através da via monitória. Assim, compete ao credor, "optar dentre os instrumentos oferecidos pelo Código de Processo Civil, aquele que melhor atenda ao seu direito, haja vista que nem sempre o titular do direito deseja fazer uso da tutela diferenciada tendo e conta a sua individual situação fática em torno do direito material" (17).

"Aplicado o princípio da disponibilidade do rito pelo credor, ao juiz é vedado determinar, de ofício, que o pedido tramite sob o rito da ação monitória, por duas razões: a uma porque estará impondo ao autor uma perda parcial do seu crédito e ao Judiciário não é permitido transacionar com o direito da parte, salvo com sua expressa concordância; a duas porque o autor expressamente abdicou do benefício legal do rito célere ao propor ação sob outro rito." (18).

Estando porém, o credor com documento que possui efeitos executivos, não poderá optar entre a via executiva e monitória, pois será carecedor de ação se requerer a satisfação de seu crédito através da via monitória, já que o Código de Processo Civil, reservou procedimento próprio àqueles que possuem título executivo.

3 – Possibilidade Jurídica do Pedido:

Entende-se como possibilidade jurídica do pedido, a admissibilidade em abstrato do provimento pedido, segundo as normas vigentes no ordenamento jurídico nacional. Assim, compete ao juiz ao examinar a inicial verificar se o pedido formulado pelo autor tem embasamento legal e se é procedente.

ADA PELEGRINI GRINOVER(19), ressalta que se o credor, deixar de embasar seu pedido com prova escrita, não haverá a possibilidade jurídica do pedido monitório, porque a lei 9079/95, ao instituir a ação monitória, a restringiu ao processo monitório documental.

Assim, o juiz além de certificar se o pedido do credor está acostado num embasamento legal, deverá também certificar se está tal pedido acompanhado da prova documental exigida pela lei.

Sobre a autora
Cristiane Delfino Rodrigues Lins

advogada e consultora jurídica em Uberaba (MG), pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade de Uberlândia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LINS, Cristiane Delfino Rodrigues. A ação monitória no direito brasileiro (Lei 9079/95). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -1126, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/892. Acesso em: 15 nov. 2024.

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